domingo, 13 de dezembro de 2009

Leitura: Raízes do Brasil, de Sérgio B. de Holanda



Refeição Cultural

Leitura do capítulo 4. 

O SEMEADOR E O LADRILHADOR 

- A fundação de cidades como instrumento de dominação 
- Zelo urbanístico dos castelhanos: o triunfo completo da linha reta 
- Marinha e interior 
- A rotina contra a razão abstrata. O espírito da expansão portuguesa. A nobreza nova do Quinhentos 
- O realismo lusitano 
- Papel da igreja 

O autor vai acentuar ao longo do capítulo as diferenças características entre a colonização portuguesa e a castelhana. Eu achei seus pontos de vista bem interessantes. Me pareceu ver nas coisas cotidianas um pouco do que ele diz de nossa origem. 

O TRAÇADO URBANO CASTELHANO 

"Já à primeira vista, o próprio traçado dos centros urbanos na América espanhola denuncia o esforço determinado de vencer e retificar a fantasia caprichosa da paisagem agreste: é um ato definido da vontade humana. As ruas não se deixam modelar pela sinuosidade e pelas asperezas do solo; impõem-lhes antes o acento voluntário da linha reta." 

TRAÇADO CASTELHANO: DO CENTRO AOS QUATRO VENTOS 

"A construção da cidade começaria sempre pela chamada praça maior. Quando em costa de mar, essa praça ficaria no lugar de desembarque do porto; quando em zona mediterrânea, ao centro da povoação. A forma da praça seria a de um quadrilátero, cuja largura correspondesse pelo menos a dois terços do comprimento, de modo que, em dias de festa, nelas pudessem correr cavalos [...] A praça servia de base para o traçado das ruas: as quatro principais sairiam do centro de cada face da praça. De cada ângulo, sairiam mais duas, havendo o cuidado de que os quatro ângulos olhassem para os quatro ventos." 

AS UNIVERSIDADES CASTELHANAS PROVAM PROLONGAMENTO DO REINO 

"[...] o empreendimento de Portugal parece tímido e mal aparelhado para vencer. Comparado ao dos castelhanos em suas conquistas, o esforço dos portugueses distingue-se principalmente pela predominância de seu caráter de exploração comercial, repetindo assim o exemplo da colonização na Antiguidade, sobretudo da fenícia e da grega; os castelhanos, ao contrário, querem fazer do país ocupado um prolongamento orgânico do seu [...] ao encerrar-se o período colonial, tinham sido instaladas nas diversas possessões de Castela nada menos de 23 universidades, seis das quais de primeira categoria (sem incluir as do México e Lima)." 

CASTELHANOS BUSCARAM CLIMA MAIS AMENO NA COLONIZAÇÃO 

"Os grandes centros de povoação que edificaram os espanhóis no Novo Mundo estão situados precisamente nesses lugares onde a altitude permite aos europeus, mesmo na zona tórrida, desfrutar um clima semelhante ao que lhes é habitual em seu país. Ao contrário da colonização portuguesa, que foi antes de tudo litorânea e tropical, a castelhana parece fugir deliberadamente da marinha, preferindo as terras do interior e os planaltos." 

PARA OS PORTUGUESES A ORDEM ERA POVOAR O LITORAL 

"Os portugueses, esses criavam todas as dificuldades às entradas terra adentro, receosos de que com isso se despovoasse a marinha." 

AOS PAULISTAS COUBE ESTENDER O TRAÇADO DE TORDESILHAS 

"A providência de Martim Afonso parecia a frei Gaspar, mesmo depois que os paulistas, graças à sua energia e ambição, tinham corrigido por conta própria o traçado de Tordesilhas, estendendo a colônia sertão adentro, como a mais ajustada ao bem comum do Reino e a mais propícia ao desenvolvimento da capitania." (providência de restringir a entrada ao interior da colônia) 

ATÉ HOJE, "INTERIOR" TEM ESTIGMA DE ATRASO 

"A influência dessa colonização litorânea, que praticavam, de preferência, os portugueses, ainda persiste até aos nossos dias. Quando hoje se fala em 'interior', pensa-se, como no século XVI, em região escassamente povoada e apenas atingida pela cultura urbana." (lembrar que o texto é de meio século atrás) 

PORTUGUESES: COMUNICAÇÃO FLUVIAL E MARÍTIMA 

"A facilidade das comunicações por via marítima e, à falta desta, por via fluvial, tão menosprezada pelos castelhanos, constituiu pode-se dizer que o fundamento do esforço colonizador de Portugal. Os regimentos forais concedidos pela Coroa portuguesa, quando sucedia tratarem de regiões fora da beira-mar, insistiam sempre em que se povoassem somente as partes que ficavam à margem das grandes correntes navegáveis, como o rio São Francisco. A legislação espanhola, ao contrário, mal se refere à navegação fluvial como meio de comunicação; o transporte dos homens e mantimentos podia ser feito por terra." 

COLONIZAÇÃO PORTUGUESA AVANÇOU COM APOIO DOS TUPIS 

"E é significativo que a colonização portuguesa não se tenha firmado ou prosperado muito fora das regiões antes povoadas pelos indígenas da língua-geral. Estes, dir-se-ia que apenas preparavam terreno para a conquista lusitana. Onde a expansão dos tupis sofria um hiato, interrompia-se também a colonização branca..." 

A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA, NA VISÃO DE P. MANUEL DA NÓBREGA 

"O padre Manuel da Nóbrega, em carta de 1552, exclamava: '[...] de quantos lá vieram, nenhum tem amor a esta terra [...] todos querem fazer em seu proveito, ainda que seja a custa da terra, porque esperam de se ir' ". 

E mais adiante segue: "Não querem bem à terra, pois têm sua afeição em Portugal; nem trabalham tanto para a favorecer, como por se aproveitarem de qualquer maneira que puderem; isto é geral, posto que entre eles haverá alguns fora desta regra." 

FEITORIZAÇÃO PORTUGUESA E NÃO COLONIZAÇÃO 

"Mesmo em seus melhores momentos, a obra realizada no Brasil pelos portugueses teve um caráter mais acentuado de feitorização do que de colonização." 

TRAÇADO DA CIDADE PORTUGUESA: OBEDIÊNCIA À TOPOGRAFIA 

"Seja como for, o traçado geométrico jamais pôde alcançar, entre nós, a importância que veio a ter em terras da Coroa de Castela: não raro o desenvolvimento ulterior dos centros urbanos repeliu aqui esse esquema inicial para obedecer antes às sugestões topográficas". 

"A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma providência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra 'desleixo' - palavra que o escritor Aubrey Bell considerou tão tipicamente portuguesa como 'saudade' e que, no seu entender, implica menos falta de energia do que uma íntima convicção de que 'não vale a pena...'." 

EXPANSÃO PORTUGUESA: FRUTO DA RACIONALIDADE E DA PRUDÊNCIA CALCULADA 

"Comparada ao delirante arroubo de um Colombo, por exemplo, não há dúvida que mesmo a obra do grande Vasco da Gama apresenta, como fundo de tela, bom senso atento a minudências e uma razão cautelosa e pedestre [...] A expansão dos portugueses no mundo representou sobretudo obra de prudência, de juízo discreto, de entendimento 'que experiências fazem repousado' [...] Uma coragem sem dúvida obstinada, mas raramente descomedida, constitui traço comum de todos os grandes marinheiros lusitanos, exceção feita de Magalhães". 

SEMEADOR X LADRILHADOR 

Na poesia portuguesa e dos portugueses: "A ordem que aceita não é a que compõem os homens com trabalho, mas a que fazem com desleixo e certa liberdade; a ordem do semeador, não a do ladrilhador. É também a ordem em que estão postas as coisas divinas e naturais pois que, já o dizia Antônio Vieira, se as estrelas estão em ordem, 'he ordem que faz influência, não he ordem que faça favor. Não fez Deus o Céu em xadrez de estrelas [...]". 

O autor nos diz que a rigorosidade castelhana da ordem e na uniformidade é fruto de sua falta de unidade interna, diferente do caso português. 

"A fúria centralizadora, codificadora, uniformizadora de Castela, que tem sua expressão mais nítida no gosto dos regulamentos meticulosos - capaz de exercer-se, conforme já se acentuou, até sobre o traçado das cidades coloniais -, vem de um povo internamente desunido e sob permanente ameaça de desagregação. Povo que precisou lutar, dentro de suas próprias fronteiras peninsulares, com o problema dos aragoneses, o dos catalães, o dos euscaros e, não só até 1492, mas até 1611, o dos mouriscos". 

O povo português foi o que conseguiu unidade primeiro, em relação a todos os povos europeus. 

Para finalizar o capítulo, Sérgio Buarque nos fala um pouco de como a igreja católica deu excessivos poderes à Coroa Portuguesa, de maneira que esta determinasse todo o funcionamento da igreja aqui na colônia. Esta seria uma das razões para haver discrepância entre a instituição igreja no Brasil e os padres (as pessoas) contrários aos desmandos da Coroa. 


Bibliografia: 

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Companhia das Letras, 26ª edição, 27ª reimpressão 2007.

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