sábado, 7 de maio de 2016
Ilusões perdidas, de Balzac (excertos)
Refeição Cultural
A qualidade da construção descritiva dos costumes da sociedade francesa por parte de Balzac é muito refinada. Dá gosto de citar alguns trechos aqui da leitura da primeira parte, Os dois poetas, das Ilusões perdidas.
Volume 7, Estudos de costumes, Cenas da vida provinciana
Primeira parte - Os dois poetas
"O sr. conde de Maucombe envergou assim o humilde avental de um chefe de oficina de província: compôs, leu e revisou os decretos que impunham a pena de morte aos cidadãos que escondessem nobres..." (pág. 31)
A primeira referência que temos, no início da história, é sobre a França dos anos 1819, mas com idas e voltas ao período pós Revolução Francesa como o citado acima, que aborda o período do terror, entre 1793/94.
"A avareza começa onde cessa a pobreza" (pág. 31)
Esta frase profunda é dita ao descrever o velho tipógrafo Jerônimo Nicolau Séchard, tipógrafo que não aprendera a ler nem escrever (fato que conhecemos quando o vemos assumir a tipografia do sr. Bobo em 1793). Anos depois, já em 1802, ele passa a se estabelecer como um burguês por sua avareza, por explorar os outros e por extremo egoísmo, mesmo em relação ao seu único filho, David Séchard.
"EBRIOGRAFIA" foi vantagem para pai explorar o filho
Séchard pai quer passar ao filho recém chegado de Paris a tipografia, cobrando por isso um bom dinheiro para se retirar do trabalho.
"Se não tinha conhecimentos de alta tipografia, em troca passava por ser extremamente forte na arte que os operários, por caçoada, apelidaram de ebriografia, arte muito estimada pelo divino autor do Pantagruel, mas cujo exercício, perseguido pelas sociedades chamadas de temperança, se encontra dia a dia mais abandonado..." (pág. 33)
Mais algumas ironias de Balzac a respeito do velho septuagenário Séchard.
"Era parrudo e bojudo como muitos desses velhos lampiões que consomem mais óleo do que mechas; aliás, os excessos em todas as coisas modelam os corpos segundo suas características. A bebedeira, como o estudo, engorda mais aos gordos e emagrece aos magros..." (pág. 34)
O velho pai se aproveita do filho ao voltar para casa, agora como novo tipógrafo que estudou em Paris, e quer explorá-lo o máximo que puder.
"Essa transformação do sentimento pessoal, ordinariamente lenta, tortuosa e hipócrita nas criaturas bem-educadas, foi rápida e direta no velho Urso, que mostrou quanta vantagem a ebriografia esperta levava sobre a tipografia instruída..." (pág. 35)
Notem que Balzac descreve acima que a transformação naquela nova sociedade burguesa tende a atingir a todos, ela só demora um pouco mais em quem tem boa educação. Fica dito que ao final, a hipocrisia dominará a todos.
O dilema do jovem tipógrafo David perante o velho pai Séchard:
"David percebeu que não havia meio de discutir com o pai. Cabia ou tudo admitir ou tudo recusar, achava-se entre um não e um sim. O velho Urso incluíra no inventário até os cordões do estendedouro. A menor das ramas, as galeras, as escudelas, a pedra e as escovas de lavar, tudo fora apreçado com o escrúpulo de um avaro. O total ia a trinta mil francos, compreendidas nessa soma a patente de mestre impressor e as luvas pela freguesia." (pág. 40)
O jovem Séchard aceita o negócio e na hora o próprio pai explorador já desconfia se o filho vai cumprir por saber que está abusando dele.
"David estimou as possibilidades da patente, da clientela e do jornal, sem se preocupar com os utensílios; julgou poder vencê-las e aceitou as condições. Habituado ao regateio dos camponeses, e nada sabendo dos largos cálculos dos parisienses, admirou-se o velho de tão pronta conclusão.
'Será que meu filho enriqueceu?', pensou, 'ou projeta ele, desde agora, não me pagar?'..." (pág. 43)
Balzac sai mais à frente com uma frase ótima comparando característica comum à avareza e ao amor.
"A avareza, como o amor, tem o dom da vidência quanto às contingências futuras, fareja-as, apressa-as" (pág. 46)
Gostei da leitura calma e com prazer feita neste sábado de calor em Brasília (DF).
William
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