sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (47) - Mi caballero, José Martí



MI CABALLERO - JOSÉ MARTÍ


Por las mañanas

Mi pequeñuelo 

Me despertaba

Con un gran beso.

Puesto a horcajadas

Sobre mi pecho,

Bridas forjaba

Con mis cabellos.

Ebrio él de gozo,

De gozo yo ebrio,

Me espoleaba

Mi caballero: 

¡Qué suave espuela

Sus dos pies frescos!

¡Cómo reía 

Mi jinetuelo!

Y yo besaba

Sus pies pequeños,

Dos pies que caben

En solo un beso!


Do livro Ismaelillo, de 1882.

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COMENTÁRIO:

Hoje li o livro de versos de José Martí dedicado ao seu filho, que tinha por apelido Ismaelillo.

Durante a semana, fiquei vendo algumas crianças brincando na colônia de férias dos professores e pensei um pouco nas crianças em seu unverso.

Cada criança é única. E com um pouco de reflexão não é difícil perceber como são diferentes umas das outras. Cada criança é um universo de possibilidades. E todas elas devem ser respeitadas em suas características individuais. 

A questão central na formação das crianças são as oportunidades, os estímulos, o ambiente onde se desenvolvem e o amor que é dado a elas. Além, é claro, da educação!

O poema que escolhi é de um grande educador, José Martí. Aqui, ele verseja momentos de amor com seu pequeno filho. 

José Martí, por suas ideias e por suas práticas, se tornou o Apóstolo da Independência de Cuba, sua pátria querida. Ele nos legou uma vasta obra com pensamentos sobre diversas áreas do conhecimento humano. 


William 


Bibliografia:

(de “Martí en su universo - Edición conmemorativa de la RAE y la ASALE: Una antología [Spanish Edition]” por José Martí)


quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (46) - No meio do caminho, Drummond



NO MEIO DO CAMINHO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.


Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.


Do livro Alguma poesia, de 1930.

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COMENTÁRIO:

Não sou determinista. Acredito no poder da educação, que, se efetiva, pode mudar as pessoas, que, educadas, podem mudar a realidade do mundo.

Paulo Freire diz em Pedagogia da Autonomia que só se educa gente.

Mas... são tantas pedras no caminho!

Os fascistas estão em ascensão. Fascistas são contra Educação e Cultura. A mentira é a base da propaganda do nazismo e do fascismo. 

São as pedras no caminho.  

Aqueles que não são fascistas não se entendem. Progressistas e esquerdistas parecem incapazes de se unirem para combater a ascenção do nazifascismo atual.

São as pedras no caminho. 

Pensando nas mentiras que se impõem, na força repressora dos capitalistas que se impõe, nos ideólogos dos poderosos que se impõem, pensei nas pedras no caminho, de Drummond. 

William 


ANDRADE, Carlos Drummond. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 3ª edição - Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.

Diário e reflexões



Refeição Cultural 

Praia Grande, 16 de janeiro de 2025. Quinta-feira.


Os dois lugares que considero o paraíso na terra são dois lugares simples e de acesso a pessoas comuns da classe trabalhadora: o Parque do Sabiá, em Uberlândia, e a Colônia do Sinpro SP, na Praia Grande. 

Passamos uma semana de paz e tranquilidade na Colônia dos Professores aqui na Praia de Caiçara. Caminhei, dei uns trotinhos no calçadão e nadei um pouco todos os dias.

Comecei a leitura do clássico de Umberto Eco, "O nome da rosa". Repito o que digo sempre que começo a leitura de um livro bem escrito: escritores são pessoas incríveis! É extraordinário o que supera um escritor para nos legar um bom livro!

Até onde li, já vi grandes reflexões sobre os livros, sobre a mentira, sobre os dogmas e opressões das religiões inventadas pelos homens. Sim, pelos homens!

A história se passa no século 14. Era prática queimar pessoas, torturar pessoas, oprimir a maioria através da força e da superstição. Século 14.

E pensar que no século 21 é prática oprimir a maioria das pessoas através da força e da superstição... setecentos anos de ciência e estamos no mesmo ponto na sociedade humana...

Nesta semana, o governo Lula voltou atrás numa medida que visava identificar grandes sonegadores e gente que lava dinheiro sujo (sobre movimentações altas por pix). Uma mentira disseminada pelos dominadores dos meios de manipulação de massas derrotou o governo, que, humilhado, voltou atrás... vitória dos manipuladores!

Que dizer?

William 


quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (45) - Seiscentos e sessenta e seis, Mario Quintana



SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS - MARIO QUINTANA


A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...

Quando se vê, já é 6ª-feira...

Quando se vê, passaram 60 anos...

Agora, é tarde demais para ser reprovado...

E se me dessem — um dia — uma outra oportunidade,

eu nem olhava o relógio

seguia sempre, sempre em frente...


E iria jogando pelo caminho a casca dourada

e inútil das horas. 


(de “Esconderijos do tempo” por Mario Quintana).

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COMENTÁRIO:

O tempo... 

A contagem do tempo...

Os deveres de casa, muitas vezes impostos, e talvez inúteis... contratos sociais. 

...

O que gosto nessas utopias das possibilidades (e se, e se...) é a própria consciência do eu-lírico que se ele quisesse ou tivesse tido atitude no tempo passado, teria seguido por outro caminho, feito outra coisa de seu único e precioso tempo de vida.

"E se me dessem — um dia — uma outra oportunidade,"

De verdade, de verdade, o que impede qualquer um de nós de seguir "sempre em frente..."?

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Enfim, o poema de Quintana me chamou a atenção hoje.

Tenho uma coisa com essa questão do tempo, uma invenção humana, a sua percepção e contagem.

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AO MODO MARIO QUINTANA

A vida foi assim:

Quando vi, era criança feliz no Jardim Ivana.

Quando vi, era criança infeliz no Marta Helena.

Quando vi, era ódio e vontade de morrer.

Me vi mudado, organizando o mundo.

Quando fui ver, estava cancelado, por que não sei.

Faria diferente se outra oportunidade tivesse?

Não! Fiz o melhor que pude do meu tempo.

William Mendes 


Bibliografia:

QUINTANA, Mario. Esconderijos do tempo [recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.


Livro: Crisálidas - Machado de Assis



Refeição Cultural 

Janeiro de 2025


“EPITÁFIO DO MÉXICO

Dobra o joelho: — é um túmulo.

Embaixo amortalhado

Jaz o cadáver tépido

De um povo aniquilado;

A prece melancólica

Reza-lhe em torno à cruz.


Ante o universo atônito

Abriu-se a estranha liça,

Travou-se a luta férvida

Da força e da justiça;

Contra a justiça, ó século,

Venceu a espada e o obus.


Venceu a força indômita;

Mas a infeliz vencida

A mágoa, a dor, o ódio,

Na face envilecida

Cuspiu-lhe. E a eterna mácula

Seus louros murchará.


E quando a voz fatídica

Da santa liberdade

Vier em dias prósperos

Clamar à humanidade,

Então revivo o México

Da campa surgirá.” 


(de “Obras Completas de Machado de Assis IV: Poesia Completa” por Machado de Assis)


Ando me esforçando para conhecer um pouco mais as obras poéticas dos grandes autores da poesia universal. 

Sou nascido e criado no Brasil dos anos setenta e oitenta, de família pobre e de pouca cultura formal, escolar, gente que ralou na vida desde criança para sobreviver em um dos países mais violentos e desiguais do mundo. 

Fui aculturado num ambiente nacional marcado pelas opressões da religião oficial do Estado e dos donos do poder, a católica, e num ambiente machista, misógino, racista e avesso às diversidades... o Brasil. 

Até uns trinta anos de idade, eu achava poesia coisa para os outros, não para mim. Preconceito. Ignorância, lógico!

Imagino, olhando para trás, que a oportunidade de fazer o curso de Letras, na USP, tenha sido a porta de entrada para outros gêneros literários tão diversos e ricos dessa nossa contraditória espécie humana. 

Dei sorte na vida. Sou um homem de sorte. Sem entrar na vereda da cultura e do desejo de saber mais, vindo de onde vim, poderia ser outra pessoa. Não acho que seria melhor cidadão sem o desejo do saber. 

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CRISÁLIDAS (1864)

Na busca por novas poéticas, mergulhei na leitura do primeiro livro de poesias do Bruxo do Cosme Velho.

Sempre que leio textos antigos, tento me colocar na posição de um leitor da época da publicação ou criação daquela produção cultural. Não é fácil, somos o que somos. Mas eu leio textos antigos pelo menos com essa atenção.

Foi assim que li os poemas de Crisálidas, de Machado de Assis. 

A leitura foi exigente, foi preciso concentração para apreciar as imagens poéticas desenvolvidas pelo poeta Machado.

Curiosidade 

Ao pesquisar sobre o poema "Embirração", de Faustino Xavier de Novais (F. X. de Novaes no livro de M. Assis), descobri que o poema foi uma resposta do poeta ao poema "Aspiração", em Crisálidas, dedicado a F. X. Novaes.

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São trinta poemas no livro, alguns com grandes extensões como, por exemplo, "Versos a Corina (I)".

Dois poemas abordam especificamente tema religioso: "O Dilúvio" e "Fé".

Dois tratam de assuntos internacionais: "Epitáfio do México" e "Polônia".

Enfim, sigamos lendo poesia e descobrindo poéticas.

William 


Bibliografia:

ASSIS, Machado de. Obras Completas IV - Poesia Completa. ePUB.


terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (44) - A caridade, Machado de Assis



A CARIDADE - MACHADO DE ASSIS


Ela tinha no rosto uma expressão tão calma

Como o sono inocente e primeiro de uma alma

Donde não se afastou ainda o olhar de Deus;

Uma serena graça, uma graça dos céus,

Era-lhe o casto, o brando, o delicado andar,

E nas asas da brisa iam-lhe a ondear

Sobre o gracioso colo as delicadas tranças.


Levava pelas mãos duas gentis crianças.


Ia caminho. A um lado ouve magoado pranto.

Parou. E na ansiedade ainda o mesmo encanto

Descia-lhe às feições. Procurou. Na calçada

À chuva, ao ar, ao sol, despida, abandonada

A infância lacrimosa, a infância desvalida,

Pedia leito e pão, amparo, amor, guarida.


E tu, ó caridade, ó virgem do Senhor,

No amoroso seio as crianças tomaste,

E entre beijos — só teus — o pranto lhes secaste

Dando-lhes pão, guarida, amparo, leito e amor.


Do livro Crisálidas, de 1864

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COMENTÁRIO:

Hoje, escolhi ler os poemas do mestre Machado de Assis. Li seu primeiro livro de poesia, Crisálidas, de 1864. Machado tinha 25 anos.

Seus poemas abordam temas comuns na época, imagino eu. Amor romântico, religião e fé inquestionável em Deus, técnicas do fazer poético etc.

Um século e meio depois, o poema "Caridade" segue mais atual que nunca. Entre o passado e o presente, nada mudou: as crianças seguem nas ruas, e suas mães também, e a fome também. 

Como a casa-grande não admite um Estado republicano de verdade, com a 'res pública" (vide o orçamento secreto para os ladrões fdp), só apelando poeticamente por "caridade" para lidar com os miseráveis do capitalismo, descritos desde aquela época por Victor Hugo.

William 


Bibliografia:

ASSIS, Machado de. Obras Completas IV - Poesia Completa. ePUB.



segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (43) - Um minuto em Lagamar, Marili Santos



UM MINUTO EM LAGAMAR - MARILI SANTOS


     Queria não ter que resolver nada hoje. Não ter que pensar em algo para dizer, não lavar louça, não dar telefonema, nem mesmo emitir um sinal. Queria poder ser livre. Estar livre. Sensação que não consigo mais ter, nem ao menos sentir. Livre de tudo, dos amigos, das plantas, da formiguinha, das pessoas, abandono total, de tudo e de todos. Gostaria de não amar, não desejar, não ter que ousar, disfarçar, me entregar. Queria não precisar, nem de um batom, nem de comer, ouvir, falar. Queria sonhar, isso, dormir e sonhar. Queria não ter que dar satisfação, responder, emitir um som qualquer. Queria o silêncio, o necessário silêncio, mudo, mudo. Não gostaria de ter que cumprir meus papéis sociais, sorrir sem vontade, responder recurso, usar salto alto. Preciso respirar. Queria não ter que andar e sair, comprar e pegar, acumular coisas inúteis. Queria ser desprendida, solta, desapegada da vida. Queria estar morta sem precisar morrer...


     Só um minutinho, não ser ninguém, não ter um nome, nem ser eu, sem sobrenome, nua e sem alma, deitar e respirar em lagamar.


Do blog Valsa Literária 

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COMENTÁRIO:

Quantas vezes em minha existência não me senti como o eu-lírico deste poema! Muitas vezes!

Ao final do poema, me lembrei da crônica de Rubem Alves - "O Nome" - e tudo que ele - o nome - carrega consigo e que se exige de qualquer pessoa ao estabelecer-se expectativas sociais de cada um de nós: uma jaula. 

É isso! Tem dias que acordo com o desejo de ter "um minuto em Lagamar".

William 


Fonte: valsaliteraria.blogspot.com

 

Dom Quixote de La Mancha - Miguel de Cervantes (3)

 

El Quijote de La Habana.

Refeição Cultural

"-¡Dichosa edad, y siglo dichoso aquel donde saldrán a luz las famosas hazañas mías, dignas de entallarse en bronces, esculpirse en mármoles y pintarse en tablas, para memoria en lo futuro! ¡Oh tú, sabio encantador, quienquiera que seas, a quien ha de tocar el ser cronista desta peregrina historia!, ruégote que no te olvides de mí buen Rocinante, compañero eterno mío en todos mis caminos y carreras.” (de “El ingenioso caballero don Quijote de la Mancha. Parte 1 [Spanish Edition]” por “Miguel de Cervantes”)

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CAPÍTULO 2

"Que trata de la primera salida que de su tierra hizo el ingenioso don Quijote"


Primeiro, Miguel de Cervantes estabelece no "Prólogo" seu contrato com os leitores, deixando claro que seu livro e seus personagens são uma tiração de sarro dos populares livros de cavalaria da época. (Ler aqui)

Em seguida, Cervantes nos apresenta no "Capítulo 1" o nascimento do personagem e as pessoas de seu entorno, incluindo seu cavalo Rocinante e sua amada Dulcinea del Toboso. (Ler aqui)

Agora, no "Capítulo 2" os leitores acompanham a primeira saída de Dom Quixote em busca de aventuras, ele precisa passar por uma cerimônia que o torne um cavaleiro.

Após andar pela região de La Mancha o dia todo, Dom Quixote e Rocinante vão parar numa espelunca cheia de populares, gente sem apreço pela "ética cavaleiresca".

As cenas descritas por Cervantes são hilárias. 

“Estando en esto, llegó acaso a la venta un castrador de puercos; y así como llegó, sonó su silbato de cañas cuatro o cinco veces, con lo cual acabó de confirmar don Quijote que estaba en algún famoso castillo y que le servían con música, y que el abadejo eran truchas, el pan candeal, y las rameras damas, y el ventero, castellano del castillo; y con esto daba por bien empleada su determinación y salida. Mas lo que más le fatigaba era el no verse armado caballero, por parecerle que no se podría poner legítimamente en aventura alguna sin recebir la orden de caballería.” (de “El ingenioso caballero don Quijote de la Mancha. Parte 1 [Spanish Edition]” por “Miguel de Cervantes”)

COMENTÁRIO:

Quando se tem a oportunidade de conhecer a ciência por trás das técnicas narrativas, quando se estuda a crítica e a exegese das obras literárias, a leitura ganha novas perspectivas, antes despercebidas pelos leitores. 

São inumeráveis as observações que podem surgir ao se ler o começo do clássico de Cervantes. 

Uma das questões que marcam os personagens cervantinos é que mesmo sendo alertado de início a que se destina a obra - no Prólogo -, pouco depois de seu lançamento, Dom Quixote e Sancho Pança ganham vida própria e assim seguiu ao longo dos séculos. 

Já na primeira saída, a qualidade da narrativa dá a impressão de que não se trata de uma ficção, e sim de uma descrição realista do que vai ocorrendo com o senhor de seus cinquenta anos que se vestiu de cavaleiro, montou no seu pangaré e saiu por aí para lutar com moinhos de vento e gigantes malvados.

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"¡Oh tú, sabio encantador, quienquiera que seas, a quien ha de tocar el ser cronista desta peregrina historia!, ruégote que no te olvides de mí buen Rocinante, compañero eterno mío en todos mis caminos y carreras.”

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É incrível! O sábio encantador Miguel de Cervantes nos legou para sempre as histórias de Dom Quixote, Sancho Pança e Rocinante!

A leitura do clássico de Cervantes é aventura única na vida de um leitor há mais de 400 anos.

William Mendes 

 13/01/25

domingo, 12 de janeiro de 2025

Livro: Bagagem - Adélia Prado



Refeição Cultural 

Janeiro de 2025


"AS MORTES SUCESSIVAS 

Quando minha irmã morreu eu chorei muito

e me consolei depressa. Tinha um vestido novo

e moitas no quintal onde eu ia existir.

Quando minha mãe morreu, me consolei mais lento.

Tinha uma perturbação recém-achada:

meus seios conformavam dois montículos

e eu fiquei muito nua,

cruzando os braços sobre eles é que eu chorava.

Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei.

Busquei retratos antigos, procurei conhecidos,

parentes, que me lembrassem sua fala,

seu modo de apertar os lábios e ter certeza.

Reproduzi o encolhido do seu corpo

em seu último sono e repeti as palavras

que ele disse quando toquei seus pés:

‘deixa, tá bom assim’.

Quem me consolará desta lembrança?

Meus seios se cumpriram

e as moitas onde existo

são pura sarça ardente de memória."


Finalmente conheci a poesia de Adélia Prado. 

Ao ver entrevistas dela na atualidade, fica fácil confirmar o que se percebe de sua poética desde seu primeiro livro Bagagem, de 1976. A poeta é muito religiosa e seu fazer poético contém toda a visão de mundo dela.

O livro está organizado em quatro seções: "O modo poético", "Um jeito e amor", "A sarça ardente I", "A sarça ardente II" e um desfecho: "Alfândega".

Vocabulário:

Sarça ardente é uma planta, com flores pequenas. 

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DA 1a SEÇÃO, "O modo poético", diversos poemas me agradaram. A começar pelo poema "Com licença poética"

Vejam o começo:

"Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira."

Vi numa entrevista Adélia dizer que Drummond foi um dos poetas que a identificaram e apoiaram no início da carreira. 


No poema "Grande desejo" Adélia se apresenta e diz a que veio:

"(...)

sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.

Faço comida e como.

(...)

Quando dói, grito ai,

quando é bom, fico bruta,

as sensibilidades sem governo."


Como disse, gostei bastante da 1a parte.

"Procuro sol, porque sou bicho de corpo.

sombra terei depois, a mais fria." (Poema Sensorial)


O poema "Tabaréu" é mais um daqueles nos quais a poeta se define para seus leitores:

"(...)

Porque, mercê de Deus, o poder que eu tenho

é de fazer poesia, quando ela insiste feito

água no fundo da mina, levantando morrinho de areia."

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DA 2a SEÇÃO, "Um jeito e amor", gostei dos poemas "O sempre amor", "Enredo para um tema" e outros também. 

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DA 3a SEÇÃO, "A sarça ardente I", adorei o poema "Ensinamento". Ler aqui.

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DA 4a SEÇÃO, "A sarça ardente II", gostei bastante dos poemas "Episódio" e "Uma forma de falar e de morrer". Achei demais "As mortes sucessivas".


"(...) mais dolorido canta quem não é cantor", verso do poema "Modinha". 

É de alguém observador.

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DIMINUINDO AS LACUNAS CULTURAIS  

Nas últimas semanas, descobri poetas que ainda não tinha lido. 

Agora já conheço alguma coisa de Adélia Prado, Mario Quintana, T. S. Eliot, Baudelaire e Maiakóvski, poetas reconhecidos internacionalmente. 

Sigamos lendo e diminuindo nossa ignorância cultural, pois somos seres incompletos, como nos ensina Paulo Freire.

William 


Bibliografia:

PRADO, Adélia. Bagagem [recurso eletrônico]. 1. ed. - Rio de Janeiro: Record, 2021.

 

Leitura de poesia (42) - Ensinamento, Adélia Prado



ENSINAMENTO - ADÉLIA PRADO


Minha mãe achava estudo

a coisa mais fina do mundo.

Não é.

A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,

ela falou comigo:

‘coitado, até essa hora no serviço pesado’.

Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.

Não me falou em amor.

Essa palavra de luxo.

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COMENTÁRIO:

A poeta nos alerta meio século atrás, através de seu eu-lírico, uma sabedoria pouco comum naquela época e ainda hoje: que erudição, saber técnico e acúmulo de informação não é essencial para a construção de homens e mulheres sábios e cheios de sentimentos bons como, por exemplo, o amor. 

Aliás, tenho a impressão que o amor virou algo "démodé", fora de moda e até hostilizado. O amor virou algo como a alegria, sentimento que traz hostilidade de qualquer pessoa ao redor de alguém alegre ou feliz. 

Amor e alegria incomodam quase até o desejo de agredir e entristecer alguém feliz perto do ser feroz.

Quantos desejariam hoje tal ensinamento como este?

Amor: "Essa palavra de luxo."

William 


Bibliografia:

PRADO, Adélia. Bagagem [recurso eletrônico]. 1. ed. - Rio de Janeiro: Record, 2021.

 


sábado, 11 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (41) - O poeta, Álvares de Azevedo



O POETA - ÁLVARES DE AZEVEDO

              Un souvenir heureux est peut-être sur terre

                      Plus vrai que le bonheur!

                              A. de Musset


Era uma noite - eu dormia

E nos meus sonhos revia

As ilusões que sonhei!

E no meu lado senti...

Meu Deus! por que não morri?

Por que do sono acordei?


No meu leito - adormecida,

Palpitante e abatida,

A amante de meu amor!

Os cabelos recendendo

Nas minhas faces correndo

Como o luar numa flor!


Senti-lhe o colo cheiroso

Arquejando sequioso;

E nos lábios, que entr'abria

Lânguida respiração, 

Um sonho do coração 

Que suspirando morria!


Não era um sonho mentido;

Meu coração iludido 

O sentiu e não sonhou:

E sentiu que se perdia

Numa dor que não sabia...

Nem ao menos a beijou!


Soluçou o peito ardente,

Sentiu que a alma demente

Lhe desmaiava a tremer:

Embriagou-se de enleio,

No sono daquele seio

Pensou que ele ia morrer!


Que divino pensamento, 

Que vida num só momento 

Dentro do peito sentiu...


Não sei... Dorme no passado

Meu pobre sonho doirado...

Esperança que mentiu!


Sabem as noites do céu 

E as luas brancas sem véu

As lágrimas que eu chorei!

Contem do vale as florinhas

Esse amor das noites minhas!

Elas sim... eu não direi!


E se eu tremendo, senhora, 

Viesse pálido agora 

Lembrar-vos o sonho meu,

Com a fronte descorada

E com a voz sufocada

Dizer-vos baixo - Sou eu!


Sou eu! que não esqueci

A noite que não dormi,

Que não foi uma ilusão!

Sou eu que sinto morrer

A esperança de viver...

Que o sinto no coração! -


Riríeis das esperanças,

Das minhas loucas lembranças,

Que me desmaiam assim?

Ou então, de noite, a medo

Choraríeis em segredo

Uma lágrima por mim?

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COMENTÁRIO:

Terminei a leitura dos 43 poemas da 1a parte da "Lira dos vinte anos" do jovem paulistano Álvares de Azevedo, que viveu pouco mais de dez anos como adulto, se considerarmos sua infância e adolescência, entre 1831 e 1851.

Enquanto lia os poemas, fiquei pensando várias coisas. Mesmo não sendo o tipo de poesia e poética que me agradam, pensar na produção poética do rapaz lá naquele mundo miserável do Brasil de meados do século 19, me faz respeitar absurdamente um escritor como ele!

O vocabulário do poeta, as condições materiais da época, a gente inculta e aculturada na religião e nas crendices, imaginem o cenário, o contexto e o mundo de Álvares de Azevedo...

E pensar que no meu mundo, o dia 11 do mês de janeiro do ano de 2025 do século 21, temos uma humanidade dominada por crendices e mentiras em escala global, uma população escravizada e trabalhando umas 18 horas por dia, sem tempo de se educar e sem conhecimentos básicos de quase tudo...

Enfim, enquanto lia o eu-lírico dos anos 40 do século 19, clamando a Deus, suspirando de amor etc, fiquei pensando se o mundo andou pra frente ou pra trás...

(Post Scriptum: não é problema algum a fé das pessoas em qualquer tipo de metafísica, a visão de mundo de cada um é questão pessoal. Entretanto, a religião somada ao Estado queimou gente por séculos e pode ser que volte a queimar. Essa é a minha preocupação)

Sobre este poema, "o poeta", gostei dele.

Mas estou pensativo...

William 


Bibliografia:

AZEVEDO, Álvares. Lira dos vinte anos. Coleção Vestibular, O Estado de São Paulo. Klick Editora: São Paulo, 1999.


sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Livro: El gaucho Martín Fierro - José Hernández



Refeição Cultural 

Janeiro de 2025


"Me he esforzado, sin presumir haberlo conseguido, en presentar un tipo que personificara el carácter de nuestros gauchos, concentrando el modo de ser, de sentir, de pensar y de expresarse, que les es peculiar..." (Prólogo, José Hernández, p. 7)


Uma representação genuína dos gauchos é o que o escritor José Hernández apresenta a seus leitores no ano de 1872.

A poesia de Hernández utiliza uma linguagem poética da época, com uma sonoridade cativante e de fácil compreensão, mesmo tendo palavras diferentes do espanhol moderno.

"(...) dotándolo con todos los juegos de su imaginación llena de imágenes y de colorido, con todos los arranques de su altivez, inmoderados hasta el crimen, y con todos los impulsos y arrebatos, hijos de una naturaleza que la educación no ha pulido y suavizado." (idem)

Adquiri minha edição do clássico Martín Fierro em Buenos Aires, em 2012. Ela contém a 2a parte, "a volta", publicada sete anos depois e vários textos complementares muito bons.

Terminada a releitura da parte um, seguimos a leitura da 2a parte, que é diferente da primeira em relação ao personagem apresentado por Hernández em outro contexto político do autor.

Ler os clássicos é melhor que não ler os clássicos nos ensina Italo Calvino. Concordo com ele.

William 


Bibliografia:

HERNÁNDEZ, José. Martín Fierro. - 1a ed. - La Plata: Terramar, 2007.


Leitura de poesia (40) - Martín Fierro (VIII), José Hernández



EL GAUCHO MARTÍN FIERRO - JOSÉ HERNANDEZ


VIII

(...)

El nada gana en la paz

y es el primero en la guerra;

no le perdonan si yerra,

que no saben perdonar,

porque el gaucho en esta tierra

sólo sirve pa votar.


Para él son los calabozos,

para él las duras prisiones;

en su boca no hay razones

aunque la razón le sobre;

que son campanas de palo

las razones de los pobres.


Si uno aguanta, es gaucho bruto;

si no aguanta, es gaucho malo.

¡Déle azote, déle palo,

porque es lo que él necesita!

De todo el que nació gaucho

ésta es la suerte maldita.


Vamos, suerte, vamos juntos

dende que juntos nacimos,

y ya que juntos vivimos

sin podernos dividir,

yo abriré con mi cuchillo

el camino pa seguir.


Do livro El gaucho Martín Fierro, de 1872

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COMENTÁRIO:

"que son campanas de palo

las razones de los pobres."


O poema de José Hernández é universal porque los gauchos são todos os pobres e miseráveis explorados do mundo.

Aos pobres lhes tiram a família, os amores, a liberdade, a bondade e em troca lhes dão porrada, bala, prisão e maldade.

A poesia gauchesca é muito representativa do povo de Nuestra América, um povo em busca de sua cultura e sua liberdade como nos ensina José Martí, apóstolo da independência de Cuba.

Sigamos aprendendo com nossas raízes sul-americanas e caribenhas.

William 


Bibliografia:

HERNÁNDEZ, José. Martín Fierro. - 1a ed. - La Plata: Terramar, 2007.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (39) - Legado, Carlos Drummond de Andrade



LEGADO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Que lembrança darei ao país que me deu

tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?

Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu

minha incerta medalha, e a meu nome se ri.


E mereço esperar mais do que os outros, eu?

Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.

Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,

a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.


Não deixarei de mim nenhum canto radioso,

uma voz matinal palpitando na bruma

e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.


De tudo quanto foi meu passo caprichoso

na vida, restará, pois o resto se esfuma,

uma pedra que havia em meio do caminho.


Do livro Claro Enigma, 1951.

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COMENTÁRIO:

Depois de conhecer os seis primeiros livros de meu poeta preferido, Drummond, iniciei a leitura do sétimo livro dele: Claro Enigma (1951).


"Que lembrança darei ao país que me deu

tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?"


Essa pergunta inicial me pegou logo de cara. E o eu-lírico já tascou sua resposta ao final: a pedra, a sua pedra no caminho...


"De tudo quanto foi meu passo caprichoso

na vida, restará, pois o resto se esfuma,

uma pedra que havia em meio do caminho."



A pedra no caminho...

O país que me deu tudo que lembro e sei...


Ainda existe o país que me deu tudo que lembro e sei?

Não sei, penso que não.

Tudo, me parece, esfumou-se.



"E mereço esperar mais do que os outros, eu?"



Não, não mereço esperar mais do que ninguém. Num país onde "o resto se esfuma" eu diria ser um privilegiado. Rolei minhas pedras do caminho. 


Meu legado?

Eu quis deixar algum legado... esfumou-se.

Talvez as palavras... talvez as palavras. Meus milhares de textos nos blogs. Talvez o meu legado.

William


ANDRADE, Carlos Drummond. Nova reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 3ª edição - Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.

Leituras Capitais



Refeição Cultural 

CartaCapital edição 1342


HO HO HO - OS "PRESENTES" DE DEPUTADOS E SENADORES PARA CADA UM DE NÓS 

CAPA

O Congresso Nacional fechou o ano legislativo do jeito que começou: extorquindo o governo Lula. Foram bilhões de reais de chantagem para votar a Reforma Tributária. E mesmo assim sobraram jabutis a favor de ricos e contra o povo.

"Fora do imposto seletivo, as armas de fogo e munições terão uma alíquota menor que os refrigerantes." Diz a reportagem. 

Além disso, desfiguraram o Estatuto do Desarmamento e nosso IVA será um dos maiores do mundo.

SEU PAÍS 

Na seção, li matéria sobre a "Prisão quatro estrelas" do golpista Braga Netto. 

Diz a matéria: "O general fazia a ponte entre financiadores privados, conspiradores da caserna e Bolsonaro".

PRIVATIZAÇÃO DOS CEMITÉRIOS EM SÃO PAULO 

A reportagem de Mariana Serafini "Memória insultada" nos mostra o caos gerado pelos "parças" do prefeito reeleito na capital paulista. 

Triste de ver, as famílias enlutadas é que sofrem com a decisão nada democrática que definiu os políticos da cidade. Já disse que no Brasil não há democracia e sim plutocracia. Opinião minha. 

ECONOMIA 

Agronegócio: na matéria "Briga de foice", o jornalista Carlos Drummond denuncia que "A ala mais retrógrada do setor ataca a Moratória da Soja, que fez o desmatamento despencar na Amazônia".

Os ruralistas afirmam ser ameaça à livre concorrência ter que cumprir regras do acordo que já existe há 18 anos. 

"Com a moratória, a área desmatada em cidades produtoras de soja na Amazônia caiu de 10,6 mil para 3 mil quilômetros quadrados por ano".

NOSSO MUNDO 

Vi na seção a ameaça de avanço da extrema-direita na União Europeia. França e Alemanha podem ser governadas por fascistas e neonazistas em breve.

A Arábia Saudita vai sediar a Copa do Mundo de 2034 e a Fifa tá nem aí para denúncias de trabalhos análogos à escravidão... (novidade nenhuma nisso)

Violência contra a mulher: impressiona a coragem de Gisèle Pelicot ao enfrentar publicamente seu ex-marido e dezenas de estupradores num caso que assombra a Europa e o mundo.

PLURAL 

Seção sempre agradável! 

Li sobre o novo filme "O Auto da Compadecida 2"; li excelente matéria sobre os 35 anos dos Racionais MC's e vi na hora o vídeo "Diário de um detento", é de arrepiar!!! Eles estão com uma exposição no centro de São Paulo. Deu vontade de ir.

Gostei de todos os artigos da edição. Em especial o do Arthur Chioro "Vitória para a saúde", sobre o imposto maior para os refrigerantes. 

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COMENTÁRIO FINAL 

Sei não, talvez eu deixe de ler as edições impressas da excelente revista CartaCapital neste ano de 2025. Meu papel na política acabou faz tempo...

Não sei se faço outra coisa com as horas que me restam dos dias de um mundo definhando. 

Me atualizei nos temas lidos, como digo sempre, mas não mudou nada ler ou não ler sobre a política, o país e o mundo. Tá tudo foda e com pouca perspectiva de mudança. 

Atenção: podemos mudar o presente e o futuro, somos humanos. Mas precisamos de gente que queira mudar o mundo. Vocês querem?

William 


Livro: Maiakóvski: poemas - B. Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos



Refeição Cultural 

Janeiro de 2025


"COME ANANÁS

Come ananás, mastiga perdiz.

Teu dia está prestes, burguês."


A leitura do livro de poemas de Maiakóvski organizado pelos irmãos Campos e por Boris Schnaiderman me permitiu conhecer um pouco da poética do poeta revolucionário e todo o contexto de sua época, as primeiras décadas do século 20.

Neste caso, a diferença de compreensão ao ler primeiro os poemas e depois reler cada um deles após os textos críticos e de esclarecimento por parte dos organizadores da edição especial foi algo central.

O texto de Boris Schnaiderman - "Maiakóvski: Evolução e Unidade" - é fundamental para uma boa leitura dos poemas de Maiakóvski. 

O texto "Eu Mesmo - Maiakóvski" também é muito interessante para conhecermos o poeta. 

Vejam essa afirmação de Maiakóvski a respeito de seus primeiros contatos com livros na infância:

"Primeiro livro

Não sei que Passarinheira Agáfia. Se tivesse então encontrado alguns livros daqueles, deixaria de ler para sempre. Felizmente, o segundo livro foi Dom Quixote. Isto é que é livro! Fiz uma espada de madeira e armadura e aniquilava tudo ao redor." (p. 57)

Simplesmente fantástico!!!

Depois o poeta diz que leu Júlio Verne.

Foi preso três vezes durante o regime czarista, escreveu na terceira prisão:

"Tendo lido os contemporâneos, despenquei-me sobre os clássicos. Byron, Shakespeare, Tolstói. Último livro: Ana Karênina. Não cheguei ao fim. De noite me chamaram "à cidade com as suas coisas". E fiquei sem saber, até hoje, como acabou aquela história dos Karênin." (pag. 64)

Maiakóvski, eu também não terminei aquela história. Ana morre no final.

Em 1915, após ser convocado para a 1a GM:

"(...) Publiquei 'A Flauta-Vértebra' e a 'Nuvem'. A nuvem saiu muito limpinha. A censura soprou nela. Umas seis páginas só de pontos. 

     Daí data o meu ódio aos pontos. E às vírgulas também." (pag. 71)

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MAIAKÓVSKI, 50 ANOS DEPOIS - Augusto de Campos 

O livro traz no Apêndice presentes aos leitores, como esse texto de A. de Campos. 

Entendi melhor a relação do poeta com seu grande amor, Lília Brik, e as várias passagens da vida nas quais Maiakóvski abordou a questão do suicídio. 

"O poema em que discute o suicídio de Iessiênin, em 1926, terminando com as linhas 'nesta vida/morrer não é difícil/o difícil/é a vida e o seu ofício' (na esplêndida recriação de Haroldo de Campos), parecia prevenir qualquer recidiva. O poeta lutava consigo mesmo?" (p. 259)

Possíveis motivos ou questões que impactavam a vida do poeta:

"Causas possíveis do suicídio? Os Charters resumem: o tratamento dado a Maiakóvski pelos 'escritores proletários'; a desilusão política; o fracasso do seu caso com Tatiana; a recusa de Nora em casar-se com ele; a ausência de Lília; problemas físicos com sua voz. Mas a ideia do suicídio sempre o perseguira..." (p. 258)


POEMA-ANEL

Vejam que legal a explicação de Augusto de Campos sobre esse poema-anel a Lília Brik:

"Todas as homenagens que o poeta rendeu a Lília (em poemas como 'Lílitchka!', 'A Flauta-Vértebra', 'O Homem', 'Disto') se resumem numa única palavra que ele transformou no que hoje chamaríamos de poema concreto. Maiakóvski fez gravar num anel, que deu a ela de presente, as letras 'L', 'IU' e 'B' - as iniciais do nome completo de sua amada: Lília IÚrievna Brik. Em disposição circular elas formam a palavra LIUBLIÚ (amo). Também no título de um poema de 1923 as letras são grafadas separadamente (L IU B L IU), embutido na palavra 'amo' o nome de Lília." (p. 259/260)

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Me sensibilizei bastante com a biografia do poeta futurista e revolucionário Vladímir Maiakóvski. 

A incompreensão da qual foi vítima, seus últimos dias e o suicídio em 14 de abril de 1930 após concluir o poema "A Plenos Pulmões" me comoveram muito.

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POETA NÃO SEGUE REGRAS, ELE CRIA REGRAS 

"Justamente por renegar a poética tradicional, com a contagem de sílabas e de pés, exigia de si e dos poetas modernos em geral um esforço maior. 'Eu não forneço nenhuma regra para que uma pessoa se torne poeta, para que escreva versos. E, em geral, tais regras não existem. Damos o nome de poeta justamente à pessoa que cria estas regras poéticas' - escreveu em seu famoso ensaio." (p. 31, Boris Schnaiderman)

O poema que abre esta postagem - "Come Ananás" - é um exemplo de poesia de luta, nos explica Boris Schnaiderman. 

Este poema abaixo também é uma posição firme de Maiakóvski sobre sua poética revolucionária na poesia:

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O LIVRO BOM É NECESSÁRIO 

(...)

Logo

      que se eleve

                a cultura do povo!

Uma só,

             para todos.

O livro bom

                é claro

                           e necessário

a mim,

          a vocês, 

                     ao camponês 

                             e ao operário


Do poema "Incompreensível para as massas".

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COMENTÁRIO FINAL

A leitura do livro Maiakóvski: poemas foi a descoberta de um grande poeta da cultura humana. 

Os textos complementares do livro, de Boris Schnaiderman, Haroldo de Campos e Augusto de Campos, deram a mim o suporte necessário para compreender e apreciar a poética de Maiakóvski. 

Saio da leitura menos ignorante no tema. E isso é bom.

Sigamos vivendo com o desejo de aprender coisas novas todos os dias. 

William 


Bibliografia:

MAIAKÓVSKI, Vladimir. Poemas. Tradução: Boris Schnaiderman, Haroldo de Campos, Augusto de Campos. Ed. especial rev. e ampl. - São Paulo: Perspectiva, 2017.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Leitura de poesia (38) - O cacto, Manuel Bandeira



O CACTO - MANUEL BANDEIRA


Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:

Laocoonte constrangido pelas serpentes,

Ugolino e os filhos esfaimados.

Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas...

Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.


Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.

O cacto tombou atravessado na rua.

Quebrou os beirais do casario fronteiro,

Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,

Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas privou a cidade de iluminação e energia:


- Era belo, áspero, intratável.


                                              (Petrópolis, 1925)


Do livro Libertinagem, de 1930

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COMENTÁRIO:

Ao escolher o poema do dia, lendo Libertinagem, de Manuel Bandeira, fiquei entre "O cacto", "O major" e "Poema de finados", todos eles muito duros, na minha leitura.

(Ao procurar o livro na estante, havia pensado no poema "Andorinha" mas, francamente, não tinha nada que ver comigo. Eu não passei a vida à toa. Fiz coisas importantes coletivamente)

Acabei optando por "O cacto". Tem relação com o meu momento.

William


BANDEIRA, Manuel. Libertinagem & Estrela da manhã. 14ª impressão. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 2000.


08/01/25 - O tempo sempre presente




"O tempo

Uma ideia minha, que expresso de maneira nada científica, é que o tempo não é sucessão diacrónica, em que um acontecimento vem atrás do outro. O que acontece projecta-se numa imensa tela e tudo fica ao lado de tudo. Como se o Homem de Cro-Magnon estivesse colocado nessa tela ao lado do David de Miguel Ângelo. (...) não há passado nem futuro. O que vai ser já está a acontecer.

Entrevista de José Saramago ao diário Público, 2 de Novembro de 1991" (da página da Fundação José Saramago em 08/01/25)


DIÁRIO E REFLEXÕES

Mundo, 8 de janeiro de 2025. Quarta-feira.


"Como se o Homem de Cro-Magnon estivesse colocado nessa tela ao lado do David de Miguel Ângelo..."

Hoje faz dois anos que o Brasil sofreu uma nova tentativa de Golpe de Estado por parte de um segmento da sociedade que há séculos considera esta terra como uma colônia de exploração, um lugar odiado por essa gente lesa-pátria e lesa-humanidade. Convivemos lado a lado, nós e eles, no mesmo tempo e espaço. 

O que vai ser já está a acontecer...

Bolsonaro está livre. Todas as crias do Bolsonaro estão eleitas em alguma função pública. O vice de Bolsonaro está eleito em função pública e tira sarro de nossa cara falando que não houve tentativa de golpe. O sujeito é senador. Essa gente odiosa tem mais de 400 votos no parlamento para anistiar toda a canalhada do segmento social ao qual pertence.

O que vai ser já está a acontecer...

Trump foi condenado, é um mentiroso contumaz e vai tomar posse como presidente dos Estados Unidos. Parece querer a Groelândia, o Canadá e o Canal do Panamá. Por causa da emergência climática ele quer novas terras, é o seu "espaço vital". As big techs que dominam as mentes das massas ignaras do mundo estão com Trump.

O que vai ser já está a acontecer...

A do Jesus na goiabeira é senadora. O juiz suspeito é senador. As instituições do Estado brasileiro estão tomadas por gente como essas aí. O dono do orçamento público do país é deputado. O empresário que se vestia de papagaio está livre, leve e solto. O governador que interferiu nas eleições no dia da eleição, um mentiroso, está no mandato.

O que vai ser já está a acontecer...

Por falar em "espaço vital", aquele que os alemães sonhavam desde o século 19, Israel segue invadindo e tomando terras nas quais outros povos e civilizações ocupavam há tempos. Azar dos palestinos e demais povos árabes... o mundo assiste à ocupação com assassinatos pelas imagens ao vivo. Quem ou o que vai parar as bombas e a ocupação dos sionistas?

(Palavras não vão parar os sionistas. Palavras não pararam nem Hitler nem Mussolini. Sei não, palavras não vão parar a extrema-direita atual)

O que vai ser já está a acontecer...

E o Brasil? E o nosso governo Lula? Eu gosto muito do presidente Lula, admiro ele desde sempre. É uma referência para mim há décadas. Lula talvez seja uma das últimas figuras humanas de uma era que está se encerrando no mundo. Lula é um pacifista. Outra era e outras espécies humanoides estão surgindo nesta etapa do planeta Terra. A paz não tem nada a ver com essa nova era.

Não há passado nem futuro. O que vai ser já está a acontecer...

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" - ...............!"

Estou concluindo algumas coisas ao refletir sobre o tempo presente, esse de ontem, hoje e amanhã ("Ano Novo"). Talvez eu seja um romântico. Um romântico.

Eu sonhava consideração, sonhava tolerância, sonhava entendimento através das ideias e da palavra. A minha lista antiga de desejos e objetivos nesta minha única vida terminava com o item "paz". Um romântico...

Terminei o ontem e vivo o presente sem ter conseguido comer uma pizza com os sobrinhos, sem ter passado o Natal com os pais. Os núcleos familiares me parecem diminuir. 

Minha liderança local do PT saiu do partido. Fiz volume nas ruas sem ter protagonismo nos últimos anos. Não sei se farei mais isso. Pouca utilidade e resultado duvidoso pra todo mundo. Ser ou não útil é um incômodo permanente. 

Um amigo dos tempos de sindicalismo disse que me respeita muito, mesmo quando precisou resistir "a algumas situações colocadas". 

Nunca vou saber até onde foram as mentiras que inventaram contra mim para me cancelarem no movimento que ajudei a liderar por décadas. O mundo humano é um lugar duro. E talvez piore.

Não há passado nem futuro. O que vai ser já está a acontecer... a ideologia dos capitalistas segue vencendo a vida. Tudo tem um preço, um valor, uma utilidade. Um mundo utilitarista.

William


Post Scriptum (o dia seguinte): como registrei minha admiração pelo pacifista Lula, precisa registrar também que não concordo com tudo que Lula diz e faz. Não concordo com a afirmação do presidente Lula que disse não ter havido participação da classe trabalhadora nas revoluções de 1917 da Rússia e em 1959 em Cuba. Às vezes, Lula faz essas simplificações históricas que não ajudam em nada nossa luta contra a exploração do ser humano pelo capitalismo. A frase é tão infeliz ao insinuar que só estudantes fizeram as revoluções como seria infeliz se eu dissesse que só metalúrgicos (peões) criaram o PT e a CUT. Vida que segue...