Este blog é para reflexões literárias, filosóficas e do mundo do saber. É também para postar minhas aulas da USP. Quero partilhar tudo que aprendi com os mestres de meu curso de letras.
sábado, 30 de setembro de 2017
Casa-grande & Senzala - Miscigenação ou fome os males do brasileiro?
Refeição Cultural
"A fome do homem
A fome do homem.
A fome que come o homem.
O homem com fome.
A fome de ontem.
A fome que come o homem.
A fome não some.
O homem não come.
A fome de ontem.
O homem que some."
(Poema de wmofox, pseudônimo de William Mendes)
Em relação à leitura do Prefácio do ensaio de Gilberto Freyre, ele nos aponta por onde irá seu plano de compreensão a respeito das consequências da colonização portuguesa nos primeiros séculos de conformação do povo brasileiro.
"Foi o estudo de antropologia sob a orientação do professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor - separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural. Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura, a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural e de meio. Neste critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura assenta todo o plano deste ensaio. Também no da diferenciação entre hereditariedade de raça e hereditariedade de família." (Página 32)
Já ouvi nos círculos intelectuais e também nos ambientes populares uma tese de que o povo brasileiro não seria boa coisa por ser fruto de miscigenação de índios, negros e portugueses. Nunca gostei da teoria e acho ela ideologizada, o que é natural na disputa de hegemonia de ideias nas sociedades. É através das narrativas dos segmentos sociais que se formam as culturas e as hegemonias.
Freyre apresenta a questão do materialismo histórico e da influência das questões de produção econômica no resultado das conformações sociais.
"Por menos inclinados que sejamos ao materialismo histórico, tantas vezes exagerado nas suas generalizações - principalmente em trabalhos de sectários e fanáticos - temos que admitir influência considerável, embora nem sempre preponderante, da técnica da produção econômica sobre a estrutura das sociedades; na caracterização da sua fisionomia moral. É uma influência sujeita a reação de outras; porém poderosa como nenhuma na capacidade de aristocratizar ou de democratizar as sociedades; de desenvolver tendências para a poligamia ou a monogamia; para a estratificação ou a mobilidade."
"É uma questão de economia, estúpidos" como se diz por aí.
Ainda que Freyre esteja falando nos anos trinta, ele comenta que mesmo que se considerasse avanços na eugenia, sem resolver as questões sociais de miséria e má distribuição da produção humana, os proletários sofreriam as influências físicas da má nutrição.
"Lembra Franz Boas que, admitida a possibilidade da eugenia eliminar os elementos indesejáveis de uma sociedade, a seleção eugênica deixaria de suprimir as condições sociais responsáveis pelos proletários miseráveis - gente doente e mal nutrida; e persistindo tais condições sociais, de novo se formariam os mesmos proletários."
Ou seja, passadas tantas décadas de discussão a respeito da fome e miséria a que são submetidos os povos de nosso querido Brasil, o que vimos entre o início dos anos dois mil e 2015, com os governos do Partido dos Trabalhadores, através das presidências de Lula e Dilma, foi a quase extinção da fome no País. Com os programas sociais implementados, saímos do mapa da fome mundial.
E agora, com o Golpe de Estado em 2016, golpe que contou com a participação do sociólogo que apresentou este ensaio de Freyre, o senhor FHC, estamos caminhando para voltarmos ao mapa da fome e a caçada aos direitos sociais já provoca miséria e fome a milhões de proletários de nosso País.
Depois o autor vai entrar nas explicações que eu já li em Celso Furtado sobre os efeitos danosos da monocultura da cana de açúcar sobre o solo e áreas cultiváveis e a consequência maléfica da carestia de alimentos para o conjunto das populações no entorno, inclusive da casa-grande.
Mais adiante, o autor vai falar de supostas vantagens da miscigenação entre os brancos europeus e as mulheres que aqui estavam - índias e negras oriundas da escravidão.
No entanto, é importante o fato de Freyre desfazer o mito da "degeneração de raça" devido à miscigenação. Ele afirma que o problema na saúde dos povos miscigenados é a fome e a miséria.
Além da miséria e da fome, nos é lembrado também de uma herança negativa trazida pelo branco europeu: a sífilis.
"Salientam-se entre as consequências da hiponutrição a diminuição da estatura, do peso e do perímetro torácico; deformações esqueléticas; descalcificação dos dentes; insuficiências tiróidea, hipofisária e gonadial provocadoras da velhice prematura, fertilidade em geral pobre, apatia, não raro infecundidade. Exatamente os traços de vida estéril e de físico inferior que geralmente se associam às sub-raças: ao sangue maldito das chamadas 'raças inferiores'. Não se devem esquecer outras influências sociais que aqui se desenvolveram com o sistema patriarcal e escravocrata de colonização: a sífilis, por exemplo, responsável por tantos dos 'mulatos doentes' de que fala Roquete-Pinto e a que Ruediger Bilden atribui grande importância no estudo da formação brasileira" (Página 34)
Enfim, fica a reflexão aos amig@s leitores sobre discussões tão antigas a respeito da formação de nosso povo brasileiro.
Apesar de ser um cidadão atuante nas lutas por uma sociedade mais humana, justa e igualitária, não tem como negar a tristeza que temos sentido ao ver o grau de degradação por que passa nosso País após o golpe que ceifou a democracia e abalou as estruturas do Estado.
Conhecer nosso passado, refletir sobre ele e sobre o presente, analisando erros e acertos, é uma forma de alimentar nossa inteligência na busca por saídas alternativas ao marasmo em que nos colocamos no momento atual de crise institucional.
Abraços a tod@s,
William
Cidadão leitor
segunda-feira, 25 de setembro de 2017
Diário e reflexões - 240917
Flores osasquenses apreciadas durante uma caminhada com a esposa. |
Madrugada de segunda-feira. Acabou o domingo.
Lá vamos nós começar mais uma semana de lutas em nossa tarefa de gestor eleito da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil. Nossa vida não tem rotina, não tem refresco. O cenário em que atuamos é o mais dramático da saúde suplementar em décadas. Todos os dias enfrentamos ameaças aos direitos em saúde dos trabalhadores que representamos.
Há sinais de mais empecilhos internos na governança para dificultar o cumprimento de nossos objetivos em ampliar a cobertura do modelo assistencial da Cassi, baseado em Atenção Primária e Medicina de Família. Já não bastam as dificuldades que enfrentamos na missão de nossa autogestão porque a maior parte de nossos recursos são canalizados para pagar rede prestadora, que carrega em si todos os graves problemas brasileiros de serviços ruins, fraudes, judicialização e outras mazelas. Já fiz artigo neste domingo sobre a questão. Ler AQUI.
Não consegui ler muito neste fim de semana. Corri e caminhei no Parque Continental para ver se meu corpo resiste às tarefas que tenho pela frente. A longa semana de trabalho dormindo muito pouco me deixou bem quebrado.
A felicidade ficou por conte de matar as saudades do filho querido, que estuda longe e nos vemos de vez em quando. Também revi grandes amigos neste fim de semana em São Paulo.
Estou com pouco tempo para trabalhar na revisão de textos em meus blogs de trabalho e de cultura. Ao reler, diagramar e imprimir para encadernar esse material, estou revendo textos e opiniões que registrei ao longo do tempo em nossa vida de lutas como representante da classe trabalhadora.
A destruição de nosso País e dos direitos do povo trabalhador após o Golpe de Estado em 2016 é tão grande e as incertezas tão angustiantes que é necessário termos muita clareza de que não há espaço para chorar ou se deprimir pelos cantos porque a luta que temos pela frente será de vida ou morte para a classe trabalhadora à qual pertencemos.
É isso! Registro feito. Vamos dormir.
William
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
Leitura: A Quinta-Coluna (1938) - Ernest Hemingway
Hemingway escreveu esta peça estando em Madri sob bombardeio dos fascistas de Franco. |
Refeição Cultural
De pouco em pouco, vou conhecendo as obras do grande escritor americano Ernest Hemingway. Acabei a leitura da única peça de teatro feita por ele, em 1938, no auge da Guerra Civil Espanhola. E ele nos diz em que condições a escreveu: se encontrava no cenário da guerra, a cidade de Madri, que estava sob ataque das forças franquistas.
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"Todos os dias éramos bombardeados pelos canhões postados à retaguarda de Leganés, nos contrafortes das colinas de Garabitas, e o hotel Flórida, onde vivíamos e trabalhávamos, foi atingido por mais de trinta e oito projéteis de grande poder explosivo..." (Prefácio)
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Até o ano passado (2016), eu conhecia duas obras de Hemingway, que acabei relendo antes de começar as leituras de novos trabalhos: O velho e o mar (1952) e O sol também se levanta (1926). Neste ano, já li Adeus às armas (1929) e Por quem os sinos dobram (1940).
As postagens no Blog sobre Hemingway podem ser lidas clicando AQUI.
Muitas pessoas não sabem o que quer dizer "quinta-coluna". Eu conheci o significado quando entrei para o movimento sindical.
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"(...) A história conta que quatro colunas das forças golpistas avançaram sobre Madri e a mantiveram sob ataque. Havia, no entanto, uma força agindo dentro da cidade, transmitindo informações - indicando alvos para os bombardeios -, realizando atos de sabotagem e assassinatos. Era a chamada Quinta-Coluna, termo que passou a designar grupos ou indivíduos que atuam subrepticiamente, num país, ou num partido, a serviço de seus inimigos..." (Apresentação)
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Dias atrás, ouvi a expressão em uma declaração do Senador da República, Roberto Requião (PR), quando ele disse o que pensa do sujeito que preside a nossa Petrobras após o Golpe de Estado que o Brasil sofreu em 2016. O sujeito é um lesa-pátria e está destruindo a capacidade operacional e de investimento da empresa e está vendendo a preço vil nossas reservas de petróleo e o nosso patrimônio nacional. Requião diz que ele ou é um idiota ou um Quinta-Coluna, um infiltrado da CIA para entregar a nossa soberania nacional na área.
A edição que tenho, da Bertrand Brasil, traz dois textos de apresentação. Um de Ênio Silveira, o tradutor, e outro de Luiz Antonio Aguiar. O Prefácio do próprio Hemingway fala sobre o contexto em que ele escreveu a obra.
Guerra é guerra. Eu sempre disse minha opinião a respeito de preferir a valorização da Política em relação à guerra, para a solução das grandes questões das organizações sociais. A direita e os grandes donos do capital atuam para que a política seja enfraquecida e para que o povo seja alienado politicamente, de maneira que seja mais fácil a operação de manipulação das massas através dos aparelhos ideológicos de comunicação e cultura.
Hemingway nos lembra, em seu prefácio, da violência existente no contexto de guerra, de não-política.
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"As forças inimigas que avançavam sobre Madri não tinham o hábito de poupar seus prisioneiros. Da mesma forma, os membros da quinta-coluna que fossem apanhados dentro da cidade nas semanas iniciais da Guerra Civil eram também eliminados sumariamente. Com o correr do tempo, passaram a ser submetidos à Justiça e condenados a trabalhos forçados ou à morte, dependendo da gravidade dos crimes que houvessem cometido contra a República. Nos primeiros dias, entretanto, eram sempre fuzilados. Mereciam isso, pelas regras de luta, e por certo o esperavam." (Hemingway)
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Enfim, tenho me identificado muito com as obras deste grande autor do século 20. A leitura é recomendável para os amantes da literatura universal.
Abraços aos amig@s leitores.
William
domingo, 10 de setembro de 2017
Diário e reflexões - 100917 (autogestões de trabalhadores)
Instante crepuscular na Capital do Brasil. |
Refeição Cultural
Domingo de muito calor em Brasília, Capital do Brasil.
Senti um cansaço físico intenso neste feriado nacional de 7 de setembro. Meu corpo acaba reagindo às vezes às tristezas d'alma ao ver o que fizeram com o meu País, com o nosso povo trabalhador. Nem atividades físicas tive ânimo para fazer nestes dias.
Pensei em ler várias coisas, e acabei me direcionando para outras. Quando quero descansar de minhas lutas, de minhas tarefas como dirigente político, me pego estudando mais ainda a respeito do que fazemos, do que somos. É nossa natureza.
Estou lendo dois livros que têm relação com o meu trabalho político de defesa e fortalecimento da autogestão em saúde que administro como eleito pelos trabalhadores associados, a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a Cassi, que já tem 73 anos de história de auto-organização em saúde e assistência social.
Um dos livros é sobre a história de constituição e sucesso da Caixa de Assistência dos Servidores do Estado do Mato Grosso do Sul, a Cassems, que completou 15 anos em 2016, e nasceu sob a administração do Governador Zeca do PT, inspirada na experiência de nossa Cassi, que já era no início dos anos dois mil uma das experiências mais exitosas de autogestão em saúde do País.
Os debates com os servidores foram muito intensos e difíceis porque parte deles, os que tinham alta remuneração salarial - "primos ricos" -, não queriam criar a autogestão, e graças ao empenho das maiorias e o desejo político da época, a Cassems se constituiu e o trabalho de pertencimento feito por ela ganhou a confiança dos servidores do Estado.
O livro tem umas 200 páginas e estou focado na leitura porque todo conhecimento que eu puder acumular na área em que atuo será importante para contribuir na luta árdua que teremos no contexto atual em salvar o sistema de autogestão em saúde, sistema que congrega cerca de 5 milhões de participantes em nosso querido Brasil e que não concorre com o SUS, porque se auto-financia com alguns incentivos fiscais e não visa lucro. Sobre a nossa autogestão, a Cassi, já venho estudando a sua história nesses últimos três anos em que sou gestor eleito.
O outro livro que peguei para ler, quase que por acaso, ao ver as minhas pilhas de livros em Osasco dias atrás, foi o Perestroika (1987), de Mikhail Gorbachev. Eu sou desconhecedor de muita coisa e não tenho vergonha em reconhecer isso. O que conheci de obras clássicas de várias áreas do conhecimento e de história estudando e lendo na última década, ou seja, quase dos quarenta anos adiante, já me mudou completamente. Por mais que goste de história, acho que conheço muito pouco sobre a maior experiência socialista que o mundo conheceu, a União Soviética.
Dois livros, 500 páginas, retratando histórias de auto-gestões dos próprios trabalhadores. |
Já li 100 páginas do livro de Gorbachev e o mais interessante é que o tempo de enunciação da narrativa é o ano de 1987. Ou seja, ele, o Secretário Geral do PCUS, a partir de 1985, fala ao seu povo e ao mundo, e percebe-se que fala aos Estados Unidos, fala sobre os projetos de reestruturação do socialismo soviético, e fala de mais democracia, transparência e participação popular nas decisões, após o Partido Comunista concluir que medidas precisavam ser tomadas para corrigir os problemas que eles identificavam em seu sistema.
Percebo nas palavras de Gorbachev uma sinceridade nas intenções do alto comando soviético em realizar mudanças que atendessem aos anseios do povo, porque os problemas identificados pelo Governo abordavam a carência de coisas básicas do dia a dia, uma atenção maior nas pessoas (além dos objetivos coletivos do Estado), uma necessidade premente de maior participação popular nas decisões dos rumos do país, e problemas sérios na economia dos anos setenta e oitenta.
Como dirigente político que sou há mais de duas décadas, estou reconhecendo perfeitamente o diagnóstico feito pelo alto comando do Partido Comunista naquilo que a Perestroika (Reestruturação) gostaria de corrigir para ampliar o pertencimento do povo russo ao seu sistema de auto-administração e auto-determinação na gestão de um país. Vimos que a experiência soviética acabou pouco tempo depois.
O modelo de exploração capitalista vem se impondo ao mundo mesmo com suas crises, como a mais recente em 2008. Algumas corporações e poucas famílias (menos de 1%) dominam tudo no mundo, independente de país, língua, cultura, região do globo. O que parte de nós temos claro é que esse sistema não é o mais adequado para melhorar as condições de vida de todos no planeta e está destruindo as possibilidades de vida neste único ponto em nosso sistema solar capaz de abrigar vida como a nossa.
Enfim, acaba que tudo que leio e releio e reflito tem relação com o que faço, que é organizar trabalhadores para lutarem eles próprios por seus destinos, se auto-organizarem. A experiência de minha tarefa atual, defender a autogestão em saúde dos trabalhadores do maior banco público do Brasil, já me trouxe um acúmulo de conhecimento que nunca imaginei ter. E tenho a convicção que eu e nossa equipe demos contribuições vitais para superar uma das fases mais difíceis da história da autogestão Cassi e da saúde suplementar brasileira.
Abraços aos amig@s leitores,
William
sexta-feira, 8 de setembro de 2017
Os Incompreendidos (1959) - François Truffaut
Refeição Cultural
O filme que lançou o jovem Truffaut para uma longa carreira de sucesso como diretor de cinema do movimento que viria a ser chamado de Nouvelle Vague - Nova Onda - me tocou ao assisti-lo hoje. O encarte que tenho diz que o diretor fez 26 filmes. Entre eles está um que assisti faz tempo e gostei da adaptação: "Farenheit 451" (1966), do clássico homônimo de Ray Bradbury (ler comentário AQUI).
Por mais que os contextos tenham mudado dos anos cinquenta para o nosso mundo de hoje no século XXI, em relação aos tipos de violência contra as crianças e adolescentes, a arte desses filmes antigos nos toca.
Os filmes são mais autorais, numa época em que o cinema era só o diretor, os atores e seus personagens, o trabalho de câmera, música e fotografia, e os cenários reais, enfim, esses filmes nos tocam de maneira mais profunda que muitos dos filmes modernos feitos em animação de computador. Esta é minha opinião.
SINOPSE
Ninguém entende Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud). Em casa, ele é repreendido pelos pais. Na escola, causa problemas aos professores. A delinquência torna-se uma alternativa para o garoto. "Os incompreendidos" simboliza a desobediência às regras pregada pelo diretor francês François Truffaut (1932-1984) e seus amigos críticos de cinema. Este drama autobiográfico, feito nas ruas e longe das técnicas de estúdio, trouxe uma lufada de poesia para o cinema. Ao captar a energia rebelde da vida, o filme inaugurou a onda de modernidade da Nouvelle Vague. (Coleção Folha Cine Europeu)
Acho encantadores esses filmes em preto e branco. A fotografia e as expressões dos atores são memoráveis.
Tem uma cena muito legal em que um grupo de crianças assiste a uma peça de teatro - Chapeuzinho Vermelho - e a câmera fica focando as expressões de cada uma delas, com medo, com espanto, torcendo para a vovozinha e a garotinha. É incrível a captura dos instantes de cada uma das crianças.
O sofrimento da personagem, uma criança enfrentando a vida sem ser amada, nos deixa com um aperto no coração. Ao mesmo tempo, não há uma vitimização da criança porque ela é destemida, arrojada e enfrenta as dificuldades apesar de seus pouco mais de 12 ou 13 anos. Em nenhum momento sentimos nela uma entrega, uma pusilanimidade perante os problemas de sua jovem vida. Me parece que hoje boa parte de nós tem menos resiliência para enfrentar de cabeça erguida os problemas do existir.
Com esse clássico do cinema europeu, completei neste ano 3 filmes de uma coleção de 25 que adquiri anos atrás e nunca parei para assistir todos eles. Já vi semanas atrás Mamãe faz cem anos (1979), do espanhol Carlos Saura (ler comentário AQUI), e O Encouraçado Potemkin (1925), do soviético Sergei Eisenstein (ler comentário AQUI).
Adquirir filmes ou clássicos remasterizados ou antes fora de circulação são das raras coisas que se aproveitam desses lixos empresariais de comunicação no Brasil, como a Folha "Ditabranda". Os filmes vieram acompanhados de dezenas de páginas de textos informativos sobre os diretores, atores e as obras em si.
É isso. Este filme de François Truffaut me fez conhecer mais sobre o diretor e o filme é marcante.
Abraços aos amig@s leitores,
William
quinta-feira, 7 de setembro de 2017
Artigo: Inexorável dependência - Mino Carta
Grito dos Excluídos DF 2017. |
Os artigos do jornalista Mino Carta são sempre edificantes. Suas palavras representam via de regra o que eu sinto e penso.
Amig@s leitores, se gostam de revistas semanais, assinem a CartaCapital, pois não tem sido fácil este jornalismo autêntico sobreviver economicamente. Assinei mesmo não tendo muito tempo para ler.
Fui ao Grito dos Excluídos do DF hoje de manhã. Aqui não há tradição de grandes participações. Vi que em São Paulo mais de 10 mil pessoas participaram do Grito de lá. Que legal!
Apesar do pessimismo da razão, nada tira de mim o otimismo da ação, da reação, da resistência; do imponderável que pode vir do povo a qualquer momento.
Abraços,
William
Inexorável Dependência
Por Mino Carta — publicado 04/09/2017
Nesta moldura, figuras como Joaquim Nabuco, Machado de Assis, o Barão de Mauá e Castro Alves são empolgantes exceções. A Editora Hedra tomou a feliz iniciativa de publicar um precioso livrinho, intitulado Alencar – Cartas a Favor da Escravidão.
O autor de Iracema, a virgem índia dos lábios de mel, gostava dos românticos franceses, logorreicos e empolados, e era dado ao culto de uma Idade Média habitada por fadas e ogros. Verificamos agora que José de Alencar pode ser incluído entre os pais fundadores da República do Estado de Exceção, juntamente, entre outros, com os inquisidores do auto de fé em andamento.
Segundo Alencar, radioso seria o futuro dos Estados Unidos e Brasil escravocratas exatamente em função da presença no trabalho deste braço forte e cativo. A tese hiperbólica do escritor, fervoroso leitor de Atala, de Chateaubriand, fábula inspiradora de Iracema, é simples, conforme resume o autor do prefácio do livro da Hedra, Tâmis Parron: “Ao contrário da Antiguidade, os povos bárbaros não mais conquistam os instruídos”.
Resultado: agora, ou seja, segunda metade do século XIX, a civilização captura incultos e os põe a trabalhar com o efeito de “moralizá-los” no mais longo prazo possível. O escravo deveria elevar preces de agradecimento aos seus deuses e é certo que três séculos e meio de escravidão não bastam, longe disso, para o bom êxito da operação de “moralização”.
Alencar não conseguia imaginar o Brasil desgovernado por uma malta de desinstruídos predadores, com raras exceções, Getúlio e Lula, mais, um tanto de raspão, JK.
Alcançaram a grandeza os EUA, poderoso “irmão do Norte”, como outrora se lia nos editoriais do Estadão, pela interferência de novas forças civilizadoras, chegadas em sólidos barcos de passageiros, embora as feiticeiras de Salem retornem, imunes à fogueira, com novos nomes e semblantes.
Enquanto por aqui a casa-grande e a senzala continuam de pé. De fato, os predadores nunca se expuseram de forma tão prepotente em todos os meus 71 anos de Brasil.
O impeachment de Dilma Rousseff, com panelaços e idiotas nas ruas de uniforme canarinho, é o início da debacle conclusiva, a levar ao Estado de Exceção, ou seja, ao atoleiro em que afundamos, como diz Marcos Coimbra na sua coluna desta semana (em CartaCapital).
Não se trata de defender o governo da presidenta, que, aliás, mereceu críticas muito severas de CartaCapital, ou o PT, que no poder se portou como os demais clubes recreativos a ornar a política nativa, e não foi capaz de enfrentar a manobra golpista.
A cultura da escravidão ensina que o bom combate acontece na proporção de 50 contra 1. É a história da Guerrilha do Araguaia, empolgante pela coragem dos 80 moços que enfrentaram 10 mil soldados, mas, ao mesmo tempo, patética.
Os bravos são raros, em geral não somos de briga, a não ser que o adversário esteja em grande minoria ou careça dos meios para se defender. Mestre no assunto, o Duque de Caxias, exuberante figura da nossa interminável galeria de falsos heróis.
De exceção em exceção, as máfias no poder fazem o que bem entendem, em um país que não se fez nação. As ofensas à lei e à razão multiplicam-se ao sabor dos interesses imediatos das quadrilhas, para nos transformar em um Estado medieval e insignificante, colônia exportadora de commodities e de terra vendida, na superfície e no subsolo, a preço de liquidação.
A saída correta teria sido a convocação de eleições antecipadas. Mas como chegar a tanto se os poderes da República obedecem aos capi? Outra saída estaria na revolta popular, forte o bastante para tomar a casa-grande, mas cadê os sans-culottes? CartaCapital reconhece em Lula o único autêntico líder nacional. Mas, se o PT não existe sem seu fundador, o contrário é perfeitamente possível. Lula tem o povo e o PT é dispensável.
Se Lula for preso, conforme prevê a principal exceção deflagrada pelo golpe, a eleição de 2018, desde que se realize, não deixará de ser uma farsa trágica. Recomenda-se preparar os corações para dias ainda mais sombrios. Na próxima semana celebra-se o Dia da Independência 195 anos depois, o dia do tão falado grito que Dom Pedro liberou ao sair detrás das bananeiras. Já então era falácia.
O êxito golpista nos devolve imperiosamente aos tempos da colônia e a verdadeira festa é a da dependência. Só cabe lamentar, diante de uma situação que não vislumbra qualquer gênero eficaz de resistência.
Lamentamos também que alguns personagens dotados de respeitável inteligência, felizmente poucos, se façam de cegos, quando não apoiam o descalabro. É algo que me agasta e amargura entre o fígado e a alma.
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A contribuição de François-René Moreaux à iconografia oficial: depois do Grito, o príncipe é recebido em São Paulo. Verdade histórica: o povo nem se deu conta da Independência. |
Inexorável Dependência
Por Mino Carta — publicado 04/09/2017
As quadrilhas no poder confirmam o país na condição de colônia. Mas o enredo poderia ser diferente?
Há tempo, meus botões, iconoclastas à beira do sacrilégio, sustentam que nem tudo nos cardápios da Marquesa de Santos ostentava perfeitas condições de consumo. Eventuais indagações a respeito parecem despidas de sentido. Ocorre, entretanto, que um mexilhão estragado, digamos, poderia ter exercido notável influência sobre o Grito.
Sabe-se que Dom Pedro vinha de Santos depois de almoçar com a amante e, ao subir a serra no caminho de São Paulo, deu para experimentar os dissabores da digestão penosa, com consequências abaixo do umbigo.
Nas alturas do Ipiranga, próximas da cidade, um renque de bananeiras cuidou de lhe oferecer abrigo para o cumprimento da operação inevitável, embora nem sempre definitiva, em tais ocasiões. E das sombras o príncipe finalmente emergiu para proclamar a Independência.
Em paz com as entranhas, ou ainda a sofrer do aperto inconcluso? Gritou, segundo as páginas amarelecidas, "Independência ou morte!". A ser verdade factual a frase que a história coloca na boca do príncipe, ela ganha o som da irritação.
Por que propor uma alternativa tão drástica? A palavra morte ali não se justifica, mesmo se em jogo estava uma imponente briga familiar que o opunha ao pai Dom João VI. Sobra a hipótese de que a parada forçada debaixo das bananeiras tivesse sido insatisfatória.
Como se sabe, a retórica oficial no Brasil se esbalda. Claro está que nosso herói não montava o cavalo de Napoleão, como pretende o pintor francês François-René Moreaux ao retratá-lo na chegada a São Paulo. Na opinião dos meus botões, tratava-se de um muar. Na tela, o povo festeja o gesto do seu príncipe, a mostrar consciência de um triunfo há tempo almejado. No meio da festa, enxergo, oh! surpresa, um rosto talvez mulato.
Há tempo, meus botões, iconoclastas à beira do sacrilégio, sustentam que nem tudo nos cardápios da Marquesa de Santos ostentava perfeitas condições de consumo. Eventuais indagações a respeito parecem despidas de sentido. Ocorre, entretanto, que um mexilhão estragado, digamos, poderia ter exercido notável influência sobre o Grito.
Sabe-se que Dom Pedro vinha de Santos depois de almoçar com a amante e, ao subir a serra no caminho de São Paulo, deu para experimentar os dissabores da digestão penosa, com consequências abaixo do umbigo.
Nas alturas do Ipiranga, próximas da cidade, um renque de bananeiras cuidou de lhe oferecer abrigo para o cumprimento da operação inevitável, embora nem sempre definitiva, em tais ocasiões. E das sombras o príncipe finalmente emergiu para proclamar a Independência.
Em paz com as entranhas, ou ainda a sofrer do aperto inconcluso? Gritou, segundo as páginas amarelecidas, "Independência ou morte!". A ser verdade factual a frase que a história coloca na boca do príncipe, ela ganha o som da irritação.
Por que propor uma alternativa tão drástica? A palavra morte ali não se justifica, mesmo se em jogo estava uma imponente briga familiar que o opunha ao pai Dom João VI. Sobra a hipótese de que a parada forçada debaixo das bananeiras tivesse sido insatisfatória.
Como se sabe, a retórica oficial no Brasil se esbalda. Claro está que nosso herói não montava o cavalo de Napoleão, como pretende o pintor francês François-René Moreaux ao retratá-lo na chegada a São Paulo. Na opinião dos meus botões, tratava-se de um muar. Na tela, o povo festeja o gesto do seu príncipe, a mostrar consciência de um triunfo há tempo almejado. No meio da festa, enxergo, oh! surpresa, um rosto talvez mulato.
No caso, a verdade factual obviamente é outra. Metade da população era de escravos, e quem não era só com o passar dos meses foi obrigado a dar-se conta da mudança, pela qual, teoricamente, o Brasil deixava de ser colônia. Não demoraria muito para tornar-se súdito do império britânico em lugar do português. Demoraria a Abolição, de fato ainda não extinta até hoje no país da casa-grande e da senzala.
Nesta moldura, figuras como Joaquim Nabuco, Machado de Assis, o Barão de Mauá e Castro Alves são empolgantes exceções. A Editora Hedra tomou a feliz iniciativa de publicar um precioso livrinho, intitulado Alencar – Cartas a Favor da Escravidão.
O autor de Iracema, a virgem índia dos lábios de mel, gostava dos românticos franceses, logorreicos e empolados, e era dado ao culto de uma Idade Média habitada por fadas e ogros. Verificamos agora que José de Alencar pode ser incluído entre os pais fundadores da República do Estado de Exceção, juntamente, entre outros, com os inquisidores do auto de fé em andamento.
Segundo Alencar, radioso seria o futuro dos Estados Unidos e Brasil escravocratas exatamente em função da presença no trabalho deste braço forte e cativo. A tese hiperbólica do escritor, fervoroso leitor de Atala, de Chateaubriand, fábula inspiradora de Iracema, é simples, conforme resume o autor do prefácio do livro da Hedra, Tâmis Parron: “Ao contrário da Antiguidade, os povos bárbaros não mais conquistam os instruídos”.
Resultado: agora, ou seja, segunda metade do século XIX, a civilização captura incultos e os põe a trabalhar com o efeito de “moralizá-los” no mais longo prazo possível. O escravo deveria elevar preces de agradecimento aos seus deuses e é certo que três séculos e meio de escravidão não bastam, longe disso, para o bom êxito da operação de “moralização”.
Alencar não conseguia imaginar o Brasil desgovernado por uma malta de desinstruídos predadores, com raras exceções, Getúlio e Lula, mais, um tanto de raspão, JK.
Alcançaram a grandeza os EUA, poderoso “irmão do Norte”, como outrora se lia nos editoriais do Estadão, pela interferência de novas forças civilizadoras, chegadas em sólidos barcos de passageiros, embora as feiticeiras de Salem retornem, imunes à fogueira, com novos nomes e semblantes.
Enquanto por aqui a casa-grande e a senzala continuam de pé. De fato, os predadores nunca se expuseram de forma tão prepotente em todos os meus 71 anos de Brasil.
O impeachment de Dilma Rousseff, com panelaços e idiotas nas ruas de uniforme canarinho, é o início da debacle conclusiva, a levar ao Estado de Exceção, ou seja, ao atoleiro em que afundamos, como diz Marcos Coimbra na sua coluna desta semana (em CartaCapital).
Não se trata de defender o governo da presidenta, que, aliás, mereceu críticas muito severas de CartaCapital, ou o PT, que no poder se portou como os demais clubes recreativos a ornar a política nativa, e não foi capaz de enfrentar a manobra golpista.
A cultura da escravidão ensina que o bom combate acontece na proporção de 50 contra 1. É a história da Guerrilha do Araguaia, empolgante pela coragem dos 80 moços que enfrentaram 10 mil soldados, mas, ao mesmo tempo, patética.
Os bravos são raros, em geral não somos de briga, a não ser que o adversário esteja em grande minoria ou careça dos meios para se defender. Mestre no assunto, o Duque de Caxias, exuberante figura da nossa interminável galeria de falsos heróis.
De exceção em exceção, as máfias no poder fazem o que bem entendem, em um país que não se fez nação. As ofensas à lei e à razão multiplicam-se ao sabor dos interesses imediatos das quadrilhas, para nos transformar em um Estado medieval e insignificante, colônia exportadora de commodities e de terra vendida, na superfície e no subsolo, a preço de liquidação.
A saída correta teria sido a convocação de eleições antecipadas. Mas como chegar a tanto se os poderes da República obedecem aos capi? Outra saída estaria na revolta popular, forte o bastante para tomar a casa-grande, mas cadê os sans-culottes? CartaCapital reconhece em Lula o único autêntico líder nacional. Mas, se o PT não existe sem seu fundador, o contrário é perfeitamente possível. Lula tem o povo e o PT é dispensável.
Se Lula for preso, conforme prevê a principal exceção deflagrada pelo golpe, a eleição de 2018, desde que se realize, não deixará de ser uma farsa trágica. Recomenda-se preparar os corações para dias ainda mais sombrios. Na próxima semana celebra-se o Dia da Independência 195 anos depois, o dia do tão falado grito que Dom Pedro liberou ao sair detrás das bananeiras. Já então era falácia.
O êxito golpista nos devolve imperiosamente aos tempos da colônia e a verdadeira festa é a da dependência. Só cabe lamentar, diante de uma situação que não vislumbra qualquer gênero eficaz de resistência.
Lamentamos também que alguns personagens dotados de respeitável inteligência, felizmente poucos, se façam de cegos, quando não apoiam o descalabro. É algo que me agasta e amargura entre o fígado e a alma.
Fonte: Carta Capital
segunda-feira, 4 de setembro de 2017
Diário e reflexões - 040917 (amor e pertencimento)
Refeição Cultural
Hoje é aniversário de minha querida mãe, Dirce Mendes, que completa 71 anos de idade.
Estava neste instante em meu computador, lendo uma pauta com itens extremamente complexos para serem apreciados e deliberados amanhã na reunião da Diretoria Executiva da Cassi, quando me lembrei de parar e postar um texto a respeito dessa pessoa maravilhosa e referência em minha vida.
Semana passada postei um texto (ler AQUI) em homenagem ao meu querido pai, que completou 75 anos de idade no dia 30 de agosto. Minha mãe e meu pai são referências e bases sólidas daquilo que me transformei como pessoa e cidadão do mundo.
Tenho muito que agradecer à minha mãe por ter sido aquela que me freou nos impulsos dos momentos de maior raiva do mundo por não aceitar as injustiças que vi e vivi desde a tenra adolescência.
Se de meu pai herdei a atitude de não aceitar coisas erradas contra os mais humildes, de minha mãe herdei a paciência e a tolerância de não explodir por qualquer motivo, podendo fazer algo que não tivesse retorno das consequências.
Hoje, como pai que vive distante do filho adolescente, fico imaginando o que sofreu o coração desta mãe ao ver o filho sair de casa com menos de 18 anos em uma época em que a comunicação era tão rara e escassa.
O que sofremos com a preocupação e as inconstâncias da vida de nosso jovem filho buscando se estabelecer no mundo, mesmo tendo comunicação instantânea, me faz pensar como coração de mãe ao longo da história da humanidade aguenta tamanha dor da distância e da espera de notícias, até das imponderáveis.
Mãe, te amo muito e a senhora segue sendo um freio para mim, mesmo tendo eu quase meio século de existência.
Ter uma família tão querida como eu tenho, contribui na minha paciência e tolerância nas guerras que enfrento como um militante social da classe trabalhadora em frentes de batalha cada dia mais duras contra os desgraçados que avançam destruindo o povo e o mundo que represento.
Obrigado por tudo, mãezinha, e vida longa pra senhora.
William
domingo, 3 de setembro de 2017
Casa-grande & Senzala - Leitura do 1º Capítulo
Refeitório Cultural
Não foi fácil terminar o primeiro capítulo do ensaio de Gilberto Freyre (de 1933). Além de ser uma leitura lenta, complexa, eu fui metódico e li todas as notas ao final do capítulo. Para se ter uma ideia sobre a importância das notas e referências, enquanto o capítulo teve 53 páginas, as notas ocuparam 28, sendo a letra destas minúscula.
Com o Prefácio à 1ª Edição, do próprio Freyre, já tinha se dado o mesmo: foram 25 páginas de explicações sobre a obra e várias notas em 10 páginas.
Apesar da leitura cansativa, e eu só posso me dedicar a estudos assim em finais de semana, eu já acrescentei em minhas reflexões visões novas e interessantes em relação ao pensamento a respeito da formação do Brasil e do povo brasileiro. A questão da má alimentação e da fome do brasileiro ao longo dos séculos, eu já havia lido em Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (1959), mais na forma de comentário que de aprofundamento. Clique AQUI para postagens sobre Celso Furtado.
No entanto, ao ler a obra neste momento, no Brasil do século 21, no pós Golpe de Estado em 2016, e vendo a destruição de nosso País e do patrimônio público e dos direitos do povo, a leitura ganha uma importância maior, eu diria de resistência ao torpor em que o povo foi colocado e segue sendo mantido pelos meios empresarias de manipulação de massa.
O capítulo primeiro se chama "Características gerais da colonização portuguesa do Brasil: formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida". Me lembrei de toda a obra de Machado de Assis, onde o locus era exatamente esse no século 19. Clique AQUI para postagens sobre Machado de Assis.
Se eu tivesse fôlego, faria uma longa postagem com várias passagens que achei interessantes, mas tenho pouco tempo para isso. Fica a sugestão de leitura aos nossos amig@s leitores.
UM PAÍS DE SENHORES E ESCRAVOS
A conclusão a que chega Gilberto Freyre ao final do capítulo segue bem atual: somos um país de senhores e escravos.
"Considerada de modo geral, a formação brasileira tem sido, na verdade, como já salientamos às primeiras páginas deste ensaio, um processo de equilíbrio de antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto. Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo". (pág. 116)
MÁ ALIMENTAÇÃO, POR CAUSA DA MONOCULTURA DO AÇÚCAR, E SÍFILIS ("OS MALES DO BRASIL SÃO", PARAFRASEANDO MACUNAÍMA)
Na questão da colonização portuguesa e na ocupação exploradora de grandes espaços geográficos como foi o nosso caso, eu ainda não tinha ouvido falar, de forma tão contundente, em uma explicação que desviasse do lugar-comum pejorativo ao achincalhar o povo brasileiro por causa de sua característica miscigenação. Freyre diz que dois fatores que prejudicaram muito o povo que surgia da colonização foram a fome e a má alimentação, por causa da monocultura do açúcar, e a sífilis, trazida pelos europeus desde o início do século 16.
"Costuma dizer-se que a civilização e a sifilização andam juntas: o Brasil, entretanto, parece ter-se sifilizado antes de se haver civilizado..." (pág. 110)
"Sob o ponto de vista da miscigenação foram aqueles povoadores à toa que prepararam o campo para o único processo de colonização que teria sido possível no Brasil: o da formação, pela poligamia - já que era escasso o número de europeus - de uma sociedade híbrida..." (pág. 110)
"A sifilização do Brasil resultou, ao que parece, dos primeiros encontros, alguns fortuitos, de praia, de europeus com índias. Não só de portugueses como de franceses e espanhóis. Mas principalmente de portugueses e franceses. Degredados, cristãos-novos, traficantes normandos de madeira de tinta que aqui ficavam, deixados pelos seus para irem se acamaradando com os indígenas; e que acabavam muitas vezes tomando gosto pela vida desregrada no meio de mulher fácil e à sombra de cajueiros e araçazeiros..." (pág. 111)
Enfim, como disse a vocês, gostaria de fazer várias citações, em relação à questão da fome e da má alimentação, tanto entre os escravos quanto na casa-grande, por não haver opções de alimento. É lógico que muito pior a condição na senzala.
Também tem explicações e teses sobre o porquê do Brasil não se separar em diversos países como foi no caso da América espanhola.
Meu desejo é voltar em outras postagens ainda sobre o prefácio e sobre o capítulo um, antes de continuar a leitura do livro.
Clique AQUI e leia postagem anterior sobre o livro, onde comento uma introdução feita por FHC em 2003. E clique AQUI para a primeira postagem sobre o livro.
Abraços aos leitores!
William
sábado, 2 de setembro de 2017
Lendo Casa-grande & Senzala, de Gilberto Freyre
Refeição Cultural
"Casa-grande & Senzala
Ninguém escreveu em português
no brasileiro de sua língua:
esse à vontade que é o da rede,
dos alpendres, da alma mestiça,
medindo sua prosa de sesta,
ou prosa de quem se espreguiça."
(João Cabral de Melo Neto, in: Museu de tudo, Rio de Janeiro, José Olympio, 1975)
A INTRODUÇÃO FEITA POR FHC
A introdução da edição que tenho do ensaio de Gilberto Freyre é de Fernando Henrique Cardoso (de 2003). Li só por disciplina de leitor, porque o ex-presidente é uma das figuras que mais abomino no mundo humano, e, na minha opinião, ele prejudicou como poucos o nosso País ao longo da sua história republicana.
FHC faz críticas duras à obra de Freyre, sob o ponto de vista da técnica acadêmica. Exemplo:
"Gilberto Freyre tinha a pachorra e a paixão pelo detalhe, pela minúcia, pelo concreto. A tessitura assim formada, entretanto, levava-o frequentemente à simplificação habitual dos grandes muralistas. Na projeção de cada minúcia para compor o painel surgem construções hiperrealistas mescladas com perspectivas surrealistas que tornam o real fugídio..."
Mostra o ponto de vista de Freyre em sua obra:
"É indiscutível, contudo, que a visão do mundo patriarcal de nosso autor assume a perspectiva do branco e do senhor. Por mais que ele valorize a cultura negra e mesmo o comportamento do negro como uma das bases da 'brasilidade' e que proclame a mestiçagem como algo positivo, no conjunto fica a sensação de uma certa nostalgia do 'tempo dos nossos avôs e bisavôs'. Maus tempos, sem dúvida, para a maioria dos brasileiros"
Eu acho de um cinismo sem igual o FHC falar isso de Freyre em 2003, após ter estado por oito anos na cadeira da presidência da república brasileira e ter feito o que ele fez para o povo brasileiro e o próprio País: ou seja, não fez nada que não fosse aprofundar o vira-latismo d'alma imposto a nós pelos ocupantes da casa-grande, acostumados a olhar a terra nativa como colônia de exploração, e o coração estar no hemisfério Norte do imperialismo, seja o mundo ibérico, seja o inglês, seja o americano.
Aqui aponta uma crítica que sempre ouvi dizer a respeito da obra de Freyre:
"Não preciso referir-me aos aspectos vulneráveis já salientados por muitos comentadores de Gilberto Freyre: suas confusões entre raça e cultura, seu ecletismo metodológico, o quase embuste do mito da democracia racial, a ausência de conflitos entre as classes, ou mesmo a 'ideologia da cultura brasileira' baseada na plasticidade e no hibridismo inato que teríamos herdado dos ibéricos. Todos esses aspectos foram justamente apontados por muitos críticos, entre os quais Carlos Guilherme Mota"
De novo, cito abaixo mais duas observações do intelectual do bairro Higienópolis, FHC, branquinho e limpinho, em relação ao seu colega Gilberto Freyre, para evidenciar o meu asco em relação ao ex-presidente que mais fez o Brasil regredir à sua condição de colônia de exploração dos imperialismos do Norte:
"(...) Da moral permissiva, dos excessos sexuais ou do arbítrio selvagem dos senhores, não há passagem para uma sociabilidade mais ampla, nacional. Fica-se atolado no patrimonialismo familístico, que Freyre confunde frequentemente com o feudalismo..."
"(...) De novo, no equilíbrio entre contrários, aparece uma espécie de racionalização que, em nome das características 'plásticas', tolera o intolerável, o aspecto arbitrário do comportamento senhorial se esfuma no clima geral da cultura patriarcal, vista com simpatia pelo autor"
COMENTÁRIO
"A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos..."
(O tempo não pára, Cazuza)
O sujeito que faz a introdução à obra de Gilberto Freyre foi presidente do Brasil por oito anos, destruiu o que havia herdado de soberania nacional, as empresas estatais e públicas brasileiras (inclusive as privadas de capital nacional), doou aos estrangeiros tudo que conseguiu, não fez um nada para tentar diminuir o fosso que separa a casa-grande a qual ele mesmo pertence do locus onde estão os povos oriundos da senzala e, após morrer de inveja pelo sucesso na presidência de um metalúrgico sem a sua formação acadêmica, apoiou e participou da arquitetura do Golpe de Estado em 2016, que pôs fim ao maior período de democracia em solo pátrio.
O que dizer desse indivíduo que não seja ofensivo?
Acho que ele não tem moral alguma para criticar o autor do ensaio que estou lendo, de 1933, tentando explicar a sociabilidade e a conformação do povo brasileiro. Mesmo que de forma conservadora, me parece que o autor buscou ser honesto em sua obra.
É isso!
William
Post Scriptum:
Dureza. Eu fui tentar ler no sábado pela manhã, e simplesmente não conseguia, por cochilar em cima da obra. Ainda estou cansado do trabalho da semana. Acabei optando por começar a escrever e comentar o que já li... é a vida!