segunda-feira, 21 de julho de 2025

Livro: Deuses humanos - H. G. Wells



Refeição Cultural

"Isso é o que fazemos agora habitualmente neste mundo. Pensamos diretamente uns para os outros. Determinamos transmitir o pensamento e é transmitido imediatamente, contanto que a distância não seja grande demais. Agora usamos sons neste mundo apenas para poesia e para o prazer e nos momentos de emoção ou para gritar de longe, ou com animais, não para a transmissão de ideias da mente humana para outra mente irmã. Quando eu penso para você, o pensamento é refletido em sua mente, desde que encontre ideias correspondentes e palavras adequadas em sua mente. Meu pensamento se reveste de palavras em sua mente, palavras que vocês parecem ouvir - e naturalmente em sua própria língua e com suas frases habituais. Muito provavelmente, os membros de seu grupo estão ouvindo o que estou dizendo a você cada um com suas próprias diferenças de vocabulário e sintaxe." (p. 50)


O livro de Herbert George Wells, Deuses humanos, veio até mim de forma casual, o vi numa banquinha de livros num shopping center. Paguei por ele quinze reais.

Pelo que pesquisei, o livro não é daqueles mais conhecidos do autor inglês como Guerra dos mundos, A ilha do Dr. Moreau, O homem invisível, A máquina do tempo e outros. 


LIVRO 1 - A IRRUPÇÃO DOS TERRÁQUEOS 

No enredo, o senhor Barnstaple, um trabalhador do periódico Liberal - um subeditor e um faz-tudo -, reflete sobre a necessidade de férias, ele está esgotado pela rotina no trabalho e também em casa. Quer férias até da família. 

Sendo assim, ele pega o carro e sai escondido por uns dias. Dirige a esmo e numa derrapada se vê em outro mundo. Começa aí sua experiência em "Outro Lugar", um lugar chamado Utopia.

Outro carro com um grupo eclético, incluindo um político do partido Conservador inglês, foi parar naquele mundo também. Personagens: sr. Cecil Burleigh, líder Conservador; sr. Rupert Catskill, secretário de Estado para a Guerra; temos ainda o chofer, Lady Stella, Freddy Mush (secretário de Rupert) e o padre Amerton.

O senhor Barnstaple é um liberal, mas:

"De fato, o sr. Barnstaple estava deixando de ter esperanças, e para tipos como ele, esperança é o solvente essencial sem o qual a vida não pode ser digerida. Sua esperança sempre havia sido o liberalismo e o generoso esforço liberal, mas ele começava a achar que o liberalismo jamais faria nada além de se sentar curvado com as mãos no bolso, resmungando e implicando com as atividades de homens mais vulgares, porém mais enérgicos, cujas atividades iriam, inevitavelmente, acabar com o mundo." (p. 12/13)

O senhor Barnstaple tem um pequeno automóvel:

"Era um carro de dois lugares. Era conhecido na família como Banheirinha, Mostarda Colman e Perigo Amarelo. Como esses nomes sugerem, era um carro baixo, conversível, de uma cor amarela clara. O sr. Barnstaple o usava para ir de Sydenham ao escritório, porque fazia cinquenta quilômetros por galão e era muito mais barato do que uma passagem de temporada." (p. 15)

Uma ideia é destaque na saída furtiva do senhor Barnstaple de casa para descansar uns dias:

"(...) Mas não importava muito. Qualquer caminho levava para Outro Lugar, e ele podia seguir para o norte depois." (p. 18)

Localização temporal

"O dia era um desses dias de sol claro característicos da grande seca de 1921 (...) enquanto estivesse dando as costas para Sydenham e o escritório do Liberal, não importaria para qual direção seguiria." (p. 18)

Outro Lugar

O grupo de terráqueos estabelece uma troca de informações e conhecimentos com os indivíduos daquele mundo e assim segue o enredo do romance ficcional. 

Serviço Universal

A base da organização social em Utopia é um novo método de cooperação econômica: o serviço universal para o bem comum.

O novo modelo social surgiu lentamente após a última Era de Confusão. Não houve revolução. Foram séculos de educação e ciência. 

Personagens utopianos até esta parte da leitura (livro um): sr. Serpentine, sr. Urthred, Lion, Lychnis.

Mais personagens

Mais adiante, aparecem novos personagens: Lorde Barralonga, o chofer Ridley, a srta. Greta Grey, Hunker - o rei do cinema -, o francês Emile Dupont e Penk. O bando chegou atropelando e matando um cidadão de Utopia. 

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LIVRO 2 - A QUARENTENA

A segunda parte do romance começa anunciando uma epidemia na população de Utopia causada pelos germes trazidos pelos estrangeiros terráqueos. 

Os utopianos eram como os povos originários das terras invadidas pelos homens brancos europeus em meados do segundo milênio da chamada era cristã. 

De forma sintética, resumiria que o grupo de terráqueos foi isolado num castelo no alto de uma montanha. Os doze humanos discutem sobre o que fazer, sendo o sr. Barnstaple o único divergente na proposta do grupo.

O subeditor do Liberal não vê sentido na ideia do grupo de se contrapor aos utopianos e fazer de Utopia o que seria a sociedade humana naquele momento em 1921. Os utopianos estavam séculos à frente em avanços sociais, pensava o sr. Barnstaple. 

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LIVRO 3 - UM NOVATO EM UTOPIA

"- Aqui - disse ela - não há descanso. Todos os dias homens e mulheres acordam e dizem: 'Que coisa nova faremos hoje? O que vamos mudar?'.

- Eles transformaram um planeta selvagem, com doenças e desordem, numa esfera de beleza e segurança. Fizeram a selva das motivações humanas conter união, conhecimento e poder." (p. 192)


Nesta parte da história veremos o desfecho da aventura do sr. Barnstaple. 

Para mim, como leitor, foram esclarecidas várias dúvidas em relação ao enredo do romance de H. G. Wells.

Certas afirmações pejorativas feitas pelos utopianos sobre a raça humana me deixaram perplexo, no sentido de que poderiam ser ditas hoje, um século depois do enunciado, e não como ficção, mas como descrição do que somos.

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COMENTÁRIO FINAL 

"Em Utopia, assim como na Terra, houvera pessoas escuras e morenas, e permaneciam distintas. As várias raças interagiam socialmente, mas não procriavam muito entre elas; em vez disso, purificavam e intensificavam suas belezas e dons raciais (...) Houvera uma certa eliminação deliberada de tipos feios, malignos, estreitos, estúpidos e soturnos durante os doze anos anteriores." (p. 197)


Esse enunciado é de um século atrás. Chocante, não? Porém, as ideias contidas no texto fazem parte de um romance ficcional. 

No entanto, ideias semelhantes foram ditas faz poucos anos, já no século XXI, por um deputado federal à época para uma entrevistadora negra. Bolsonaro disse para Preta Gil que seus filhos não tinham risco de namorar negras porque foram bem-educados...

Preta Gil processou o sujeito por racismo e teve ganho de causa. Infelizmente, a cantora faleceu ontem. (Preta Gil, presente!)

O livro de H. G. Wells, de 1923, traz uma temática absurdamente atual um século depois. 

A ficção traz de volta o tema da existência de um não lugar, um lugar nenhum idealizado, assim como fez Thomas More em 1516, com sua célebre obra "Utopia".

Nessas idealizações de mundos imaginários entram de tudo: socialismo ou comunismo, eugenia, tecnologias impossíveis etc.

Quando peguei o livro na banca de promoções de livros baratos não imaginava do que se tratava o enredo. Foi sorte minha, li um livro muito bom!

Recomendo a leitura dessa obra posterior ao período mais notabilizado do autor, entre 1895 e 1905, quando saíram seus grandes clássicos de ficção. Dessa fase eu li "A guerra dos mundos" (1898) e achei o enredo fascinante (comentário aqui). 

Seguimos lendo porque a leitura é uma das maravilhas da espécie animal homo sapiens. Como diz Paulo Freire, só se educa gente! Leitura educa as pessoas.

William Mendes


Bibliografia:

WELLS, H. G. Deuses humanos (Men like Gods). Tradução de Santiago Nazarian e Thelma Nóbrega. Barueri, SP: Amoler, 2022.

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