Paulo Leminski. |
Refeição Cultural
A poesia é um inutensílio, dizia o poeta.
Um orgasmo não tem que ter um porquê; a poesia não tem que ter um porquê. Um gol do Zico não tem que ter um porquê... (Leminski)
mas...
"O poeta é uma necessidade orgânica das sociedades"
Terminei a leitura deste livro de poesia de Leminski, la vie en close (1991), em um hotel lá em Belo Horizonte, na madrugada de 7 de junho. Estava lá para participar de uma conferência de saúde. Cansadíssimo naquele instante, peguei as poesias para mudar minha onda cerebral e dormir.
Nesta madrugada de quinta-feira, 15, feriado nacional, reli poesias diversas de la vie en close. Novamente, estou cansado de tanto trabalhar um trabalho que é militância pela Caixa de Assistência em saúde, que administro como eleito por associados. Tenho trabalhado até a exaustão!
Não adianta conselhos de gente bem-intencionada para que a gente trabalhe menos. Meu trabalho é guerra. É frente de batalha. Ou se luta ou não se luta pela saúde, pelo modelo de saúde, pela nossa entidade de saúde, pelos direitos em saúde dos associados que se representa. É assim pra mim.
Enfim, na inutilidade da poesia, no inutensílio, segundo o poeta, sinto uma utilidade imensa em me desligar nas leituras, uma vez ou outra, de minha quase condenação às militâncias em que me meti ao longo de minha existência.
Saboreiem abaixo alguns poemas de Leminski e embarquem na viagem dos seus livros de poemas.
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um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
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estupor
esse súbito não ter
esse estúpido querer
que me leva a duvidar
quando eu devia crer
esse sentir-se cair
quando não existe lugar
aonde se possa ir
esse pegar ou largar
essa poesia vulgar
que não me deixa mentir
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mais ou menos em ponto
Condenado a ser exato,
quem dera poder ser vago,
fogo-fátuo sobre um lago,
ludibriando igualmente
quem voa, quem nada, quem mente,
mosquito, sapo, serpente.
Condenado a ser exato
por um tempo escasso,
um tempo sem tempo
como se fosse o espaço,
exato me surpreendo,
losango, metro, compasso,
o que não quero, querendo.
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atrasos do acaso
cuidados
que não quero mais
o que era pra vir
veio tarde
e essa tarde não sabe
do que o acaso é capaz
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suprassumos da quintessência
O papel é curto,
Viver é comprido.
Oculto ou ambíguo,
Tudo o que digo
tem ultrassentido
Se rio de mim,
me levem a sério,
Ironia estéril?
Vai nesse ínterim,
meu inframistério.
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Andar e pensar um pouco,
que só sei pensar andando,
Três passos, e minhas pernas
já estão pensando.
Aonde vão dar estes passos?
Acima, abaixo?
Além? Ou acaso
se desfazem ao mínimo vento
sem deixar nenhum traço?
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textos textos textos
malditas placas fenícias
cobertas de riscos rabiscos
como me deixastes os olhos piscos
a mente torta de malícias
ciscos
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quem chega tarde
deve andar devagar
andar como quem parte
para nenhum lugar
vida que me venta
sina que me brisa
só te inventa
quem te precisa
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o bicho alfabeto
tem vinte e três patas
ou quase
por onde ele passa
nascem palavras
e frases
com frases
se fazem asas
palavras
o vento leve
o bicho alfabeto
passa
fica o que não se escreve
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Comentário final
O relançamento das obras completas de Paulo Leminski pela Companhia das Letras é uma oportunidade de ouro para nós que não conhecemos o autor em sua época. Eu me incluo no "nós" porque só muito tarde em minha vida passei a apreciar poesia, depois dos trinta anos de idade.
Os livros contidos no volume "Toda poesia" são muito bons. Fica a sugestão aos leitores amigos.
William
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