quinta-feira, 6 de julho de 2023

Diários com Machado de Assis (XIV)



Refeição Cultural

Osasco, 6 de agosto de 2023. Quinta-feira. 

(Um dia triste: perdemos duas pessoas do nosso lado na luta por um mundo melhor. Perdas por acidentes domésticos. Zé Celso, grande dramaturgo brasileiro, faleceu em decorrência de um incêndio; e nosso companheiro de lutas Carlos Cremoso, funcionário do Sindicato, faleceu em decorrência de uma queda. Um dia triste! Meus sentimentos aos familiares e amig@s)


Crônicas são textos de um gênero discursivo que depende muito de um certo nível de conhecimento por parte dos leitores - as referências -, ou seja, quando alguém lê uma crônica a pessoa precisa ter um conhecimento mínimo sobre a temática na qual a crônica faz referência, caso contrário o texto fica meio sem sentido.

Para dar um exemplo atual, o livro A bíblia em crônicas livres (2023), do excelente escritor e cronista Roberto Buzzo, faz referências em seus textos a personagens e eventos citados na bíblia, nos livros reunidos no Antigo e Novo Testamento (comentário aqui). 

A pessoa pode nunca ter lido a bíblia na vida, mas no mínimo a pessoa sabe do que se trata, sabe que a bíblia existe, já ouviu falar de fulano ou ciclano citado na bíblia etc. São as referências.

Em geral, tendo a afirmar que textos de crônicas envelhecem mal, justamente porque as referências vão se perdendo ao longo do tempo cronológico. Até nisso o Buzzo foi esperto, porque as referências das crônicas dele me parecem que ainda vão longe no presente e no futuro (risos).

Aí peguei pra ler, meio sem querer, um dos livros de Machado de Assis na estante. Percebi nas primeiras páginas a dificuldade da leitura, dificuldades como descrevi acima. Me faltam as referências. Parte delas por ignorância intelectual, parte por terem sido referências episódicas, coisas do cotidiano de Machado naquela época.

O livro História de quinze dias traz reunidas crônicas do Mestre do Cosme Velho dos anos de 1876, 1877 e 1878, reunidas neste volume de Obras Completas de Machado de Assis, da Editora Globo. Essa coleção é uma preciosidade que tenho em casa.

Vou tecer um elogio ao Roberto Buzzo e inclusive vou tratar de comprar o livro dele impresso, já que o que li foi digital, algo que não existe pra mim. Ele me fez rir. Rio com as crônicas dele.

Peguei as crônicas de Machado e li, li, li, até que as referências foram clareando e eu comecei a rir. O cara é fenomenal! Se Machado não é o pai da ironia, ele é herdeiro direto do deus da ironia. Cada parágrafo tem alguma ironia no que Machado apresenta ao leitor ou leitora da época.

Por que falo do elogio ao Buzzo? Porque o Buzzo me fazia rir sozinho quando lia suas crônicas sobre os (as) personagens e eventos clássicos da bíblia. O velho Machado me faz rir sozinho quando o leio, o Machado que nem era velho quando escreveu essas crônicas, tinha menos de 40 anos. Eu rio muito pouco, sou rabugento (triste eu diria). Buzzo e Machado me fazem rir...

MACHADO TIRA SARRO ATÉ DE SI MESMO

Nas primeiras páginas do livro, Machado tira sarro dos nomes próprios das pessoas. À época era comum meter um monte de nomes e sobrenomes nas pessoas para dar algum grau de nobreza ou origem, verdadeira ou falsa. 

Ele termina falando o quanto é bom as pessoas terem apenas dois nomes, tipo Luís de Camões ou Antônio vieira, e que os grandes acabam tendo um só, tipo Chateaubriand ou Gladstone.

Aí depois ele fala de um correspondente de jornal de outro Estado, e demais profissionais da área, que usam diversas denominações para uma palavra e termina dizendo que as pessoas poderiam usar só a forma padrão ou correta, que as outras são invenções deles, elas não existem.

--------------------

"Será preciso observar a todos os cavalheiros que cometem semelhante descuido, que não há chefança, nem chefado, nem chefação, nem chefatura, mas tão-somente chefia?"

--------------------

O escritor, crítico e jornalista Machado de Assis tira barato dele mesmo ao comentar sobre duas apresentações de teatro que ele não chegou a ver e mesmo assim se mete a comentar... é hilário. Ele se justifica, dizendo que uma pessoa não precisa ir ver alguém imitar um rouxinol cantar se ela já viu o próprio rouxinol cantar.

Enfim, coisas que a gente só para pra pensar ou refletir se a gente pegar o texto pra ler.

É isso! Leiam. (se quiserem ler, é claro)

William


Post Scriptum: para ler o texto anterior dessa temática machadiana, clique aqui.


ASSIS, Machado de. História de quinze dias. Obras Completas de Machado de Assis. Editora Globo. São Paulo, 1997.


Nenhum comentário: