Veredas mineiras: um amanhecer. Foto: William Mendes |
Refeição Cultural
Riobaldo e Diadorim – Metáforas de
todos nós
GRANDE SERTÃO: VEREDAS
Neste nosso
viver, nesse mundo duro e trágico, todo mundo, desde criança, precisa se fazer
um pouco Riobaldo para sobreviver em seu meio.
Nesta nossa
vida de desejos e sonhos impossíveis, todo mundo, tem o seu Diadorim; a sua
saudade, seus amores e seus pesares.
“Ao tanto com o esforço meu, em
esquecer Diadorim, digo que me dava entrante uma tristeza no geral, um prazo de
cansado. Mas eu não meditava para trás, não esbarrava. Aquilo era a tristonha
travessia, pois então era preciso. Água de rio que arrasta. Dias que durasse,
durasse; até meses. Agora, eu não me importava. Hoje, eu penso, o senhor sabe:
acho que o sentir da gente volteia, mas em certos modos, rodando em si mas por
regras. O prazer muito vira medo, o medo vai vira ódio, o ódio vira esses
desesperos? – desespero é bom que vire a maior tristeza, constante então para o
um amor – quanta saudade... –; aí, outra esperança já vem... Mas, a brasinha de
tudo, é só o mesmo carvão só. Invenção minha que tiro por tino. Ah, o que eu
prezava de ter era essa instrução do senhor, que dá rumo para se estudar dessas
matérias...” (p.
248)
O entardecer em uma vereda da vida. Foto: William Mendes |
CISMANDO
COM AS VEREDAS DO SERTÃO
Eu recheguei
a uma conclusão: o Grande Sertão: Veredas
não se lê de uma vez não.
Ele é um
livro como aquele que usam chamar de "Minutos de Sabedoria".
É um belo
livro como a bíblia, que é um antigo volume de histórias, salmos e sabedorias
para aqueles que creem em um deus ou no mundo metafísico, pois ali se fala de
amor, de solidariedade e também fala de vingança e poder – coisas tão humanas!
Eu posso
viver com o Grande Sertão na cabeceira e ir colhendo minutos de profunda
reflexão sobre a existência humana.
A beleza pura e agreste das e nas veredas. Foto: William Mendes |
DIADORIM
Quando comecei
a leitura do dia, acabei quedando e viajando nas ideias com as primeiras duas
páginas. Pensei o mundo todo. Pensei a vida toda no dizer de Riobaldo citado
acima.
Quem não
tem na vida o seu Diadorim? Quem não está preso em uma circunstância ou vive
com aquele vago desejo impossível ou aquela gastura daquilo que já se foi,
passou e ficou queimando dentro de si – “é só o mesmo carvão só”.
Cada um de
nós... Penso, por exemplo, meu pai com seu amor pela cidade de São Paulo...
Eu poderia
citar uma espécie de Diadorim de cada pessoa próxima que conheço. E olha que o
Diadorim de cada um vive lá no fundo no fundo e muitas vezes não é
pronunciável...
Um certo luar nas veredas mineiras. Foto: William Mendes |
RIOBALDO
“Eu estava meio dúbito. Talvez, quem tivesse
mais receio daquilo que ia acontecer fosse eu mesmo. Confesso. Eu cá não
madruguei em ser corajoso; isto é: coragem em mim era variável. Ah, naqueles
tempos eu não sabia, hoje é que sei: que, para a gente se transformar em ruim
ou em valentão, ah basta se olhar um minutinho no espelho – caprichando de
fazer cara de valentia; ou cara de ruindade!” (p. 62)
Aí, lembrei-me
do Riobaldo de cada um de nós. Eu cresci um menino de bom coração, até meio
bobo lá naquela infância até meus dez anos. Aí, mudei pra Minas Gerais e caí
num mundo estranho, duro, rude.
Tive que me
fazer Riobaldo no bairro Marta Helena em Uberlândia, pra andar no meio das
gangues, da Falange. Tive que olhar no espelho e fazer cara de ruindade. Pus muito
esforço nisso. Deve ter dado certo. Passei a adolescência assim; carreguei isso
comigo pra vida adulta. Hoje, vejo meu filho tentando fazer isso. E sei que o
coraçãozinho dele é dos bons...
Sertões...
William
Bibliografia:
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão:
Veredas. Editora Nova Fronteira. 19ª edição.
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