sexta-feira, 1 de março de 2019

Literatura Hispano-Americana: Conquista e Colônia (I)



Popol Vuh - Wikipedia.
(atualizado em 9/04/19)

Refeição Cultural

Um dos objetivos do blog Refeitório Cultural é compartilhar os ensinamentos do curso de Letras da Universidade de São Paulo (USP), por se tratar de uma universidade pública e por querer retransmitir para todos os cidadãos interessados aquilo que tive a oportunidade de aprender através dos recursos do povo.

Com o passar dos anos na graduação em Português-Espanhol, e com a participação em cada uma das disciplinas que fiz, foi ficando impossível postar as aulas, inclusive porque escrevê-las demanda um trabalho imenso de revisão das anotações para não postar coisas sem sentido.

Após muitos anos de conclusão da grade obrigatória das duas disciplinas, Português e Espanhol, descobri que havia faltado uma matéria (2 créditos) para completar a grade de Português. Para não colar grau só em Espanhol, fiz o pedido de reingresso à graduação e fui aceito. Estou estudando novamente e terei que fazer mais de 30 créditos para adequar minha pontuação à grade curricular atual. 

Esta disciplina é sobre o período pré-hispânico nas Américas e sobre o período colonial e vai até os séculos XVIII e XIX, período em que ocorreram os processos de independência das metrópoles europeias, Espanha e Portugal. Mas o foco não é o Brasil e sim os países de matriz espanhola.

Vou postar o que for possível, e sempre com a minha visão e interpretação das anotações da matéria, isentando os professores de qualquer responsabilidade pelo que escrevo aqui. Esta matéria de literatura estou fazendo com a professora Laura.

A parte relativa aos objetivos, programa resumido e programa é uma reprodução do oferecimento da matéria e é de domínio público.

Lembro aqui que o interesse deste blog é partilhar conhecimento, sem nenhum objetivo econômico-financeiro. Postamos conteúdo aqui com base no conceito de copyleft e wiki (what i Know is).

Abraços aos leitores que se interessarem pelo tema.

William


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Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP)

Literatura Hispano-Americana: Conquista e Colônia

Objetivos:

1. Estudar as manifestações literárias barrocas e suas implicações na construção de uma forma hispano-americana. 2. Desenvolver a capacidade crítica do aluno pela análise dos aspectos estéticos e ideológicos dos textos mais representativos, relacionando-os com a atualidade. 3. Discutir problemas básicos da formação cultural da América hispânica através de abordagens teóricas contemporâneas sobre os discursos mais representativos do período pré-hispânico e as narrativas do período da conquista, até 1600. 4. Oferecer uma visão histórica do período, embora sempre privilegiando as possíveis abordagens literárias, desenvolvendo a capacidade crítica do aluno pela análise de aspectos estéticos e ideológicos.

Programa Resumido:



Esta disciplina estuda problemas básicos da formação cultural da América hispânica através de abordagens teóricas contemporâneas sobre os discursos mais representativos do período pré-hispânico, da conquista e da sociedade colonial, até 1700. Pretende-se oferecer uma visão histórica do período, privilegiando as possíveis abordagens literárias dos discursos das culturas originárias e da conquista e o estudo das manifestações estéticas barrocas e suas implicações na construção de uma forma hispano-americana. A disciplina visa a desenvolver a capacidade crítica do aluno pela análise dos aspectos estéticos e ideológicos dos textos mais representativos desse período de formação da cultura e da literatura hispano-americana, relacionando-os com a atualidade. O curso contempla, dessa forma, instrumentalizar os futuros profissionais da área no sentido de suas práticas de análise literária e ensino da literatura.

Programa:

1. Palavra, gesto, memória: a literatura pré-colombiana e critérios de configuração de uma literatura hispano-americana: Códices, Poesia Nahuatl, Popol Vuh e os Chilam Balam. 2. História e imaginação: os discursos da conquista, as crônicas e a construção de um novo universo: Cristóbal Colón; Hernán Cortés, Bernal Díaz del Castillo, Bartolomé de Las Casas, Alvar Núñez Cabeza de Vaca; Alonso de Ercilla. 3. Sujeitos mestiços e sociedades vice-reinais: Inca Garcilaso de la Vega, Huamán Poma de Ayala, Juan Rodríguez Freyle. 4. O Barroco e sociedades vice-reinais: Sor Juana Inés de la Cruz; A poesia de Bernardo de Balbuena, Sigüenza y Góngora, Domínguez Camargo, Caviedes. 5. O teatro de Juan Ruiz de Alarcón. 6. Ficção e história: a conquista e a colônia na literatura do século XX, Juan José Saer, Antonio Di Benedetto, Alejo Carpentier, Carlos Fuentes, Miguel Angel Asturias. 7. Releituras do barroco: neobarroco e neobarroso; Lezama Lima, Virgilio Piñera, Severo Sarduy, Néstor Perlongher.


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(anotações das aulas em língua espanhola e em português. As incorreções no texto são de minha responsabilidade, pois meu espanhol não é de falante fluente)

Literatura hispanoamericana: Conquista y Colonia

FLM0631

Clase 1

27 de febrero de 2019.



Temas debatidos y referenciales para la disciplina:

- encuentro muy violento de culturas y de discursos;

- el término “conquista” tiene la mirada de allá, el punto de vista de los europeos;

- “el continente vacío” es lo que decían los europeos sobre nuestra América;

- hay en los discursos una cuestión de los malos versus los buenos;

- los científicos europeos tenían dudas si los indígenas eran humanos;

- lenguas dominantes acá: Nahuatl (Aztecas), Quiché (Mayas), Quechua (Incas), además de otras;

- lo que existe hoy de la historia de los pueblos prehispánicos fue una traducción de las lenguas e historias orales para el castellano, pero es necesario acordarse de que “traducir es traicionar”;

- sincretismo cultural, cuando hay una mezcla de culturas, pero es común una cultura ser la dominante sobre la otra. El cristianismo fue determinante en las versiones de las historias de los pueblos precolombinos o prehispánicos.


POPOL VUH

- el “libro de los consejos” o “libro de la comunidad”;

- a pesar de traer trazos del cristianismo, Popol Vuh trae una idea de lo que era acá la cultura anterior. Los frailes, siglos después, introducen trazos de los textos bíblicos, mezclas con pasajes de la biblia (las culturas poderosas son poderosas de verdad…);

- él fue descubierto en el siglo XIX y producido a mediados del siglo XVI. La confección de él es posterior a la llegada de los españoles;

- perpetuación de la cultura oral del pueblo maya en una lengua extranjera. Alguien le puso en una lengua que iba a seguir adelante;

- cultura transmitida por dibujos, jeroglíficos y otros materiales

- los mayas eran pueblos nómades;

- el sincretismo va a ocurrir en todos los textos traducidos de los pueblos precolombinos al español, el cristianismo va a impregnar los textos de las culturas anteriores a la conquista;

- sugestión de lectura: "Serpentes e caveiras" in “Palomar”, de Ítalo Calvino. Para reflexionar sobre la cuestión de como es posible otras posibilidades de lectura y traducción cuando la temática es culturas distintas; (*o texto está nesta postagem, ao final)

- fíjense: no se olviden de que estamos conversando con sujetos de otros tiempos. Muy importante se acordar de eso.

- cuidado con todas las idealizaciones y con todas las demonizaciones que se hacen;

- hay distintas traducciones del Popol Vuh, es decir, versiones del original encontrado en el siglo XIX.

- para reflexionar: “descubrir” es peor que “conquistar”. Descubrir sería para algo que ni siquiera existe. Es una cuestión ideológica;

- versiones del Popol Vuh: años treinta, de Asturias, Guatemala. Años cincuenta, de Emílio Abreu Gomes; y hay otras más;

- los hombres hechos de maíz (Asturias);

- la cultura de los mayas - de los pueblos de América -, no es como la nuestra occidental, ella no es linear, entonces hay otra propuesta del “génesis”, otra cosmogonía; son formas condensadas y no lineares de lectura e interpretación;


CÓDICES

- los primeros “libros” de acá, hechos en cáscaras de árboles. No se olvide de la "contaminación" del sincretismo con los occidentales, sobre todo con los cristianos;

- la traducción para el castellano fue una forma de resistencia, de sobrevivencia de la cultura de ellos porque si no hubieran hecho versiones escritas, su cultura no habría llegado hasta nuestros días;

- por muchos años, siglos, la visión dominante era preconcebida como siendo la cultura de acá inferior, menor que la europea, hasta que empieza a cambiar con Garcilaso, en el siglo XVII.

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* 3.1.2 Serpentes e caveiras, do livro Palomar, de Ítalo Calvino. Tradução de João Reis.


Excerto da nota explicativa no livro: "(...) último livro publicado em vida por Calvino. É uma obra feita de momentos, fragmentos, deslumbramentos, interrogações intermináveis, e que leva à criação de uma personagem, Palomar, que é ao mesmo tempo a ingenuidade em estado puro e a paixão do pensamento ilimitado."


Serpentes e Caveiras

Em viagem pelo México, o senhor Palomar visita as ruínas de Tula, antiga capital dos Toltecas. É acompanhado por um amigo mexicano, conhecedor apaixonado e eloquente das civilizações pré-colombianas, que lhe vai contando as belíssimas lendas de Quetzalcoatl.


Antes de se tornar um deus, Quetzalcoatl foi um rei que teve em Tula a sua corte; dela restam ainda uma série de colunas truncadas, em torno de um implúvio, um pouco à moda dos palácios da Roma antiga.

O templo da Estrela da Manhã é uma pirâmide em degraus. No alto elevam-se quatro cariátides cilíndricas, ditas "atlantes", que representam o deus Quetzalcoatl como Estrela da Manhã (por causa de uma borboleta que trazem nas costas, símbolo da estrela) e quatro colunas esculpidas, que representam a Serpente Emplumada, ou seja, sempre o mesmo deus, sob a forma de animal.

Tudo isto deve ser tido por verdadeiro sem quaisquer provas; por outro lado, seria difícil demonstrar o contrário. Na arqueologia mexicana, cada estátua, cada objecto, cada baixo-relevo, significam alguma coisa que significa alguma coisa que por sua vez significa alguma coisa. Um animal ou, um deus que significa uma estrela que significa um elemento ou uma qualidade humana e assim sucessivamente. Estamos no mundo da escrita pictográfica, os antigos Mexicanos, para escreverem, desenhavam figuras e, mesmo quando desenhavam, era como se escrevessem: cada figura apresenta-se como um enigma a decifrar. Até mesmo os frisos mais abstratos e geométricos que se encontrem na parede de um templo podem ser interpretados como setas se neles se puder ver um motivo de linhas partidas, ou como uma sucessão numérica, de acordo com a maneira como esses mesmos frisos se sucedem. Aqui em Tula os baixos-relevos repetem figuras animais estilizadas: jaguares, coiotes. O amigo mexicano detém-se em cada pedra, transformando-a em relato cósmico, em alegoria, em reflexo moral.

Uma turma de estudantes desfila entre as ruínas: rapazotes com feições de índio, provavelmente descendentes dos construtores daqueles templos, vestidos com uma simples farda branca tipo boy-scout, com lenços azuis. Os rapazes são guiados por um professor que não é muito mais alto do que eles e pouco mais adulto, que apresenta a mesma cara morena, redonda e imóvel. Sobem os altos degraus da pirâmide, detêm-se sob as colunas, o professor diz a que civilização pertencem, a que século, em que pedra estão esculpidas e em seguida conclui: "Não se sabe o que querem dizer" e o grupo de alunos desce atrás dele. Ao pé de cada estátua, ao pé de cada figura esculpida sobre um baixo-relevo ou sobre uma coluna, o professor fornece alguns dados factuais e acrescenta invariavelmente: "Não se sabe o que querem dizer."

Encontram agora um chac-mool, tipo de estátua bastante comum: uma figura humana semiprostrada segura um tabuleiro; era sobre aquele tabuleiro, dizem unânimes os peritos, que eram apresentados os corações ensanguentados das vítimas dos sacrifícios humanos. Estas estátuas, por si só, poderiam igualmente ser vistas como bonacheirões e atarracados bonecos; mas o senhor Palomar, cada vez que vê uma delas, não consegue deixar de sentir calafrios.

Passa a fila dos estudantes. E o professor: Esto es un chac-mool. No se sabe lo que quiere decir. E passa à frente.

O senhor Palomar, apesar de seguir as explicações do amigo que o guia, acaba sempre por se cruzar com os estudantes e ouvir as palavras do professor. Fica fascinado pela riqueza das referências mitológicas do amigo: o jogo do interpretar, a leitura alegórica, sempre lhe pareceu um soberano exercício da mente. Mas sente-se igualmente atraído pela atitude oposta do mestre-escola: aquilo que lhe parecera no início uma expedita falta de interesse vai-se revelando aos seus olhos como uma postura científica e pedagógica, uma opção metodológica deste jovem grave e consciencioso, uma regra a que não quer renunciar. Uma pedra, uma figura, um sinal, uma palavra, que nos chegam isolados do seu contexto, são apenas aquela pedra, aquela figura, aquele sinal ou palavra: podemos tentar defini-los, descrevê-los enquanto tais, e basta; se, para além da face que nos apresentam, têm também uma face escondida, não nos é dado sabê-lo. A recusa de conceber mais do que aquilo que estas pedras nos mostram é talvez o único modo possível de demonstrar respeito pelo seu segredo; tentar adivinhar é presunção, uma traição àquele autêntico significado perdido.

Atrás da pirâmide passa um corredor, uma espécie de trincheira de ligação entre dois muros, um de terra batida, outro de pedra esculpida: o Muro das Serpentes. É talvez a mais bela peça de Tula: no friso em relevo sucedem-se as serpentes, cada uma das quais tem uma caveira nas mandíbulas abertas, como se estivesse para a devorar.

Passam os rapazes. E o professor: "Este é o muro das serpentes. Cada serpente tem na boca uma caveira. Não se sabe o que significam."

O amigo de Palomar não se contém: "Ai isso é que sabe! É a continuidade da vida e da morte, as serpentes são a vida, as caveiras são a morte; a vida que é vida porque traz consigo a morte e a morte é morte porque sem morte não há vida..."

Os rapazotes ouvem de boca aberta, os olhos negros brilham atônitos. O senhor Palomar pensa que toda a tradução requer uma outra tradução e assim sucessivamente. Pergunta a si mesmo: "Que significa morte, vida, continuidade, passagem, para os antigos Toltecas? E que pode querer dizer para estes jovens? E para mim?" E no entanto sabe que nunca poderá sufocar em si a vontade de traduzir, de passar de uma linguagem para outra, de figuras concretas para palavras abstractas, de símbolos abstractos para experiências concretas, de tecer e retecer uma rede de analogias. Não interpretar é impossível, tal como é impossível impedir-se de pensar.

Assim que os estudantes desaparecem atrás de uma esquina, a voz obstinada do pequeno professor faz-se ouvir de novo: "No es verdad, não é verdade aquilo que vos disse aquele señor. Não se sabe o que significam."

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