sábado, 22 de julho de 2023

Leitura: Quatro anos nas sombras (2022)



Refeição Cultural

Osasco, 22 de julho de 2023. Sábado.


LER PARA PRESERVAR NOSSA HUMANIDADE

Ler, ler para preservar uma habilidade desenvolvida pelo animal humano há milhares de anos. Ler para preservar meu cérebro, a essência do que sou. A linguagem humana é inata, a escrita não é, ela é uma invenção da mente humana.

Ao observar o presente suspeito que chegará um dia no qual os humanos não lerão mais nada (a maioria, não a totalidade, como nos primórdios da escrita). Nem sei se os animais humanos não leitores desse suposto dia no futuro poderão ser chamados de homo sapiens como se deu no passado e no presente. 

Afinal, o que nos faz humanos? Uma das características que nos diferencia dos demais animais é o nosso cérebro de 86 bilhões de neurônios e nossa capacidade de linguagem. O cérebro humano e a sociedade humana deram um salto evolutivo quando a linguagem passou a ser registrada. 

E não estou sugerindo que as sociedades tradicionais e ou originárias ágrafas não eram compostas por homo sapiens. Todos os grupos humanos do passado e do presente participaram cada um à sua maneira da evolução da espécie humana. A evolução através da linguagem escrita se deu de forma diferente no planeta Terra.

Tem dias que eu consigo ler mais. Tem dias que eu quase não consigo ler. Tem dias que leio de forma insatisfatória, leio sem aquela concentração e reflexão que Paulo Freire ensina sobre a leitura (comentário aqui), sobre a qualidade da leitura (também aqui). No entanto, tento ler todos os dias, "aunque sean los papeles rotos por la calle" como nos conta Miguel de Cervantes, do clássico Don Quijote de la Mancha.

Enfim, ler é uma atividade fundamental para a nossa humanidade. Partilho da preocupação de alguns intelectuais sobre o futuro da espécie homo sapiens. Entendo que estamos emburrecendo por causa das tecnologias de comunicação atuais, estamos regredindo perigosamente como seres humanos. Estão sendo alteradas habilidades humanas como capacidade de linguagem, comunicação, criatividade e postura frente às grandes questões da espécie humana.

Se algo não for feito por nós mesmos, humanos, caminharemos para ser meio bovinos, meio galinhas, seres digitais autômatos e sem criatividade, massas humanas manipuladas por poucos como se fôramos gados em cercados. Quase humanos-baterias de um sistema capitalista global totalitário, como aquela clássica cena do filme Matrix.

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PERPLEXIDADE E ESPERANÇA

A leitura neste momento histórico - seis meses do 3º governo Lula - do livro coletivo Quatro anos nas sombras, produzido em meados de 2022 por diversos autores e autoras e organizado por Cleusa Slaviero, foi uma leitura para relembrar a tragédia recente pela qual nosso país passou sob o poder de facínoras degenerados como os do clã de milicianos que ocupou o poder até o ano passado.

A leitura foi também uma comunhão de esperança num amanhã de reconstrução. Nada nada, o livro reúne umas trinta pessoas que leem, escrevem, se preocupam com o presente e o futuro, e pensam a vida em comum na coletividade humana.

A maior parte dos textos são textos que descrevem a situação vivida entre os anos de 2019 e 2022 no Brasil, são textos nos quais autoras e autores confessam suas perplexidades ao nos depararmos com um caos jamais imaginado por pessoas com um mínimo de razão e formação cultural. Caos que vivemos no Brasil de Bolsonaro e das bestas-feras que invadiram nossas vidas e nossos espaços vitais.

Alguns textos me fizeram refletir bastante, olhando o ontem e pensando o presente e um possível amanhã. 

Conheço alguns articulistas e gostei dos textos em geral, mas cito o texto da companheira Miriam Shibata, "Carta para o futuro", achei muito legal. Também compartilho a tese das "Mentes capturadas" como nos conta a companheira Marisa Stedile.

O texto que fiz como contribuição refletiu um pouco sobre a esperança (ou desejo) de voltarmos a viver um mínimo de sociabilidade entre as pessoas no cotidiano de nossas vidas, sejam elas bolsonaristas e ou extremistas de direita, sejam elas do nosso campo humanista. Deixo abaixo meu texto para aqueles que não tiveram acesso ao livro.

Esse foi o 21º livro que li neste ano. Estou variando bastante os textos lidos para estimular a minha mente a seguir ativa e atuante.

William


Bibliografia:

SLAVIERO, Cleusa (org.). Quatro anos nas sombras. 1ª edição. Curitiba, PR. Compactos, 2022. 

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UM NOVO BRASIL

Voltei de uma viagem de mais de 3.000 Km pensando a respeito do tema do livro coletivo que decidimos escrever abordando o período de destruição que vivemos após o golpe de Estado em 2016 e as eleições fraudulentas de 2018 que colocaram nos poderes do Estado brasileiro as piores representações políticas de nossa história. O Mal tomou de assalto o poder e desde então foi só destruição, tristeza coletiva e desesperança no presente e no futuro.

A viagem que empreendi foi um compromisso com minha mãezinha de levá-la para visitar o irmão caçula no Estado do Mato Grosso. Como após o golpe as passagens aéreas se tornaram impossíveis para nós da classe trabalhadora, precisei viajar de carro por essas estradas da vida brasileira. Não tenho o hábito de dirigir e tive que buscar em mim a atitude de fazer o que tinha que ser feito.

Os quatro anos de hegemonia do Mal no poder central do país destruiu tudo, inclusive as relações familiares e de convivência entre as pessoas. 

Nesta viagem que empreendemos, tive a oportunidade de rever pessoas queridas da família que não via há anos, separação ocorrida muito por causa do ódio e da intolerância adotados como política de governo porque é impossível como seres humanos não sofrermos as consequências de uma política feita para dividir, incentivar a violência, estimular o que há de pior em cada um de nós, seres sociais influenciáveis pelos ambientes nos quais vivemos.

Se tudo correr bem nas eleições de outubro de 2022, e conseguirmos eleger novas representações políticas – pessoas do campo progressista e popular – teremos um grande desafio no dia seguinte ao resultado das urnas. Se Lula for eleito e se tivermos um bom número de governadores e representantes dos poderes legislativos do campo da esquerda e da classe trabalhadora teremos que trabalhar muito para pacificarmos minimamente o país, começando por nós mesmos, sim, porque tod@s nós estamos envenenados por esse ódio e essa intolerância que não nos permitem a convivência com o diferente, com as pessoas que não compartilham nossas visões de mundo.

A simples necessidade de viajar para rever familiares por questões de saúde me colocou diante de desafios aparentemente lhanos, comezinhos, de encontrar parentes dos quais nos afastamos por questões políticas. 

O coração apertou muito nos momentos que antecederam os encontros. Como seria reencontrar na casa de meus pais em Minas Gerais tias e primos que não via há anos? Depois a mesma sensação ao reencontrar em Goiás mais familiares distantes há tanto tempo. E por fim, mais familiares no Mato Grosso. Alguns dos encontros foram inevitáveis, não programados, não controlados. E, felizmente, correu tudo bem. Os encontros me deram um gostinho de um Brasil que eu queria de volta, de laços fraternos, de amizade, de amor.

Estamos todos muito carentes, isolados, com o peito apertado, garganta entalada, olhos marejados. Estamos sós, estamos deprimidos. Estamos com vontade de abraços. Ainda tivemos nesses quatro anos nas sombras uma pandemia mundial que parece ter facilitado a vida da extrema-direita em nos dividir, amedrontar, isolar-nos em nossos cantos-mundo de forma a só termos contatos virtuais com as mentiras e as sementes de ódio que nos chegam por redes sociais envenenadas de intolerância. Estamos carentes de amor, de acolhimento, de solidariedade.

Ao retornar dessa viagem de família e de reencontros, me bateu no peito um desejo de um novo Brasil, de um novo ambiente de convivência fraterna e cooperativa entre nós todos, povo brasileiro. 

Ao perguntar pela saúde de nossos entes queridos e saber que não estão bem, bateu uma vontade de superar os muros que nos separaram desde o golpe e desde a ascensão desse regime do Mal e trabalhar nosso Eu mais profundo de forma a tomar coragem e ir visitar nossos familiares e pessoas de relações rompidas por causa do que nós todos nos tornamos após essa tragédia política que se abateu sobre nós.

No coração bate um desejo de rever pessoas afastadas há muito tempo e dar um abraço de solidariedade por tudo o que estamos enfrentando. Talvez o ato de tomar coragem e se preparar para reencontros seja um ato de esperançar, e nada será fácil e simples, pelas diferentes visões de mundo, mas se na palavra defendemos a alteridade e a tolerância, cabe a nós tentarmos exercitar a prática como critério da verdade. Lutemos para que nasça um novo Brasil e uma sociabilidade acolhedora entre nós.

O retorno da sociabilidade entre nós é um pouco do que desejo e do que devo buscar para um novo Brasil, um novo governo e uma nova convivência entre nós, povo brasileiro.

William Mendes

Do Blog Refeitório Cultural

Osasco - SP


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