quinta-feira, 23 de maio de 2024

Os miseráveis - Victor Hugo (XII)



Refeição Cultural

Osasco, 23 de maio de 2024. Quinta-feira.


Os miseráveis. Que denominação mais certeira essa do escritor Victor Hugo para descrever a condição das massas humanas reunidas em sociedades organizadas sob a ideologia do dinheiro, do capital, as sociedades capitalistas!

Aglomerações humanas de miseráveis, convivendo com uma pequena parcela de privilegiados. Sociedades capitalistas são sociedades de privilegiados. Desde o início dessa forma de organização das sociedades, o privilégio de poucos é a regra no e do capitalismo.

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Comecei a leitura do clássico de Victor Hugo no ano de 2023, sabendo que a leitura de uma obra de mil e quinhentas páginas seria uma leitura lenta, como se fosse uma novela ou série com centenas de episódios. Assim será a minha leitura de Os miseráveis. Lenta. Não tenho pressa. Vou sofrer lentamente com o martírio das personagens. Já sofro assim ao perceber o mundo ao meu redor.

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Durante a leitura da Parte 1 "Fantine", dos livros I (Um justo), II (A queda) e III (No ano de 1817) fiz postagens com alguns dados da narrativa, e com algumas reflexões. As postagens trazem informações essenciais sobre o romance. Pena que as postagens de literatura não são as mais acessadas no blog. As pessoas preferem outros tipos de textos.

Como o objetivo do blog desde o início é compartilhar conhecimento e cultura, vou ler Os miseráveis fazendo postagens a partir das leituras do livro. A primeira postagem, com link para a postagem seguinte, pode ser lida clicando aqui.

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PRIMEIRA PARTE - FANTINE

LIVRO IV: CONFIAR É, ÀS VEZES, ENTREGAR


I. Uma mãe encontra outra

"Fantine ficara só. O pai de sua filha estava longe - infelizmente esses rompimentos são irrevogáveis -, ela viu-se absolutamente isolada, com o hábito do trabalho a menos e o gosto pelo prazer a mais..." (p. 190)

Hoje dei sequência à leitura do clássico de Victor Hugo. Já havia conhecido o Monsenhor Bienvenu, Jean Valjean e Fantine. Agora conheci a pequena Cosette, ou a Cotovia.


"Teve a ideia de regressar a sua cidade natal, Montreuil-sur-Mer, onde talvez alguém a conhecesse e lhe arranjasse trabalho. Sim, mas precisava ocultar sua falta. E entrevia confusamente a possível necessidade de uma separação mais dolorosa ainda do que a primeira. Ficou com o coração apertado, mas decidiu. Fantine, como veremos, tinha a bravura feroz da vida. Já havia renunciado resolutamente à aparência, vestindo-se de chita e colocando toda a sua seda, os seus enfeites, fitas e rendas sobre a filha, única e santa vaidade que lhe restara (...) Aos vinte e dois anos, em uma bela manhã de primavera, deixava Paris, levando a filhinha. Quem quer que as visse passar, teria compaixão. Aquela mulher só tinha aquela criança no mundo e aquela criança só tinha aquela mulher no mundo. Fantine amamentara a filha, o que havia cansado seu peito, ela tossia um pouco." (p. 191)

A qualidade da crítica de Victor Hugo na forma como ele narra os acontecimentos do romance é impressionante! 

É difícil não sofrermos com os acontecimentos em alguns momentos dos três capítulos nos quais nos são apresentados Cosette, o casal que ficará com ela de forma provisória a pedido de Fantine e a condição miserável na qual é colocada a pequena Cosette.

Ao ver a condição de Fantine e Cosette, vemos milhões de mães colocadas em condição semelhante pelos homens donos do poder nas sociedades capitalistas, cuja base das ideias e dos costumes é a propriedade do dinheiro.


"Cosette, leia-se Euphrasie. A pequena chamava-se Euphrasie, que a mãe fez Cosette por esse doce instinto das mães e do povo, que faz de Josefa, Pepita e de Françoise, Sillette. Este é um gênero de derivados que atrapalha e desconcerta toda a ciência dos etimologistas. Conhecemos uma avó que conseguiu fazer de Théodore, Gnon." (p. 193)

O tempo todo, o narrador faz essas observações inerentes às mais diversas dimensões da vida social francesa daquele momento histórico no qual se passam os acontecimentos no romance.


II. Primeiro esboço de duas figuras suspeitas

"Essas pessoas pertenciam àquela classe bastarda, composta de gente grosseira que subiu na vida e de gente inteligente decaída, que está entre as chamadas classe média e classe inferior, e que combina alguns dos defeitos da segunda com quase todos os vícios da primeira, sem ter o generoso impulso do operário, nem a honesta ordem do burguês." (p. 195)

Viram a intensão de análise antropológica e sociológica de tipos daquela sociedade francesa no ano de 1817?


"De resto, diga-se de passagem, nem tudo é ridículo e superficial nessa curiosa época à qual aqui fazemos alusão, no que poderíamos chamar de anarquia dos nomes de batismo. Ao lado do elemento romanesco, que acabamos de citar, existe o sintoma social. Não é raro hoje em dia que um vaqueiro se chame Arthur, Alfred ou Alphonse, e o visconde, se é que ainda há viscondes, Thomas, Pierre ou Jacques. Este deslocamento, que dá ao plebeu um nome 'elegante', e um nome camponês ao aristocrata, nada mais é que um borbulhar de igualdade. A irresistível penetração do novo sopro está nisso como em tudo o mais. Sob essa aparente discordância, existe uma coisa grande e profunda: a Revolução Francesa." (p. 197)

O narrador aproveitou a crítica que fez aos nomes das filhas do casal Thénardier, Éponine e Azelma (que quase se chamou Gulnare), para tecer um comentário a respeito das mudanças oriundas da recente Revolução Francesa em relação ao tempo histórico da história do romance.


III. A Cotovia

"Na aldeia a chamavam de Cotovia. Agradou ao povo, que gosta de imagens, denominar assim aquela criaturinha, pouco maior que um passarinho, trêmula, assustada, medrosa, primeira a se levantar toda manhã, não só na casa, mas em toda a aldeia, e sempre na rua ou nos campos antes da aurora. Mas a pobre Cotovia jamais cantava." (p. 199)

É uma dureza saber o que o casal Thénardier faz com a pequena Cosette sem o conhecimento de sua mãe, Fantine, que paga religiosamente valores mensais para que a filha seja criada enquanto ela não pode ir buscá-la.

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COMENTÁRIO FINAL

Enfim, retomei a leitura do clássico de Victor Hugo, um romance de temática bastante atual no ano de 2024, a considerar os bilhões de miseráveis do mundo hegemonizado pela ideologia capitalista.

A cada página que leio mais me convenço do ensinamento de Italo Calvino sobre os clássicos: é melhor ler que não ler os clássicos!

Seguiremos lendo.

William Mendes


Bibliografia:

HUGO, Victor. Os miseráveis. Tradução de Regina Célia de Oliveira. Edição especial. São Paulo: Martin Claret, 2014.

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