quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A esquerda e a direita, segundo Ariano Suassuna


Comentário do blog

Apresento este belo artigo de Ariano Suassuna, grande escritor, poeta, dramaturgo e líder do movimento armorial que, segundo a Wikipédia, é um movimento que tem como objetivo criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste brasileiro. 

O cenário brasileiro e mundial pelo qual passamos nesta quadra da história é momento propício para leituras, análises e reflexões políticas e ideológicas com a necessária tolerância do debate de ideias.

Eu me situo no campo da esquerda, não tenho dúvida alguma sobre isso. São várias as linhas de abordagem para reflexão a respeito do conceito de esquerda e direita. 

Sou um cidadão brasileiro e ator político porque sou representante de pessoas, cumpro mandato eletivo a partir da comunidade dos funcionários do Banco do Brasil. Me esforço muito para valorizar a representação política, que nada mais é que a solução pacífica das controvérsias.

Atuei muitos anos no movimento social e sindical e tenho muito respeito ao debate de ideias e à democracia, que só existe com participação social efetiva.

É isso, o artigo é bem interessante.

Abraços, William 


Foto que ilustra o artigo na Carta Maior.

Fonte: Carta Maior - 24/7/2014

Não concordo com a afirmação, hoje muito comum, de que não mais existem esquerda e direita. Acho até que quem diz isso normalmente é de direita.

Talvez eu pense assim porque mantenho, ainda hoje, uma visão religiosa do mundo e do homem, visão que, muito moço, alguns mestres me ajudaram a encontrar. Entre eles, talvez os mais importantes tenham sido Dostoiévski e aquela grande mulher que foi Santa Teresa de Ávila.

Como consequência, também minha visão política tem substrato religioso. Olhando para o futuro, acredito que enquanto houver um desvalido, enquanto perdurar a injustiça com os infortunados de qualquer natureza, teremos que pensar e repensar a história em termos de esquerda e direita.

Temos também que olhar para trás e constatar que Herodes e Pilatos eram de direita, enquanto o Cristo e São João Batista eram de esquerda. Judas inicialmente era da esquerda. Traiu e passou para o outro lado: o de Barrabás, aquele criminoso que, com apoio da direita e do povo por ela enganado, na primeira grande “assembleia geral” da história moderna, ganhou contra o Cristo uma eleição decisiva.

De esquerda eram também os apóstolos que estabeleceram a primeira comunidade cristã, em bases muito parecidas com as do pré-socialismo organizado em Canudos por Antônio Conselheiro. Para demonstrar isso, basta comparar o texto de São Lucas, nos “Atos dos Apóstolos”, com o de Euclydes da Cunha em “Os Sertões”.

Escreve o primeiro: “Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum. Não havia entre eles necessitado algum. Os que possuíam terras e casas, vendiam-nas, traziam os valores das vendas e os depunham aos pés dos apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um, segundo a sua necessidade”.

Afirma o segundo, sobre o pré-socialismo dos seguidores de Antônio Conselheiro: “A propriedade tornou-se-lhes uma forma exagerada do coletivismo tribal dos beduínos: apropriação pessoal apenas de objetos móveis e das casas, comunidade absoluta da terra, das pastagens, dos rebanhos e dos escassos produtos das culturas, cujos donos recebiam exígua quota parte, revertendo o resto para a companhia” (isto é, para a comunidade).

Concluo recordando que, no Brasil atual, outra maneira fácil de manter clara a distinção é a seguinte: quem é de esquerda, luta para manter a soberania nacional e é socialista; quem é de direita, é entreguista e capitalista. Quem, na sua visão do social, coloca a ênfase na justiça, é de esquerda. Quem a coloca na eficácia e no lucro, é de direita.

Ariano Suassuna, ícone do Movimento Armorial, faleceu em 23/7/14, aos 83 anos de idade. É paraibano e passou grande parte de sua vida em Pernambuco.


Fonte: Carta Maior, reproduzido do site do MST

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