São Paulo - A
casa discreta no tradicional bairro do Ipiranga em nada lembra os palácios de
Brasília mas seu principal inquilino ali trabalha cerca de 10 horas por dia,
com a mesma disposição que, nos oito anos em que governou o Brasil, extenuava
auxiliares - hoje reduzidos a uma pequena equipe.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levanta-se em São Bernardo do Campo às seis horas da manhã, faz duas horas de exercícios físicos, toma café e chega ao instituto que leva seu nome por volta das 9h, raramente saindo antes das 20h. Ali recebe políticos, empresários, sindicalistas, intelectuais, agentes sociais e personalidades em busca de seu apoio a uma causa ou projeto. Quase três anos após deixar a Presidência e depois da vitória contra o câncer, Lula declara-se completamente "desencarnado" do cargo e com a saúde restaurada, o que a voz, agora limpa das sequelas do tratamento, confirma.
Por telefone, ele é alcançado também por interlocutores de diferentes países, por convites para viagens e palestras no Brasil e no exterior. No ano que vem, o ritmo vai cair, pois ele vai ajudar, "como puder", na campanha da sucessora Dilma pela reeleição. "Se ela não puder ir para o comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste", disse o ex-presidente.
Nas instalações simples da casa no Ipiranga, o que denuncia o inquilino são as fotografias nas paredes, de momentos especiais da Presidência, selecionadas pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, que continua a seu lado, assim como os assessores Clara Ant, Luiz Dulci e Paulo Okamoto. Na sala de trabalho, em vez das cigarrilhas, chicletes sabor canela. Foi lá que, na quinta, 26, Lula recebeu o Correio para uma entrevista de duas horas em que não parou de falar. Da vida no poder e fora dele, da disputa eleitoral do ano que vem, passando por espionagem, Mais Médicos, mensalão e novos partidos.
Lula também falou, pela primeira vez, sobre a Operação Porto Seguro, a investigação da Polícia Federal, que revelou um esquema de favorecimentos em altos cargos do governo federal e provocou a demissão de Rosemary Noronha, a ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo. E disse ter saudades de Brasília: "O nascer e o pôr do sol no Alvorada são inesquecíveis".
Considerado um eleitor de 58 milhões de votos por conta do total de apoios conquistados na última eleição que disputou, em 2006, Lula confessou, sem dissimulação, que deixar o poder foi "como se me tivessem desligado da tomada". E que não foi fácil aprender a ser ex-presidente. Para evitar a tentação de dar palpites sobre o novo governo, disse que decidiu visitar 32 países nos primeiros 10 primeiros meses de 2011, até que o câncer foi descoberto, no dia de seu aniversário, 27 de outubro.
Vencido o calvário do tratamento, ele voltou à rotina no Instituto, vacinou-se contra o "Volta Lula", antecipando o lançamento da candidatura Dilma, e agora se prepara para mais uma campanha eleitoral. Ele acha que a presidente será reeleita, lamenta o desenlace da aliança com Eduardo Campos, embora reconheça as qualidades do governador para a disputa, evita especular sobre o destino dos votos de Marina Silva, caso ela saia da corrida, e parece revelar preferência por José Serra como adversário tucano, ao dizer que o PSDB terá mais trabalho para tornar Aécio Neves conhecido. Uma contradição com o que ele mesmo fez, ao lançar uma também desconhecida Dilma como candidata em 2010. Uma coisa é certa. "Desencarnado" e em plena forma, Lula será um "grande eleitor" em 2014.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levanta-se em São Bernardo do Campo às seis horas da manhã, faz duas horas de exercícios físicos, toma café e chega ao instituto que leva seu nome por volta das 9h, raramente saindo antes das 20h. Ali recebe políticos, empresários, sindicalistas, intelectuais, agentes sociais e personalidades em busca de seu apoio a uma causa ou projeto. Quase três anos após deixar a Presidência e depois da vitória contra o câncer, Lula declara-se completamente "desencarnado" do cargo e com a saúde restaurada, o que a voz, agora limpa das sequelas do tratamento, confirma.
Por telefone, ele é alcançado também por interlocutores de diferentes países, por convites para viagens e palestras no Brasil e no exterior. No ano que vem, o ritmo vai cair, pois ele vai ajudar, "como puder", na campanha da sucessora Dilma pela reeleição. "Se ela não puder ir para o comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste", disse o ex-presidente.
Nas instalações simples da casa no Ipiranga, o que denuncia o inquilino são as fotografias nas paredes, de momentos especiais da Presidência, selecionadas pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, que continua a seu lado, assim como os assessores Clara Ant, Luiz Dulci e Paulo Okamoto. Na sala de trabalho, em vez das cigarrilhas, chicletes sabor canela. Foi lá que, na quinta, 26, Lula recebeu o Correio para uma entrevista de duas horas em que não parou de falar. Da vida no poder e fora dele, da disputa eleitoral do ano que vem, passando por espionagem, Mais Médicos, mensalão e novos partidos.
Lula também falou, pela primeira vez, sobre a Operação Porto Seguro, a investigação da Polícia Federal, que revelou um esquema de favorecimentos em altos cargos do governo federal e provocou a demissão de Rosemary Noronha, a ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo. E disse ter saudades de Brasília: "O nascer e o pôr do sol no Alvorada são inesquecíveis".
Considerado um eleitor de 58 milhões de votos por conta do total de apoios conquistados na última eleição que disputou, em 2006, Lula confessou, sem dissimulação, que deixar o poder foi "como se me tivessem desligado da tomada". E que não foi fácil aprender a ser ex-presidente. Para evitar a tentação de dar palpites sobre o novo governo, disse que decidiu visitar 32 países nos primeiros 10 primeiros meses de 2011, até que o câncer foi descoberto, no dia de seu aniversário, 27 de outubro.
Vencido o calvário do tratamento, ele voltou à rotina no Instituto, vacinou-se contra o "Volta Lula", antecipando o lançamento da candidatura Dilma, e agora se prepara para mais uma campanha eleitoral. Ele acha que a presidente será reeleita, lamenta o desenlace da aliança com Eduardo Campos, embora reconheça as qualidades do governador para a disputa, evita especular sobre o destino dos votos de Marina Silva, caso ela saia da corrida, e parece revelar preferência por José Serra como adversário tucano, ao dizer que o PSDB terá mais trabalho para tornar Aécio Neves conhecido. Uma contradição com o que ele mesmo fez, ao lançar uma também desconhecida Dilma como candidata em 2010. Uma coisa é certa. "Desencarnado" e em plena forma, Lula será um "grande eleitor" em 2014.
Deixar de ser presidente trouxe alívio ou pesar?
Não é fácil falar sobre isso. Eu achava que
seria simples deixar a Presidência. O (João) Figueiredo, que saiu pela porta
dos fundos, até pediu para ser esquecido. Quando a pessoa não sai bem, quer
esquecer mesmo. Mas eu saí no momento mais auspicioso da vida de um governante.
Eu brincava com o Franklin (Martins): se eu ficar mais alguns meses, vou
ultrapassar os 100% de aprovação. Foi como se me desligassem de uma tomada. Num
dia você é rei, no outro dia não é nada. Depois de entregar o cargo, cheguei a
São Bernardo e havia um comício, organizado por amigos e pessoas do sindicato.
O Sarney me acompanhou. Antes, visitei o Zé Alencar, choramos juntos. Eu fiquei
danado da vida porque achava que ele devia ter ido à posse e subido a rampa de
maca, mas os médicos não deixaram. Participei do comício e quando deu 11 horas
da noite eu subi para o apartamento. Ao me despedir dos que trabalharam comigo
na segurança e voltariam a Brasília, o general me disse: "Olha presidente,
daqui a três dias os celulares da Presidência serão desligados e os carros
serão recolhidos". Mas levaram apenas três minutos para me desconectarem.
Este é o lado hilário da coisa. Mas ser ex-presidente é um aprendizado sobre
como se comportar, evitando interferir no novo governo. Quem sai precisa limpar
a cabeça, assimilar que não é mais presidente. Mas é difícil sair de um dia a
dia alucinante, acordar de manhã e perguntar: e agora?
Mas como conseguiu resolver o "desligamento"?
Mas como conseguiu resolver o "desligamento"?
Entre março de 2011 e a descoberta do meu
câncer, em outubro, eu fiz 36 viagens internacionais, visitei dezenas de países
africanos e latino-americanos. Eu queria ficar fora do Brasil para vencer a
tentação de ficar dando palpites. Decidi voltar para o Instituto, que eu já
tinha, e comecei a trabalhar aqui. No dia do meu aniversario fui levar a Marisa
para fazer um exame mas acabaram descobrindo o câncer em mim. E aí foi um ano
de tortura. Nunca pensei que fosse tão difícil fazer quimioterapia e
radioterapia. A doença, a internação, o fato de não poder falar ajudaram no desligamento.
Fui desencarnando e hoje isso está bem resolvido na minha cabeça. Este ano, no
evento dos 10 anos de governos do PT, quando eu disse que a Dilma era minha
candidata, eu queria tirar de vez da minha cabeça a história de voltar a ser
candidato. Antes que os outros insistissem, antes que o PT viesse com
gracinhas, antes que os adversários da Dilma viessem para o meu lado, eu
resolvi dar um basta e fim de papo.
Mesmo com eventuais "Volta Lula", com manifestações, crises?
Mesmo com eventuais "Volta Lula", com manifestações, crises?
Mesmo. Hoje há pessoas defendendo o fim da
reeleição. Eu sempre fui contra a reeleição mas hoje posso dizer que ela é um
beneficio, uma das poucas coisas boas que copiamos dos americanos. Em quatro
anos, você não consegue realizar uma única obra estruturante no pais. Depois, o
eleitor pode julgar o governante no meio do período. Bush pai não se reelegeu,
Carter não se reelegeu. Mas foi bom para os Estados Unidos o Clinton ter
governado oito anos.
O senhor não ficou tentado a buscar o terceiro mandato, quando o deputado Devanir apresentou aquela emenda?
O senhor não ficou tentado a buscar o terceiro mandato, quando o deputado Devanir apresentou aquela emenda?
Eu fui contra. Chamei o partido e disse: não
quero brincar com a democracia. Se eu conseguir o terceiro, amanhã virá alguém
querendo o quarto, o quinto. Sou amplamente favorável à alternância no poder,
de pessoas e de segmentos sociais. Comigo, pela primeira vez um operário chegou
à presidência. Com a Dilma, a primeira mulher. Quer mais mudança do que isso?
Quero que o povo continue mudando. Para errar ou acertar, não importa.
Deixar o poder traz mais liberdade?
Deixar o poder traz mais liberdade?
Eu nunca tive liberdade, nem antes nem depois.
Fiquei oito anos em Brasília sem ir a um restaurante, a um aniversario, a um
casamento, porque tinha medo daquele mundo futriqueiro de Brasília. Mesmo hoje,
prefiro passar o final de semana em casa, de bermudas.
Mas afora os problemas do poder, alguma saudade de Brasília?
Mas afora os problemas do poder, alguma saudade de Brasília?
Olha, o nascer e o pôr do sol no Alvorada são
para mim inesquecíveis. Todos os domingos de manhã, eu e Marisa pescávamos. Há
um lago no Torto, outro no Alvorada, e há o Lago Paranoá. Houve um dia em que a
Marisa pegou 26 tucunarés, ali no píer onde fica o barco da Presidência. Disso
eu tenho saudade. Não pude conviver, por precaução minha. Mas o céu de Brasília
é muito bonito. O clima é extraordinário, o padrão de vida do Plano Piloto é
invejável. Não é mais aquela cidade criticada porque não tinha esquinas. O povo
soube fazer suas esquinas.
O que considera como mudanças importantes deixadas por seu governo?
O que considera como mudanças importantes deixadas por seu governo?
As coisas que foram feitas, se em algum momento
foram negadas, a verdade foi mais forte que a versão. A ONU acaba de
reconhecer, com dados irrefutáveis, que o Brasil foi o pais que mais combateu e
reduziu a pobreza nos últimos 10 anos. Eu queria provar que quando o Estado
assume a responsabilidade de cuidar dos pobres, isso tem efeitos. Tenho muito
orgulho de ter sido um presidente que, sem ter diploma universitário, foi o que
mais criou universidades no Brasil, o que mais fez escolas técnicas, o que
colocou mais pobres na universidade... Já houve presidentes da República que
tinham diplomas e mais diplomas, fizeram muito pouco pela educação. Nós
provamos que era possível fazer porque decidimos que educação não era gasto,
era investimento. A outra coisa de que muito orgulho é de ter sido o primeiro
presidente que fez com que o povo se sentisse na Presidência.
E o quê o senhor considera o maior erro de seu governo?
E o quê o senhor considera o maior erro de seu governo?
Certamente cometi muitos erros. Os adversários
devem se lembrar mais deles do que eu. Mas fiz as coisas que achava que poderia
fazer. Há quem me pergunte se não me arrependo de ter indicado tais pessoas
para a Suprema Corte. Eu não me arrependo de nada. Se eu tivesse que indicar
hoje, com as informações que eu tinha na época, indicaria novamente.
E com as informações atuais?
E com as informações atuais?
Eu teria mais critério. Um presidente recebe
listas e mais listas com nomes, indicados por governadores, deputados,
senadores, advogados, ministros de tribunais. E é preciso ter quem ajude a
pesquisar e avaliar as pessoas indicadas. Eu tinha o Márcio Tomas Bastos no
Ministério da Justiça, o (Dias) Toffoli na Casa Civil... Uma coisa que lamento
é não ter aprovado a reforma tributaria, e tentei duas vezes. Hoje estou
convencido de que não poderá ser feita como pacote, mas fatiada, tema por tema.
Eu mandava um projeto com apoio de todo mundo mas as forças ocultas de que falava
o Jânio se apresentavam nas comissões do Congresso e paravam tudo. Eu receava
também que segundo mandato fosse repetitivo, com ministros não querendo
trabalhar. Foi aí que tivemos a ideia do PAC. Mas acho que poucos conseguirão
repetir o que fizemos entre 2007 e 2010. Era o time do Barcelona jogando. Tudo
fluiu bem. Posso ter errado mas não tenho arrependimentos. Tenho frustração de
não ter feito mais.
Voltando à indicação dos ministros do STF. Hoje, se o senhor pudesse voltar no tempo...
Voltando à indicação dos ministros do STF. Hoje, se o senhor pudesse voltar no tempo...
Nem podemos pensar nisso. Eu não sou mais
presidente, eles já estão indicados e irão se aposentar lá.
O senhor continua fazendo palestras?
O senhor continua fazendo palestras?
Tenho feito mas vou reduzir. No ano que vem vou
me dedicar um pouco à campanha. Vocês sabem que um ex-presidente da Republica
não tem aposentadoria. Não tendo aposentadoria de outra origem, terá que ser
mantido pelo partido dele ou terá que se virar. Mas você só é convidado para
fazer palestras se tiver sido exitoso no governo. O Fernando Henrique inovou e
passou a fazer palestras. O PT ofereceu-me um salário e eu agradeci. Eu mesmo
ia tratar da minha sobrevivência.
O que acha das
críticas de que existiria conflito de interesses quando as empresas têm
contratos com o governo?
Acho uma cretinice. Primeiro porque não faço nada
além do que eu fazia como presidente. Eu tinha orgulho de chegar a qualquer
pais e falar da soja, do etanol, da carne, da fruta, da engenharia, dos aviões
da Embraer... Eu vendia isso com o maior prazer do mundo. Com orgulho. Eu
achava que isso era papel do presidente da Republica. Quando Bush veio aqui,
fomos a um posto que vendia etanol. E havia lá um carro da Ford e outro da GM.
Chamei o Bush para tirarmos uma foto e ele disse que não podia fazer
merchandising de carro americano. Só que ele estava com um capacete da
Petrobras na cabeça. Eu falei: "Então fica você aqui que eu vou lá".
Se eu puder vender as empresas brasileiras na Nigéria, no Catar, na Líbia, no
Iraque, na África, eu vou vender. Estas críticas também refletem o complexo de
vira-lata. É não compreender o sentido disso. Tenho orgulho de saber que quando
cheguei à Presidência não havia uma só fabrica brasileira na Colômbia e hoje
existem 44. Havia duas no Peru e hoje são 66. De termos ampliado nossa presença
na Argentina ou na África. Se não formos nós, serão os chineses, os ingleses,
os franceses. E não são apenas empresas de engenharia. Hoje temos fábrica de
retro virais em Moçambique, SENAI e escolinhas de futebol do Corinthians em
mais de 13 países africanos. Agora mesmo me pediram para tentar levar o vôlei
para a África, onde o esporte não existe. E vou ajudar com o maior prazer. Só
não vou jogar porque tenho bursite. Mas veja a malandragem. Todas as empresas,
inclusive as de jornais e de televisão, têm lobistas em Brasília. Mas são
chamados de diretor corporativo ou institucional. Agora, se alguém faz pelo
pais, é lobista. Faz parte da pequenez brasileira. Veja o caso da Copa do
Mundo. Todo país quer sediar uma Copa do Mundo. O Brasil não pode. Ah, porque
temos problemas de saúde e moradia! Todos os países têm problemas, e por não
pode ter Copa do Mundo e Olimpíada?
E o quanto uma nação ganha com isso, do
ponto de vista cultural, do ponto de vista do desenvolvimento? Qual é a
denúncia contra as obras?
Nos protestos, a crítica era ao custo das obras...
Nos protestos, a crítica era ao custo das obras...
Ora,
se em 1960 o Brasil pôde fazer um estádio para a Copa do Mundo, em 2013 não
podemos fazer outros? Pergunto qual é a denúncia? Eu deixei dois decretos, um
sobre a Copa outro sobre a Olimpíada, que estão no site da CGU. Perguntem ao
Jorge Hage onde tem corrupção na Copa. O TCU designou um ministro, o Valmir
Campelo, encarregado de fiscalizar especificamente os gastos com a Copa.
Perguntem a ele onde há corrupção. A Copa está marcada e tem que ser feita com
a maior grandeza. Se alguém praticar corrupção, que seja posto na cadeia. Já
conversei com os patrocinadores sobre a necessidade de uma narrativa diferente
para a Copa do Mundo. Vi na TV pessoas chorando no Japão, que vai sediar uma
Olimpíada. E vi um jornalista dizer que tudo bem, o Japão está retomando o
crescimento, diferentemente do Brasil, que ainda é pobre. Então Olimpíada é só
para países do G-8? E ainda que fosse, o Brasil está no G-6. Não me conformo com
o complexo de vira lata e com o denuncismo infundado. Precisamos de uma lei que
puna também o autor de denúncia falsa.
Falando nas manifestações, o que mudou com elas no Brasil?
Falando nas manifestações, o que mudou com elas no Brasil?
Eu
acho que fizeram muito bem ao Brasil. Com exceção dos mascarados. Todas as
reivindicações que apresentaram, um dia nós também pedimos. Veja o discurso de
(Fernando) Haddad na campanha de São Paulo: "Da porta da casa para dentro
a vida melhorou, mas da porta para fora ainda precisa melhorar." Hoje
muito mais gente anda de carro mas o transporte público não melhorou. Eu andava
de ônibus lotados como latas de sardinha em 1959, e continua a mesma coisa. O
Haddad agora me disse: "Precisando de tanto dinheiro, conseguimos reduzir
em 50 minutos o tempo de viagem só com latas de tinta". As faixas
exclusivas para os ônibus tiveram uma aprovação de 93% das pessoas. O povo nos
disse o seguinte: "Já conquistamos algumas coisas e queremos mais".
As pessoas querem mais, mais salário, mais transporte, melhorarias na rua, e
isso é extraordinário. Nem dá mais para ficar dividindo tarefa: isso é com o prefeito,
isso com o governador, aquilo com o presidente. Agora é tudo junto.
Haddad não errou, quando demorou a recuar na tarifa?
Haddad não errou, quando demorou a recuar na tarifa?
Houve
muita gente ponderando para o Haddad que era preciso recuar. Se ele tivesse
dado o aumento em janeiro, não tinha acontecido o que aconteceu. Ele e o
prefeito do Rio foram convencidos de que, adiando o aumento, ajudariam no
controle da inflação. Eles concordaram e tudo caiu nas costas deles. Meu
primeiro movimento foi mostrar ao Haddad que aquilo não era contra ele, que
ainda estava muito novo no cargo: "Haddad, levante a cabeça, tira proveito
disso, que bom que o povo está se manifestando". Acho que ele demorou uns
dois ou três dias mas foi correto. E o transporte é caro mesmo... Enfim, as
manifestações nos ensinaram que o desejo do povo de mudar as coisas é infinito.
Nós todos queremos sempre mais. Quem consegue um aumento de 10% nos salários e
logo depois quer outro. Quem consegue comprar carne de segunda passa a querer
carne de primeira. Tínhamos 48 milhões de pessoas que andavam de avião em 2007.
Em 2012, eram 103 milhões. Hoje tem gente que entra no avião e não sabe nem
guardar a mala. Alguns acham isso ruim. Eu acho ótimo. Tem mais gente indo a
restaurantes, a museus, a institutos de beleza, e isso é um bom sinal. A única
coisa que eu critico é a negação da política. Ela sempre resulta em algo pior,
como o fascismo, o nazismo. Tenho dito ao PT para enfrentar o debate. Vamos
perguntar aos tucanos por que eles derrotaram a CPMF, tirando 40 bilhões da
saúde por ano em meu governo, achando que iam me prejudicar. E eu disse: quem
vai pagar é o povo.
E o programa Mais
médicos, é uma boa solução?
É uma coisa fantástica, mas vai fazer com que o
povo fique ainda mais exigente com a saúde. O sujeito vai subir o primeiro
degrau. Vai ter um médico que vai lhe pedir os primeiros exames, e a saúde vai
ser problema outra vez. Discutir saúde sem discutir dinheiro, não acredito. E
não adianta dizer, como fazem os hipócritas, que o problema é só de gestão.
Chamem os 10 melhores gestores do planeta e perguntem como oferecer tomografia,
ressonância, tratamento de câncer, sem dinheiro. O hipócrita diz: "Eu pago
caro por um plano de saúde, porque o SUS não me entende". Mas quando ele
vai fazer a declaração de renda, desconta tudo do imposto a pagar. Então quem
paga a alta complexidade para ele é o povo brasileiro. E aí vem a FIESP fazer
campanha para acabar com a CPMF. Não foi para reduzir custos, mas para tirar do
governo o instrumento de combate à sonegação.
O Mais Médicos é uma marca de governo para Dilma?
O Mais Médicos é uma marca de governo para Dilma?
Os
médicos brasileiros que protestaram sabem que cometeram um erro gravíssimo. O
(Alexandre) Padilha tem dito, corretamente: "Não queremos tirar o emprego
de médico brasileiro. Queremos trazer médicos para atender nos locais onde
faltam médicos brasileiros". Em vez de protestar, eles deveriam ter feito
um comitê de recepção aos colegas estrangeiros. E Deus queira que um dia o
Brasil forme tantos médicos que possa mandar médicos para um país africano.
É admirável que um país pequeno como Cuba, que sofre um embargo comercial há 60
anos, tenha médicos para nos ceder. Hoje há máquinas que descobrem o câncer com
menos de um milímetro. Mas quantos têm acesso a isso? Saúde boa e barata não
existe, alguém tem que pagar a conta. Num país em construção, como o nosso,
sempre haverá protestos. Temos de consolidar a democracia, sabendo que ela não
pode ser exercitada fora da política. Tem gente que diz "eu não sou
político" e começa a dar palpite na política. Esse é o pior político. Como
eu fui ignorante, dou meu exemplo. Em 1978, no auge das greves do ABC, eu
achava o máximo dizer: "Não gosto de política nem de quem gosta de
política". A imprensa paulista me tratava como herói. Eu era "o
metalúrgico". Dois meses depois, eu estava fazendo campanha para Fernando
Henrique, que disputava o Senado por uma sublegenda do MDB. Dois anos depois,
eu estava criando um partido político. Ninguém deve ser como o analfabeto
político do Bertolt Brecht. Não se muda o país sem política.
São Paulo - Em segunda parte de
entrevista exclusiva concedida ao Correio, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que
Marina Silva tem o direito de ser candidata à Presidência. Porém, o líder
histórico do PT afirma que, caso o projeto da ex-colega de partido dê errado, é
necessário brigar pelos votos que ela receberia.
Segunda parte
Além disso, Lula também falou sobre temas sensíveis, como a reforma política, a divisão interna do Partido dos Trabalhadores e sobre o escândalo envolvendo a ex-chefe do Gabinete da Presidência em São Paulo, Rosemary Noronha.
Segunda parte
Além disso, Lula também falou sobre temas sensíveis, como a reforma política, a divisão interna do Partido dos Trabalhadores e sobre o escândalo envolvendo a ex-chefe do Gabinete da Presidência em São Paulo, Rosemary Noronha.
Na semana passada, foram criados dois novos partidos políticos, houve um grande troca-troca de deputados, para lá e para cá. Como você vê isso?
O fato de você legalizar um partido é o menos importante. Levar 10, 15
deputados, também. Eu quero saber é se na próxima eleição estes partidos
passarão pelo teste das urnas.
Marina Silva talvez não consiga registrar o partido dela...
Marina Silva talvez não consiga registrar o partido dela...
Quando nós fomos construir o PT, as exigências legais eram até maiores. Na
primeira eleição, eu achava que seria eleito governador de São Paulo. Eu era
uma figura estranha, um metalúrgico, levava muita gente aos comícios. Fiquei em
quarto lugar. O Estadão fez uma pesquisa, dizendo que eu tinha 10%. Eu logo
xinguei a imprensa burguesa (risos). E eu tive exatamente 10% (risos). Então,
essas pessoas que estão criando partidos vão ter de trabalhar muito. E
precisamos evitar as legendas de aluguel. Não serei contra, depois de tudo que
fiz pela criação do PT. Eu não sei se a Marina vai cumprir as exigências
legais. Ela é uma personalidade política do país, tem todo direito de criar um
partido. Agora, tem de ter coragem de dizer que é partido, não tem que inventar
outro nome, dizer que não é partido, é uma rede. É partido e vai ter deputado,
como todo partido. Mas o que vai contar nas eleições de 2014 são os partido
existentes, o PT, o PMDB, o PSB, o PSDB e outros mais.
Agora, sem a candidatura de Marina, a disputa presidencial se alteraria, não?
Agora, sem a candidatura de Marina, a disputa presidencial se alteraria, não?
Ela ainda tem tempo. Ela tem de assistir o dia final do julgamento com a ficha
de um outro partido do lado. Eu acho que a Marina tem o direito de ser
candidata. Marina é um quadro político importante para o país. Caso ela não
consiga o partido e não seja candidata, será importante saber para onde irão os
votos dela. Ninguém pode perder o pé da realidade do país, achar-se melhor que
o Congresso, que lá só tem corrupto, como vejo alguns dizerem.
O senhor mesmo já falou, quando disse que no Congresso havia 300 picaretas...
O senhor mesmo já falou, quando disse que no Congresso havia 300 picaretas...
O Congresso é a cara da sociedade brasileira. Ulysses Guimarães dizia:
"Toda vez que a sociedade começa a falar em muita mudança no Congresso, o
Congresso piora".
Quase 300, na realidade 280 deputados, foram responsáveis de alguma forma pela absolvição do deputado Natan Donadon em plenário...
Quase 300, na realidade 280 deputados, foram responsáveis de alguma forma pela absolvição do deputado Natan Donadon em plenário...
Veja que eu não errei. O que acontece no Congresso acontece num clube de
futebol, acontece no condomínio que a gente mora, na sauna... Você tem gente de
qualidade, você tem gente de menos qualidade, gente comprometida com os setores
mais à esquerda, gente comprometida com os setores mais à direita. Se as
pessoas fossem de direita ou de esquerda era melhor do que serem simplesmente
fisiológicas. O que eu acho que mata na política é o fisiologismo. E você não
vai acabar com isso. É uma cultura política que está estabelecida no mundo, não
é só no Brasil. E não é uma questão nacional, senão a Itália não tinha o
Berlusconi.
Mas o senhor defende a reforma política, não é buscando superar estes problemas?
Mas o senhor defende a reforma política, não é buscando superar estes problemas?
Eu defendo a reforma política mas acho que ela só
virá quando tivermos Constituinte própria para fazê-la. O Congresso não vai
aprovar. Pode fazer uma mudança aqui, outra ali, mas não uma reforma profunda.
Defendo o financiamento público porque eu acho que é a forma mais barata e mais
honesta de fazer campanha. Por que os empresários não defendem o financiamento
público? Não seria melhor para eles, não ter que dar dinheiro para candidato?
Mas eles preferem que os políticos dependam deles. Eu li a biografia do
Juscelino, os dois volumes do (Getúlio) Vargas, do Lira Neto (escritor
cearense), estou lendo a biografia de Napoleão Bonaparte e a do Padre Cícero. A
política é sempre a mesma. Nos Estados Unidos, Abraham Lincoln precisou vencer
os mesmo obstáculos. Penso que com partidos mais sérios e valorizados, com mais
seriedade nas campanhas, a política irá se qualificando e motivando mais. Eu
sempre digo aos jovens: mesmo que você não acredite em mais ninguém, e ache que
todos são corruptos, não desista. O político honesto que você procura pode
estar dentro de você. Ao invés de negar a política, entre na política.
O momento mais delicado da Dilma ocorreu durante as manifestações. E naquele momento, o PMDB, o principal aliado do PT, tentou emparedar a presidente no Congresso...
O momento mais delicado da Dilma ocorreu durante as manifestações. E naquele momento, o PMDB, o principal aliado do PT, tentou emparedar a presidente no Congresso...
O ideal de um partido político é eleger um
presidente da República, eleger a maioria dos governadores, eleger a maioria
dos senadores, a maioria dos deputados federais. Isso é o ideal. Não parece
maravilhoso? Pois bem, em 1987, o PMDB teve isso. O PMDB elegeu 306
constituintes e 23 governadores. O (José) Sarney teve moleza? Não teve. O
principal adversário do Sarney era Ulysses Guimarães. Por isso eu prezo a
democracia. Eu fico imaginando se o PT tivesse 400 deputados, 79 senadores.
Iria ser fácil? Temos de aprender a lidar com a realidade. Angela Merkel acabou
de ganhar as eleições na Alemanha mas, para governar, terá que fazer aliança.
E a divisão interna dentro do PT, entre lulistas e dilmistas?
E a divisão interna dentro do PT, entre lulistas e dilmistas?
Se houver alguém que se diz lulista e não
dilmista, eu o dispenso de ser lulista. A Dilma é a presidenta da República e
ela representa o PT. Eu não estou pedindo que as pessoas gostem de Dilma. Eu
quero que as pessoas a respeitem na função institucional e saibam que o PT está
lá para apoiá-la. O povo de Brasília votou no (José Roberto) Arruda porque
acreditou que o Arruda ia fazer as mudanças prometidas. Não deu certo. Você vai
dizer que o eleitor do Roriz era pior do que o eleitor do Agnelo? Não era. O
eleitor vota esperando que as coisas melhorem. Se tivermos agora como
candidatos Dilma, Aécio, Eduardo Campos e Marina, o Brasil está qualificado.
Todos candidatos de centro-esquerda para a esquerda.
O senhor tentou evitar o rompimento de Eduardo Campos com o governo . Agora que aconteceu, como ficará este relacionamento. Ele pode sair do campo de sua influência, o campo da esquerda?
Eu não tenho influência. Mas eu gostaria que não
tivesse acontecido o que aconteceu.
Quem errou?
Quem errou?
Não sei, acho que todo mundo errou. E eu posso
estar errado também. Pode ser que o governo e o Eduardo estejam certos no
rompimento, e eu errado. Mas eu não dou de barato que o Eduardo é candidato.
Ele tem potencial? Ele tem estrutura, sabedoria política? Tem. Ele pode ser
candidato, como o Aécio, a Marina. Eu só acho que foi um prejuízo para a gente
ter o PSB, e sobretudo o Eduardo Campos, do outro lado. Isso aconteceu apenas
quando o Garotinho foi candidato contra mim, em 2002. Se ele vai ser candidato,
nós temos de ter uma regra de comportamento. Se a eleição não terminar no
primeiro turno, poderemos ter aliança no segundo turno. Ma eu não dou de barato
que as coisas estão definidas na eleição. Nem para o Eduardo Campos ser
candidato, nem para o Aécio ser candidato. Sabe-se lá o que o Serra vai tramar
contra o Aécio? Nem para a Marina. Eu acho que a gente tem de ver o seguinte:
temos de esperar, até março do próximo ano. São mais seis meses pela frente,
até as pessoas anunciarem de fato suas candidaturas. Sei apenas que, entre
todos, a Dilma é a que tem mais credenciais e é mais qualificada para governar
o Brasil. Eu vou percorrer o Brasil como se eu fosse candidato.
Qual será a diferença, na disputa com o PSDB, em ter o Aécio como candidato, e não o Serra?
Qual será a diferença, na disputa com o PSDB, em ter o Aécio como candidato, e não o Serra?
Eu acho que vai trazer mais dificuldades para o
PSDB. O Aécio vai ter que se tornar conhecido. O Serra já é conhecido, tem o
recall de outras disputas. Não é fácil criar um candidato novo num país do
tamanho do Brasil. Então eu não sei como o PSDB vai conseguir se livrar do
Serra ou se o Serra vai conseguir provar que tem mais qualidades para ser
candidato. Mas o PT não pode escolher adversário . Tem que enfrentar quem
aparecer, e acho que pode ganhar dos dois.
Sua participação na campanha da Dilma agora será diferente da que teve em 2010?
Sua participação na campanha da Dilma agora será diferente da que teve em 2010?
Tem de ser diferente. Em 2010 a Dilma não era
conhecida. Fizemos uma campanha para que ela se tornasse conhecida, e para
mostrar ao eleitor o grau de confiança que eu tinha nela. Obviamente que depois
de quatro anos de governo a Dilma passou a ser muito conhecida e conseguiu
construir a sua própria personalidade. Então já tem muita gente que vai votar
na Dilma independentemente do Lula pedir. Naquilo que eu tiver influência, nas
pessoas que eu tiver influência, eu vou pedir para votar na Dilma. O que eu vou
fazer na campanha depende dela. Eu não quero estar na coordenação, eu quero ser
a metamorfose ambulante da Dilma. Estou disposto. Se ela não puder ir para o
comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu
vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste. Isso quem
vai determinar é ela. Eu tenho vontade de falar, a garganta está boa. Eu estou
com mais disposição, mais jovem. Apesar da idade, eu estou fisicamente mais
preparado. Estou com muita saudade de falar. Faz tempo que eu não pego um
microfone na rua para falar. Conversar um pouco com o povo brasileiro. Vou
ajudar. Se for importante ficar quieto, eu vou ficar quieto. A única que coisa
que eu não vou fazer é cantar, porque eu sou desafinado, mas no resto, ela pode
contar comigo.
A prorrogação do julgamento do mensalão, levando as prisões de petistas no próximo ano, em plena campanha, pode atrapalhar os candidatos do PT e a própria Dilma?
A prorrogação do julgamento do mensalão, levando as prisões de petistas no próximo ano, em plena campanha, pode atrapalhar os candidatos do PT e a própria Dilma?
Eu não acredito, não. As pessoas têm o hábito de
menosprezar a inteligência do povo. A história não é contada no dia seguinte, a
história é contata 50 anos depois. E eu acho que a história vai mostrar de que
mais do que um julgamento, o que nós tivemos foi um linchamento, por uma parte
da imprensa brasileira, no julgamento. Eu tenho me recusado a falar disso
porque sou ex-presidente, indiquei os ministros. Vou falar quando o julgamento
terminar. Uma coisa eu não posso deixar de criticar. Se pegar o ultimo
julgamento agora (dos embargos infringentes), o que a imprensa fez com o Celso
de Mello foi uma coisa desrespeitosa à instituição da Suprema Corte, que é o
último voto. Ou seja, depois dela, ninguém mais pode falar. Eu fiquei irritado
certa vez, quando eu era presidente, o (Sepúlveda) Pertence tomou uma decisão e
alguém escreveu que José Dirceu tinha ganho no tapetão, sem nenhum respeito a
uma figura como o Pertence. Veja a arrogância e a petulância de algumas
pessoas. Elas amanhã poderão ser julgadas e vão querer o direito de defesa. A
sociedade brasileira já aprendeu a separar o joio do trigo, inclusive pelo que
tentaram fazer comigo em 2006, na campanha. Ninguém poderia ter sido mais
violento comigo do que foi o (Geraldo) Alckmin. Todo mundo sabe o que aconteceu
na véspera da eleição, quando o delegado da Polícia Federal mentiu que tinham
roubado a fita (na realidade, um CD), sendo que ele mesmo fez a entrega para
quatro jornalistas. (Aqui, Lula se refere ao "Escândalo dos
aloprados" e ao vazamento das fotos de fotos do dinheiro usado para
comprar falsos dossiês contra José Serra e Geraldo Alckmin). Todo mundo sabe o
que houve na eleição do (Fernando) Haddad. Aquele julgamento (do mensalão) no
meio da eleição, qual era o objetivo? Tudo isso o povo percebe.
Então o senhor acha
que não terá efeito?
O povo sabe separar as coisas. Agora, o que não se
pode é negar o direito das pessoas de exigirem provas. Eu sinceramente tenho
muita vontade de falar, mas eu preciso me calar. Alguns companheiros estão
condenados. Se amanhã a Justiça falar que absolveu, estarão condenados do mesmo
jeito. Ninguém se dá conta do que aconteceu com a família das pessoas, com os
filhos das pessoas. Esta substituição da informação pela versão que interessa
não pode ser adequada à construção de um país democrático.
Voltando à questão eleitoral, o senhor disse em determinado momento que não podia trincar a relação com o PMDB, mas ela tem problemas. O senhor está ajudando a montar essas alianças nos estados?
Não. Não sou eu. O PT vai ter as coordenações regionais, a coordenação de campanha e a direção nacional. Aliás, o PT sozinho não pode cuidar disso. Tem de ser cuidado junto com o PMDB. Não é a primeira vez que a gente faz uma campanha com dois palanques. Houve estados a que não fui durante determinada campanha porque tinha problemas entre os aliados. Em 2010, em Pernambuco, por exemplo, construímos uma coisa sui generis, que foi colocar dois candidatos no mesmo palanque. Eu ia lá e falava com os dois do meu lado. Se fosse possível repetir isso sem tiroteio, seria ótimo. Mas eu acho que vamos ter problemas em vários estados. Temos que dar tempo ao tempo, esperar as divergências diminuírem para a gente poder construir a unidade. Em março, o quadro estará mais claro.
Voltando à questão eleitoral, o senhor disse em determinado momento que não podia trincar a relação com o PMDB, mas ela tem problemas. O senhor está ajudando a montar essas alianças nos estados?
Não. Não sou eu. O PT vai ter as coordenações regionais, a coordenação de campanha e a direção nacional. Aliás, o PT sozinho não pode cuidar disso. Tem de ser cuidado junto com o PMDB. Não é a primeira vez que a gente faz uma campanha com dois palanques. Houve estados a que não fui durante determinada campanha porque tinha problemas entre os aliados. Em 2010, em Pernambuco, por exemplo, construímos uma coisa sui generis, que foi colocar dois candidatos no mesmo palanque. Eu ia lá e falava com os dois do meu lado. Se fosse possível repetir isso sem tiroteio, seria ótimo. Mas eu acho que vamos ter problemas em vários estados. Temos que dar tempo ao tempo, esperar as divergências diminuírem para a gente poder construir a unidade. Em março, o quadro estará mais claro.
No Rio de Janeiro
inclusive?
Sim. Nós temos de saber quem são os nossos
adversários e construir a partir daí as nossas alianças regionais. Mas como é
que você vai convencer uma pessoa que quer ser candidato a governador a não ser
candidato?
Isso vale para o senador Lindbergh Farias?
Isso vale para o senador Lindbergh Farias?
Não é
só o Lindbergh. Vamos entrar na cabeça do Lindbergh. Ele tem o mandato de oito
anos e tem um intervalo agora no meio. Se concorrer, ele não perde nada, ele só
ganha. Como funciona a cabeça dele: se não for candidato agora, em 2018 terá de
disputar com o Eduardo Paes ou com o Sérgio Cabral, sei lá. Ele acha então que
o momento dele é agora. Como você vai tentar convencê-lo? O cara tem oito anos
de mandato, não tem nada a perder... Na pior das hipóteses, se ele perder,
estará fazendo campanha para ele mesmo ao Senado em 2018. Isso vale para todos.
Vai convencer no Pará que o cidadão não deve ser candidato. Ele pode ter 1% nas
pesquisas e fala (Lula bate no peito): "Eu vou ganhar". Em janeiro do
ano passo, eu estava em casa todo inchado, quase sem poder falar, e implorei ao
Humberto Costa não ser candidato a prefeito em Recife. "Humberto, pelo
amor de Deus, o povo te elegeu senador. É um mandato de oito anos, você vai
virar uma figura nacional. O PT precisa de você. Você quer voltar para Recife
para fazer o quê, Humberto?" Ele então disse: "Se é assim que o senhor
pensa, não serei candidato". E quem foi o candidato? Humberto. Foi
candidato na pior situação (Humberto perdeu no primeiro turno para Geraldo
Júlio, do PSB). Quando a pessoa quer, é difícil evitar. Vocês acham que eu
aprovei o Wellington (Dias) ter sido candidato a prefeito de Teresina? Um cara
que saiu com quase 80% de aprovação, que o povo elegeu para senador, que
desgraça ele tinha de ser candidato a prefeito de Teresina? Mas ele foi. Aí,
quando toma a porrada que tomou, ele fala: "(Lula faz careta e imita voz
chorona) É, você tinha razão". Então vamos dar tempo ao tempo. A única
certa é que a Dilma é uma candidata com amplas condições de ganhar as eleições.
Ela vai ter mais o que mostrar. A economia vai estar numa situação melhor.
O tema econômico da hora são as concessões. Na eleição, a oposição não irá explorá-las como uma forma de privatização feita pelo PT, que combateu as privatizações tucanas?
O tema econômico da hora são as concessões. Na eleição, a oposição não irá explorá-las como uma forma de privatização feita pelo PT, que combateu as privatizações tucanas?
Não é
privatização. Deixa eu dizer uma coisa: é urgente mudar a lei 8666/93,que
regula as licitações nesse país, se quisermos que as coisas aconteçam. Hoje,
para fazer uma obra, são tantos os obstáculos, como eu já disse...TCU, Ibama,
CGU, Iphan...Uma verdadeira máquina de fiscalização que emperra a máquina da
execução. Então, é melhor passar pelo crivo uma só vez e entregar o serviço
para o serviço para a iniciativa privada explorar, com mais facilidade e
rapidez. A segunda coisa é que o Estado também não tem recursos. As concessões
são um convite à iniciativa privada, que pode suprir a deficiência do Estado
para investir. A Dilma estava na casa Civil, nós reuníamos os ministros e
órgãos envolvidos nos projetos. Eu falava todos os palavrões que tinha de falar
mas as coisas não andavam. Um problema aqui, outro ali. Temos que encontrar uma
solução. A Dilma anunciou as concessões em junho do ano passado e os leilões só
estão saindo agora. Se estivéssemos em 1955, começando a construir Brasília,
nem a picada para o avião do JK pousar tinha saído.
Como o senhor avalia a decisão da CGU de pedir a destituição do serviço público da ex-chefe do Gabinete da Presidência de São Paulo, Rosemary Noronha, por 11 irregularidades, incluindo propina, tráfico de influência e falsificação de documentos?
Como o senhor avalia a decisão da CGU de pedir a destituição do serviço público da ex-chefe do Gabinete da Presidência de São Paulo, Rosemary Noronha, por 11 irregularidades, incluindo propina, tráfico de influência e falsificação de documentos?
Ela já
estava demitida. O que a CGU fez foi confirmar o que todo mundo já sabia o que
ia acontecer.
Mas tudo ocorreu dentro de um escritório da Presidência, em São Paulo...
Deixa
eu falar uma coisa. A CGU julgou um relatório feito pela Casa Civil. E pelo o
que eu vi do relatório, ele confirma as conclusões da Casa Civil. Todo servidor
que comete algum ilícito tem de ser exonerado. O que valeu para o escritório
vale para qualquer lugar no Brasil, no setor público. Vale para banco, vale
para a Receita Federal. Vejo isso com muita tranquilidade. (Lula se vira para o
assessor de imprensa e pergunta).
"Não foi exonerado esses dias um
companheiro que trabalhava com a Ideli (Salvatti)? (Lula se refere ao assessor
da Subchefia de Assuntos Federativos, Idaílson Vilas Boas Macedo, após notícias
de que faria parte do esquema de lavagem de dinheiro descoberto pela Polícia
Federal na Operação Miqueias).
O que o senhor achou da reação do governo brasileiro em relação à espionagem norte-americana?
O que o senhor achou da reação do governo brasileiro em relação à espionagem norte-americana?
Dilma
agiu certo. O que não podia aceitar a ideia que o (Barack) Obama tentou passar,
de que não aconteceu nada. Com aquele jeitão imperial do Obama falar.
Quase três anos depois de deixar a Presidência, como o senhor gostaria de ser lembrado?
Quase três anos depois de deixar a Presidência, como o senhor gostaria de ser lembrado?
O que
me importa é a forma como serei lembrado pelas pessoas. Algo que me marcou foi
meu ultimo encontro com os cantadores de material reciclado e moradores de rua
de São Paulo. Uma menina, afro-descendente, pegou o microfone e perguntou:
"presidente, você sabe o que mudou na minha vida nestes oito anos?"
Eu não sabia. E ela disse: "Não foi o dinheiro que eu ganhei, nem as
cooperativas que organizei. Foi o direito de andar de cabeça erguida que o
senhor me restituiu. Hoje, não tenho vergonha de andar com o carrinho catando papelão
na rua. Me sinto tão importante quanto os que passam de carro ao meu
lado". Nada é mais gratificante que isso. Foi o que me inspirou a pedir ao
Fernando Morais para tentar fazer uma biografia do meu governo, conversando com
quem ele quiser: banqueiro, dono de jornal, metalúrgico, bancário, catador de
papel. Ouvir o que as pessoas pensam é mais importante, pois todo mundo tem
tendência a falar bem de si mesmo.
Fonte: Blog de Tereza Cruvinel, especial para o Correio Braziliense
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