domingo, 6 de janeiro de 2013

Artigo - Ainda não encontrei o que procuro




Refeição Cultural - 6/01/13

Estou em férias neste mês de janeiro. Havia prometido a mim mesmo que seria um mês para refletir sobre minha vida, meu trabalho, minha insatisfação constante e incompletude por não encontrar algo que sempre busquei.

I Still Haven't Found What I'm Looking For... (U2)

Tive um ano de trabalho bastante extenuante. Pouco tempo sobrou para o ócio criativo; para ler literatura; para filosofar e exercitar a curiosidade sobre uma provável razão para a vida ou sobre os rumos dela.

Desde muito tempo, alimento uma esperança de que a busca pelo conhecimento poderia em algum momento aliviar e tranquilizar meu ser, minha existência, minha falta de algo.

Estava lendo uma entrevista da intelectual e filósofa Marilena Chauí (veja o trecho abaixo) dias atrás e fiquei encantado com a descrição dela sobre a emoção que foi o dia que ela descobriu em Espinosa a resposta para o que ela procurava em suas indagações filosóficas do viver. A entrevista é de 1999 e a forma como ela descreve a emoção de achar sua resposta me realimentou a ideia de que se eu tivesse como me dedicar à leitura e aos estudos eu poderia encontrar minhas respostas.

É deprimente acumular pilhas de papéis, revistas, centenas de livros, coisas que me chamam a atenção e que poderiam me dar respostas e não poder dedicar horas de minha jornada de vida para a leitura. É muito frustrante.

Onde está a liberdade? Onde está a minha liberdade de poder fazer o que quero já em idade madura nesta minha existência? Eu imaginava lá na adolescência que a dureza de tentar sobreviver neste mundo miserável para quem não nasceu em berço com propriedades durasse um certo tempo e não a vida toda.

Hoje, todos nós da classe trabalhadora explorada, temos claro que precisamos trabalhar e vender nossa força de trabalho até morrer. Eu não acumulei nada para mudar de classe ao longo das quatro décadas de minha vida. Nem planejei, nem quis isso. Não é de minha natureza querer acumular riqueza e propriedades neste mundo do Capital.

E aí vem a dureza da realidade de meu viver. Não adianta fazer balanço e reflexão sobre minha vida de ontem e de amanhã. Sou proletário. Tenho que vender minha força de trabalho.

O que faço com as pilhas de papéis e materiais que acumulo em casa, no trabalho, em qualquer canto que posso entulhar alguma coisa? Jogo fora? Doo? Chego no final do mês e sigo mais um ano sendo um homem da ação e da formulação sindical que dedica todas, todas as horas de seu dia mês ano às suas funções de militante dirigente?

Qual seria a alternativa em abrir mão disso? Eu não mudaria o meu perfil de brigar e lutar contra o que acho errado como um simples civil cidadão pelas ruas e por aí. Fiz uma leitura de meu passado e lá está o que sempre fui: representante de sala de aula desde a quinta série primária; membro de diretórios acadêmicos e/ou envolvido nas greves das faculdades FITO/Osasco (1992) e FFLCH/USP (2002); síndico de condomínio (1998/99)... (em 1997 ainda causei na faculdade do Náutico por causa dos portões fechados)

É só olhar meu pai e ver que sempre fiz o que ele sempre fez: brigou contra as coisas erradas e as injustiças comuns contra os cidadãos e consumidores explorados. Ele acabou com a sua saúde física e mental fazendo isso por mais de cinco décadas.

Que dureza! Só tenho esta existência, já foi mais da metade dela e eu sigo incompleto, sem achar respostas e sem tempo para procurá-las nos livros, no ócio reflexivo, em intervalos das guerras diárias (quase não tive intervalos).

Me parece que eu sempre busquei uma espécie de paz e nunca encontrei. Não desejo isso a ninguém. Vai saber se não é melhor ser o que essa massa humana é hoje, adormecida nos aparelhos eletrônicos e mantidas a doses de comprimidos de Soma (Admirável Mundo Novo - Huxley)...

Nada de novo no front...

William

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MARILENA CHAUÍ DESCOBRE ESPINOSA

" - Bom, aí o professor Lívio deu o curso sobre a 'Ética' de Espinosa e, quando chegou na última aula eu estava completamente fascinada, tomada, e nesse clima do senhor/senhora e você não fala nada, do fundo da classe eu disse: 'Professor, isso é o que eu procurei a vida inteira. (risos) Não tem pecado, não tem culpa, não tem livre-arbítrio, não tem Deus juiz, não tem uma onisciência que me governa de fora. Só tem felicidade e alegria, foi isso o que eu procurei'. Assim que acabei de falar, pensei: 'Ih, que horror, dancei, não se fala uma coisa dessas numa classe'. E de lá ele disse para mim: 'Dona Marilena, é a primeira vez que eu vejo amor intelectual em estado puro'. (risos) Aí eu falei: 'Bom, é com esse que eu vou'. E por isso fui estudar Espinosa."


2 comentários:

Ernesto Izumi disse...

Um médico chinês vivia a salvar vidas de soldados em guerra, que tão logo estavam recuperados voltavam para a frente de batalha para morrerem ou retornarem novamente feridos. O médico entrou em crise, pois não via sentido nisso e se afastou do trabalho. Buscando desesperadamente entender, buscou um mestre budista e perguntou:
- Mestre, porque continuar a salvar vidas se logo em seguida as pessoas vão morrer de fome, doença ou violentamente? Porque continuar? Porque seguir uma vida de dor e sofrimento sem sentido?
- Porque você é um médico.
A resposta simples e direta causou impacto no médico, que voltou a trabalhar. E toda a vez que a questão "porque de tudo isso?" voltava, ele simplesmente se concentrava e dizia em voz alta:
- Porque eu sou um médico.
E assim ele continuou no caminho, por mais difícil que fosse.

William, não acredito que conselhos ajudem. Por isso, mandei esta historinha. Deleta ela, ignora. Uma história não tem o poder para ajudar. A erudição também não terá respostas para tudo. E muitos mestres, monges ou intelectuais foram e são tão infelizes ou mais quanto um trabalhador braçal. No fundo, a busca é mais importante que a resposta.

William Mendes disse...

Olá amigo Ernesto!

Obrigado pela reflexão importante. No fundo o que você está dizendo é que nós somos o que somos. Só isso!

Abraços, William