segunda-feira, 4 de março de 2019

Marx, sobre o duplo caráter do trabalho materializado na mercadoria




Refeição Cultural

"O trabalho, como criador de valores de uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem - quaisquer que sejam as formas de sociedade -, é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza e, portanto, de manter a vida humana" (O Capital, Karl Marx)


A experiência ao ler este clássico dos clássicos, O Capital, publicado em 1867, por Karl Marx, tem sido trabalhosa nesse meu início, mas ao mesmo tempo, ela vem me proporcionando uma compreensão do quanto Marx é metódico ao desenvolver e apresentar seus estudos.

A leitura é lenta, eu leio muitas vezes cada parágrafo, após andar duas páginas acabo voltando ao início porque um conceito vai ligar com outro e assim por diante. Mas eu não quero ler só por ler, quero compreender o que ele nos apresenta, sem pressa.

Prefiro nas breves postagens fazer mais citações de Marx do que interpretações porque acho mais seguro fazer isso. Aliás, o objetivo das matérias é mais para instigar as pessoas a comprarem o livro, que custou menos de 70 reais, e começarem a leitura dele; ao contrário de ficarmos no diz que diz sobre Marx, ir direto ao seu estudo.

A primeira citação acima, a título de epigrama, é uma questão antiga entre nós do movimento dos trabalhadores; muitas vezes me peguei em debates em congressos e encontros onde o tema "Trabalho" era meio que demonizado, ao invés de se fixar os debates nas questões da exploração e apropriação do trabalho humano na sociedade capitalista e as formas de se evitar essa tragédia.

A MERCADORIA

Nesta primeira parte do Livro Primeiro, que trata do processo de produção do capital, Marx está estudando mercadoria e dinheiro, começando por "A mercadoria".


1. Os dois fatores da mercadoria: valor de uso e valor (substância e quantidade do valor)

Vimos nessa parte que "Tempo de trabalho socialmente necessário é o tempo de trabalho requerido para produzir-se um valor de uso qualquer, nas condições de produção socialmente normais existentes e com o grau social médio de destreza e intensidade do trabalho".

Fiz uma breve postagem sobre esse item 1 do capítulo. Ler AQUI.

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2. O duplo caráter do trabalho materializado na mercadoria

Agora Marx vai falar sobre o conceito de "trabalho útil", como "aquele cuja utilidade se patenteia no valor de uso do seu produto ou cujo produto é um valor de uso".

O filósofo nos fala sobre a divisão social do trabalho: "Ela é condição para que exista a produção de mercadorias, embora, reciprocamente, a produção de mercadorias não seja condição necessária para a existência da divisão social do trabalho. Na velha comunidade indiana, há a divisão social do trabalho, sem que os produtos se convertam em mercadorias".

Ao nos lembrar que uma mercadoria tem dois fatores, a matéria e o trabalho, Marx cita uma bela frase de William Petty:

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"O trabalho é o pai, mas a mãe é a terra"
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Ainda sobre essa questão da matéria, o filósofo nos faz lembrar das velhas aulas de química, quando aprendemos que na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Pelo menos eu aprendi assim nos anos setenta do século passado.

Marx, exemplificando sobre a produção de casacos, nos diz que: "(...) Extraindo-se a totalidade dos diferentes trabalhos úteis incorporados ao casaco, ao linho etc, resta sempre um substrato material, que a natureza, sem interferência do homem, oferece. O homem, ao produzir, só pode atuar como a própria natureza, isto é, mudando as formas da matéria".

À explicação acima, o autor inclui a nota: "Todos os fenômenos do universo, provocados pela mão do homem ou pelas leis gerais da física, não constituem, na realidade, criações novas, mas apenas transformação da matéria".

VALOR DA MERCADORIA

Diz Marx: "O trabalho do alfaiate e o do tecelão, embora atividades produtivas qualitativamente diferentes, são ambos dispêndio humano produtivo (...) O valor da mercadoria, porém, representa trabalho humano simplesmente, dispêndio de trabalho humano em geral".

Nesta parte dos estudos sobre mercadoria e valor, Marx nos alerta em nota que ainda não está considerando questões como salário, preço etc.

Ao analisar uma sociedade qualquer é necessário observá-la de acordo com as condições dadas naquele momento da análise: 

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"O trabalho simples médio muda de caráter com os países e estágios da civilização, mas é dado numa determinada sociedade. Trabalho complexo ou qualificado vale como trabalho simples potenciado ou, antes, multiplicado, de modo que uma quantidade dada de trabalho qualificado é igual a uma quantidade maior de trabalho simples..."
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É aqui que vem a nota de Marx: "Repare o leitor que não se trata aqui de salário ou do valor que o trabalhador recebe por seu tempo de trabalho, mas do valor da mercadoria no qual se traduz seu tempo de trabalho".

Marx vai falar da produtividade ao final deste item, mas antes ele explica mais sobre a acumulação de força de trabalho humano nas mercadorias.

"(...) os valores casaco e linho são cristalizações homogêneas de trabalho; os trabalhos contidos nesses valores são considerados apenas dispêndio de força humana de trabalho..."

e

"Se o trabalho contido na mercadoria, do ponto de vista do valor de uso, só interessa qualitativamente, do ponto de vista da grandeza do valor só interessa quantitativamente e depois de ser convertido em trabalho humano, puro e simples".

PRODUTIVIDADE

Marx nos explica sobre o movimento em sentidos opostos em relação ao duplo caráter do trabalho.

Uma quantidade maior de valor de uso cria, de per se, maior riqueza material, ou seja, dois casacos representam maior riqueza que um. Mas pode haver uma queda no valor da riqueza material dos casacos, quando a produtividade para produzi-los foi maior.

"Produtividade é sempre produtividade de trabalho concreto, útil, e apenas define o grau de eficácia da atividade produtiva adequada a certo fim, em dado espaço de tempo".

Lembrei-me das primeiras páginas do livro quando Marx cita as mudanças no modo de produção inglês. Após a introdução do tear a vapor, o tempo gasto para transformar fio em tecido reduziu-se pela metade. O tecelão inglês com tear manual seguiria produzindo a mesma quantidade de material, só que o valor seria a metade agora.

Enfim:

"A mesma variação da produtividade que acresce o resultado do trabalho e, em consequência, a massa dos valores de uso que ele fornece reduz a magnitude do valor dessa massa global aumentada quando diminui o total de tempo do trabalho necessário para sua produção. E vice-versa".

Marx conclui neste item o seguinte:

"Todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, no sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igualou abstrato, cria o valor das mercadorias. Todo trabalho, por outro lado, é dispêndio de força humana de trabalho, sob forma especial, para um determinado fim, e, nessa qualidade de trabalho útil e concreto, produz valores de uso".

COMENTÁRIO FINAL

O método de avaliação de Marx é muito claro no livro O Capital. É trabalhoso acompanhar o desenvolvimento de seu método dialético porque exige atenção e associação de conceitos.

Como disse ao início da leitura da obra, estou lendo ela sem pressa. Fazer anotações e postagens ajuda em minha própria memorização e compreensão. Ao mesmo tempo, pode ser que meus comentários despertem em algum leitor ou leitora, o interesse em iniciar a leitura de alguma obra que posto aqui no blog Refeitório Cultural.

Abraços aos amig@s leitores,

William
Um leitor


Post Scriptum:

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