Refeição Cultural
Gen Pés Descalços
Volume 5
A leitura do volume 5 de Gen Pés Descalços, de Keiji Nakazawa, me fez refletir o quanto certos tipos de produções culturais são atemporais e nos trazem reflexões profundas, independente da época na qual temos acesso a elas.
O mangá foi publicado pela primeira vez nos anos setenta e seu autor, Nakazawa, foi um sobrevivente da bomba atômica lançada sobre Hiroshima pelos norte-americanos no dia 6 de agosto de 1945. De sua família, sobreviveram sua mãe e ele, com 6 anos de idade. Ela faleceu de câncer nos anos sessenta e ele também faleceu de câncer em 2012.
A edição que ganhei de presente de meu filho é a edição brasileira da Conrad Editora de 2011/2012 em 10 volumes. A coleção é belíssima e ao terminá-la será minha primeira leitura completa de uma série de mangás, pois não tinha o hábito de ler este tipo de História em Quadrinhos (HQ).
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GEN PÉS DESCALÇOS
A história da família Nakaoka se passa no Japão, na cidade de Hiroshima, a partir de meados de 1945. A guerra está perdida para o Eixo - Alemanha, Itália e Japão - e o governo japonês não aceita a derrota, fazendo de tudo para que o povo siga acreditando na vitória. O primeiro volume traz um pouco desse cenário.
A população japonesa está passando muita fome e o regime imperial e militar segue exigindo cada vez mais de seu povo. Os Estados Unidos lançam duas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki nos dias 6 e 9 de agosto daquele ano. O mangá transmite aos leitores um cenário chocante através dos desenhos de Nakazawa.
Nos volumes 2, 3 e 4 acompanhamos os acontecimentos em Hiroshima entre o primeiro e o segundo ano após a explosão da bomba atômica. O cenário no país é de miséria absoluta. A família Nakaoka sofreu perdas terríveis e os sobreviventes têm que encontrar forças para seguirem adiante.
O jovem Gen é uma criança incrível, traz em si uma postura fora do comum nas crianças de seu meio ambiente. Ele é de bom coração, algo raro naquele cenário. Os ensinamentos de seus pais são bases muito sólidas. Gen é pacifista como seus pais. Os filhos devem ser como o trigo, mesmo pisoteados, devem crescer fortes.
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FRIEZA E CRUELDADE
A população japonesa está embrutecida e nós leitores ficamos chocados com a reação fria e cruel das pessoas em situações cotidianas que nos levariam a sentir solidariedade e compaixão pelas pessoas em condições tão miseráveis e dolorosas.
Medo, ódio e preconceito marcam o dia a dia das pessoas.
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Todos se aproveitando das vítimas da bomba... |
VOLUME 5
Neste volume que acabei de ler, a família Nakaoka segue sofrendo as consequências da guerra, há muita fome e desemprego no país e os Estados Unidos ocuparam o Japão.
Os sobreviventes da bomba atômica sofrem as sequelas da radiação e milhares de vítimas seguem morrendo nas regiões da catástrofe. Os japoneses são vistos como cobaias pelos norte-americanos que coletam dados sobre os efeitos da radiação.
Tudo é hostil e inóspito no ambiente da história do mangá. As vítimas da bomba já não conseguiam se manter antes da guerra por causa da fome e agora não conseguem sequer atendimento médico para tratamento das doenças da bomba. Desemprego, falta de recursos e exploração infinita do povo japonês.
A máfia controla o país e os vilarejos. Há maldade para onde se olha, seja nas regiões controladas pelo governo japonês, seja sob controle das máfias, seja ainda sob controle do invasor vencedor da guerra. As pessoas comuns estão por sua conta e risco. Dureza!
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COMENTÁRIO FINAL
Esse cenário que descrevi sobre os 5 primeiros volumes de Gen Pés Descalços me deixa muito pensativo sobre a realidade do mundo no ano de 2023, cinquenta anos após o lançamento do mangá.
Estamos vivendo num cenário mundial de muita desesperança e com perspectivas duras para o futuro da humanidade e, ao mesmo tempo, um cenário de muito ilusionismo, de muita alienação da população mundial graças às ferramentas de invisibilização dos temas graves e pela criação de pautas de distração que ganham a atenção de todo mundo.
As mudanças climáticas afetaram o cotidiano do planeta de forma permanente, as consequências já estão aí e vão piorar porque não há uma mudança de tendência em relação às causas. A vida na Terra será cada dia mais desafiadora para todos os seres viventes.
Apesar de ser um sistema de crises constantes, o capitalismo como forma predominante de organização da sociedade humana não dá sinais de que será substituído por outra forma de organização social, nem que se tornará obsoleto como se avaliou no passado ao estudar suas consequências maléficas para a humanidade e o planeta.
E as tecnologias criadas por nós homo sapiens estão sendo usadas pelos homens do capital para transformar o próprio animal humano em uma mercadoria cada vez mais descartável à medida que a tecnologia (inclusive IA) torne obsoleta a mercadoria mão de obra. O excesso de humanos pode estar se tornando algo inconveniente para o lucro dos detentores do mesmo capital.
Vemos isso no Gen Pés Descalços. O Japão e os japoneses se tornaram coisas descartáveis após a derrota na guerra. Os vencedores fazem experimentos com os derrotados. Entre os japoneses, alguns se aproveitam do caos e exploram seus pares em benefício próprio.
O cenário no mangá de Nakazawa e o cenário atual praticamente empurram as pessoas a buscarem a sobrevivência da forma mais bruta possível, individual e sem pensar a coletividade. E as soluções no planeta e na sociedade humana só são viáveis se forem coletivas...
Estamos assim... até quando?
William
Post Scriptum: para ler sobre os volumes anteriores é só clicar aqui (v.1), aqui (v.2), aqui (v.3) e aqui (v.4). O texto da leitura seguinte, o volume 6, pode ser lido aqui.
Bibliografia:
NAKAZAWA, Keiji. Gen Pés Descalços. Vol. 5. Tradução Drik Sada. - São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2012.
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