Refeição Cultural
Amanheci neste domingo de início de outubro com o desejo de ler Drummond, o poeta das coisas, da materialidade, do tempo, da vida.
Na sexta-feira, ao fechar um encontro de trabalho de funcionários de nossa Diretoria de Saúde, precisei de Drummond para expressar melhor o que eu estava sentindo sobre a Cassi, o Brasil e o mundo. Só eles, os poetas e os escritores, conseguem sintetizar os mundos através de suas poéticas de encaixe das palavras.
Eu li para meus colegas de trabalho três poemas de Drummond. Todos eles do livro Sentimento do Mundo, lançado em 1940, com o mundo em guerra mundial, os povos e os países se destruindo uns aos outros e o sentimento que predominava no mundo era o que o poeta expressa em cada um dos poemas do livro.
Apesar do clima pesado e lúgubre dos sentimentos expressos, há também uma força presente na determinação de que não adianta ficar pelos cantos esperando o mundo acabar; pelo contrário, a vida é uma ordem, a luta é a opção, sem essa de suicídios e desistências. Nossa! Nem se parece com o momento que a Cassi, o Brasil e o mundo passam na atualidade...
O primeiro poema do livro e que li para meus colegas é:
SENTIMENTO DO MUNDO
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.
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OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Eu recordei aos nossos funcionários que chegamos num momento em que havia uma guerra já em andamento. A nossa autogestão estava inserida num contexto dramático de déficits recorrentes motivados por diversas questões, tanto de custeio como de falta de foco no modelo assistencial, cujas perspectivas de sua operacionalização proporcionam melhor uso dos recursos e melhores resultados em saúde de sua população.
Mas se o cenário era extremamente adverso, as perspectivas e possibilidades eram imensas pelo que a própria autogestão em saúde carrega em si. Arregaçamos as mangas e nossas mãos, mãos dadas, teceram a resistência e conquistaram mais confiança e pertencimento à Cassi e ao que ela é. Viajamos o país e agregamos mãos, corações e mentes aos nossos projetos de saúde dos trabalhadores.
Li outro poema do livro Sentimento do Mundo, poema que me alimenta quando diz que os tempos não nos permitem morrer, e que a vida é uma ordem, sem mistificação. Esse é o sentimento que carrego em mim em qualquer luta que empreendo em nome da classe trabalhadora ou mesmo pessoal.
OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
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Vamos de mãos dadas, em defesa da saúde e dos trabalhadores! |
O momento pelo qual passa o nosso país, inclusive o mundo, nossos mundos como aquele para o qual milito na atualidade - a Caixa de Assistência - não nos permite sequer morrer. O tempo é de por mãos à massa e tecer os rudes trabalhos que temos pela frente. Nós fizemos isso em nossas tarefas, e o quadro de funcionários da Cassi foi e é fantástico no quesito fazer o que deve ser feito. Insistimos em fazer saúde, fazer promoção de saúde, fazer gestão de saúde mesmo em meio às crises.
O que nós produzimos no cenário mais adverso da história da Cassi foi graças ao quadro de funcionários da nossa autogestão; gente dedicada e apaixonada pelo que faz. Agreguei ao lado esquerdo do peito esse povo trabalhador, se somaram ao povo que já represento, os associados, e por essa gente eu desafio o mundo adversário.
O poema Mãos dadas foi o que citei para encerrar minha pequena participação no encontro de nossos funcionários analistas em gestão de saúde. Foi para lembrar que de mãos dadas, juntos e unidos, vamos longe ainda naquilo que fazemos e por aquilo que defendemos. As coisas podem parecer perdidas, mas estamos aqui e estamos nas lutas.
MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem
[vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por
[serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente,
[os homens presentes,
a vida presente.
-----------------------------------------------
O livro Sentimento do Mundo (1940) é um livro para leitura agora, em 2017.
Todo ele fala de sentimentos tristes, de situações de morte, destruição, de desfazimento das coisas; porém, o tempo todo, o livro fala das mãos, mãos que trabalham, que produzem, que lutam.
E o tempo é de lutar, de construir, de reverter o quadro adverso que nos impuseram.
Recomendo a leitura de Drummond, ontem, hoje, amanhã.
William
Post Scriptum:
Vou ler os 23 livros de poesia de Drummond reunidos em 3 volumes que tenho. Reli em agosto "Alguma poesia" (1930), li em setembro "Brejo das almas" (1934) e vamos que vamos... conhecer é preciso!
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem
[vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por
[serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente,
[os homens presentes,
a vida presente.
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O livro Sentimento do Mundo (1940) é um livro para leitura agora, em 2017.
Todo ele fala de sentimentos tristes, de situações de morte, destruição, de desfazimento das coisas; porém, o tempo todo, o livro fala das mãos, mãos que trabalham, que produzem, que lutam.
E o tempo é de lutar, de construir, de reverter o quadro adverso que nos impuseram.
Recomendo a leitura de Drummond, ontem, hoje, amanhã.
William
Post Scriptum:
Vou ler os 23 livros de poesia de Drummond reunidos em 3 volumes que tenho. Reli em agosto "Alguma poesia" (1930), li em setembro "Brejo das almas" (1934) e vamos que vamos... conhecer é preciso!
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