Refeição Cultural
Osasco, 9 de julho de 2023. Domingo.
O TEMPO, A MATÉRIA E OS HOMENS PRESENTES
"Que quer a paixão? detê-lo.
Que quer o peito? fechar-se
contra os poderes do mundo
para na treva fundir-se.
Que quer a canção? erguer-se
em arco sobre os abismos.
Que quer o homem? salvar-se,
ao prêmio de uma canção." (O arco)
O livro Novos poemas (1948) é o sexto livro de poesias de Drummond que li. Ele está no 1º volume da coletânea Nova Reunião: 23 livros de poesia, da Edições BestBolso.
Os cinco livros anteriores de Drummond são os que mais conheço, desde que passei a ler poesia, após os 30 anos de idade. Os três primeiros - Alguma poesia, Brejo das almas e Sentimento do mundo - leio há mais de duas décadas. José e A rosa do povo, li inteiros pela primeira vez durante a pandemia de Covid-19. Foi uma experiência marcante.
"O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,/a vida presente" (Mãos dadas)
Drummond é uma figura humana extraordinária! Dessas que passaram pela humanidade e deixaram grandes coisas para os seres humanos. O poeta foi cronista por mais de seis décadas. Como cronista era um observador, um homem cuja matéria era o tempo, os homens e a vida presentes. Um grande homem, Drummond.
Talvez por causa do poeta trabalhar justamente com as palavras e sua matéria ser o tempo, os homens e a vida é que sempre que leio Drummond fico tão pensativo sobre nossas vidas, nosso tempo e os humanos que nos cercam. Foi assim na leitura dos poemas desse pequeno livro Novos poemas. Pensei nessas coisas do tempo presente e da vida presente.
"Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me veem, eu vejo
e saúdo velhos amigos." (Canção amiga)
É evidente que o coração sente o esquecimento, o ser deixado de lado por causa dos tempos de mesmices e bolhas amigas que não toleram a divergência construtiva. Como não sentir? Sinto. É seguir saudando os velhos amigos.
"E resta a espera, que sempre é um dom.
Sim, os extraviados um dia regressam
ou nunca, ou pode ser, ou ontem.
E de pensar realizamos" (Desaparecimento de Luísa Porto)
Tanto tenho refletido sobre os momentos nos quais nos sentimos impotentes por causa da incapacidade de interferir em eventos da materialidade da vida nossa e dos outros... às vezes, nos resta a torcida e a espera, até como um dom mesmo, como diz o poeta.
"Mas tenho apenas meu canto,
e que vale um canto? O poeta,
imóvel dentro do verso,
cansado de vã pergunta,
farto de contemplação,
quisera fazer do poema
não uma flor: uma bomba
e com essa bomba romper" (Notícias de Espanha)
Eita, poeta! Às vezes, a gente que agora só tem a palavra, sem mandato sem representação, a vontade é de escrever e falar tudo o que pensa mesmo, sobre o movimento, sobre a Cassi, sobre acertos e erros de nosso governo, as potencialidades efetivadas e as perdidas...
"A dileta circunstância
de um achado não perdido,
visão de graça fortuita
e ciência não ensinada,
achei, achamos. Já volto
e de uma bolsa invisível
vou tirando uma cidade,
uma flor, uma experiência,
um colóquio de guerreiros,
uma relação humana,
uma negação da morte,
vou arrumando esses bens
em preto na face branca." (Aliança)
Do poema "Aliança" quase escolhi dele a ideia triste de "Já desisto de lavrar/este país inconcluso,". Aí pensei, pensei, pensei e senti que o melhor é tirar a ideia feliz "e de uma bolsa invisível,/vou tirando uma cidade,/uma flor, uma experiência/um colóquio de guerreiros,/uma relação humana,".
É isso! Estamos vivos, estamos aqui, a vida é o presente de lutas, a história segue sendo feita por nós, humanos.
O poema "O enigma", último do livro, é fabuloso! As pedras são as personagens da história. Elas caminhavam pela estrada e um dia uma forma obscura lhes interrompe o caminho. Eram inteligentes e raciocinaram enquanto puderam sobre o que fazer. Acabaram por se fixarem no caminho como chão, montanhas ou seixos.
"Ai! de que serve a inteligência - lastimam-se as pedras. Nós éramos inteligentes; contudo, pensar a ameaça não é removê-la; é criá-la.
Ai! de que serve a sensibilidade - choram as pedras. Nós éramos sensíveis, e o dom de misericórdia se volta contra nós, quando contávamos aplicá-lo a espécies menos favorecidas." (O enigma)
Fica para nós a mensagem final do poema e do livro, a Coisa "não se compadece nem de si nem daqueles que reduz à congelada expectação", a Coisa "Barra o caminho e medita, obscura."
Esse é nosso poeta Carlos Drummond de Andrade. Esse foi meu 2º livro do semestre e o 20º neste ano.
Se contar os poemas dos 6 livros que li de meu poeta preferido, agora são 49+26+28+12+55+12=182 poemas conhecidos por mim. Faltam centenas ainda. É seguir lendo e conhecendo Drummond.
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REFLEXÕES
No início deste semestre, a primeira leitura feita por mim foi a argumentação do jovem advogado Fidel Castro em defesa do movimento de libertação de Cuba e do povo cubano, o grupo atacou o Quartel Moncada e por detalhes não obteve sucesso. Fidel nos conta em A história me absolverá as motivações seculares que moveram aqueles jovens corajosos, patriotas e revolucionários. Ler comentário sobre o livro aqui.
De ler a argumentação de Fidel Castro e de ver paralelos entre as causas originárias das lutas de libertação do povo cubano e as causas que moveram por mais de meio século o retirante nordestino e metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva - essas causas comuns são a miséria do povo, a injustiça social e o abuso de elites e grupos de poder instalados nos países da América do Sul e Caribe - peguei na estante alguns livros sobre Lula e os apartei como desejo de leitura para os próximos dias.
E onde entram os desejos de leitura que ocupam os dois lados de minha pequena mesa de trabalho e estudos na sacada de casa, livros sobre Cuba, sobre Machado, de poesias de Cecília Meireles e Drummond e Os miseráveis? Peguei até um livro de Peter Straub dos anos oitenta de terror e suspense que me deu medo quando o li na adolescência...
Que miscelânea é essa? Talvez tudo isso tenha para mim um sentido de tempo presente, de urgência do presente, de finitude de tudo e falta de tempo para conhecer tudo que gostaria de conhecer no parco tempo de uma vida humana. Eu só tenho o presente...
Sinto que o tempo está passando naturalmente. Sinto que o tempo está escorrendo rápido como se fosse a água descendo por um ralo: tempo psicológico? tempo cronológico?
Já sei que não tenho o tempo que passou, sei que não tenho domínio algum sobre um eventual tempo que possa vir, e às vezes sinto que sequer tenho domínio sobre o tempo presente.
O tempo presente. A materialidade do tempo presente. Se sou e estou por que sinto que não consigo sequer fruir o tempo como poderia ser e estar?
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Domingo. Gostaria de ir à plenária de 100 dias do mandato da vereadora Luna Zaratiini (PT-SP), a jovem está fazendo um mandato da forma como aprendi a fazer representação política, ela está sempre presente nas reuniões e eventos do DZ Butantã.
Trabalho de base: meu primeiro exemplo de trabalho de base foi nosso companheiro Marcos Martins, aqui de Osasco: ele sempre foi uma referência para mim. Um mandato ao lado do povo o tempo todo, ao lado da base social que representa. Fiz assim os nossos mandatos sindicais e o de gestor de saúde na autogestão dos trabalhadores do BB. Fui querido e odiado por isso. É a luta de classes.
Nesta semana já saí de casa na quinta ao ir a um Sarau do Sindicato, saí na sexta ao me encontrar com um colega de banco aposentado, já passei a tarde do sábado em reunião do Partido contribuindo com as visões políticas que temos, e na segunda tenho que sair para ir a uma atividade defender as casas de cultura ameaças de privatização pelo governo de merda da cidade de São Paulo. Acabei decidindo ficar em casa no domingo. Fica aqui o meu registro de admiração e apoio ao mandato de Luna Zarattini.
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"Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças." (Canção amiga)
Tanta coisa pra escrever, mesmo que para poucas pessoas. Faz dias que tenho refletido sobre fazer um artigo abordando a questão do álcool, da bebida alcoólica e seus efeitos deletérios para as pessoas que bebem e para a sociedade como um todo. Sei que não vão gostar do que vou dizer, mas fico pensando nos ensinamentos de Edward Said sobre o papel que um estudioso e intelectual tem perante a sociedade. Temos que apontar o que pensamos sobre as coisas, independentemente de agradar ou não as pessoas.
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É isso! Já escrevi bastante por hoje. Vamos ficar em casa, ler um pouco e talvez fazer algo mais favorável à saúde do corpo e da mente.
William
Bibliografia:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 3ª edição - Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.
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