domingo, 3 de dezembro de 2017

Contos de Machado de Assis - Brasil pós Golpe caminha ao passado?





Refeição Cultural

Neste final de semana tive vontade de ler Machado de Assis. Peguei o livro de coletâneas de contos do autor em seleção organizada por John Gledson.

Foquei em contos publicados pelo Mestre do Cosme Velho em jornais e revistas em 1883, depois reunidos no livro Histórias Sem Data (1884).


A IGREJA DO DIABO

Reli o conto "A igreja do Diabo", que é muito impactante, até por imaginarmos a novidade do tema ao ser publicado na capital do Império naquele ano.

Afirma o Diabo para Deus, ao contar a novidade de criar sua igreja:

"- Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê-las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura..."

Uma das estratégias do Diabo foi desqualificar as virtudes conhecidas e reabilitar outras como a soberba, a luxúria, a preguiça, a avareza - "mãe da economia" -, gula etc.

"Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento..."

Defendeu a venalidade, porque se podemos vender coisas materiais que são nossas, têm registros e posse, que dirá sobre vender nossa palavra, nossa opinião, nosso caráter... nossa consciência é mais nossa que tudo, então podemos vendê-la.

E a solidariedade, então? Deveria se cortada de todo!

"Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição..."


COMENTÁRIO POLÍTICO: lembrei-me na hora do debate do governo Temer e seus asseclas nos ministérios e secretarias que pretendem impor mudanças nas estatais federais (minutas CGPAR) sobre os planos de saúde dos seus trabalhadores - as autogestões - onde a proposta é cortar parte da contribuição do governo e estabelecer regras que acabam com a solidariedade dos planos, inclusive onerando os mais idosos, inviabilizando a saúde dos funcionários por não conseguirem pagar. - ESSA PROPOSTA É DO DIABO, HEIM!


CONTOS DE ONTEM QUE PODERÃO RETRATAR NOSSO AMANHÃ PÓS GOLPE NO BRASIL

Outros contos que li neste fim de semana foram "Cantiga de esponsais", "Singular ocorrência", "Último capítulo", "Galeria póstuma" e "Capítulo dos chapéus".

Eu fico lendo o grande observador das personagens humanas no século XIX, nosso Machado de Assis, e pensando sobre nossa sociedade atual.

A destruição que vem ocorrendo em nosso país após o Golpe de Estado vai nos levar a uma sociedade semelhante àquela que Machado descreve no século XIX. Uma sociedade escravocrata, branca, machista, misógina, do preconceito ao diferente, autoritária, um Estado policial contra o povo, uma sociedade feita para os poucos detentores de tudo.

Os povos miseráveis terão que se virar para serem agregados de alguma casa-grande, um senhor da elite, ou fazer qualquer coisa por alguns trocados, num verdadeiro salve-se-quem-puder.

O que é pior, com uma vida cotidiana (ideologia dominante) que "normatiza" e torna "normal" toda a miséria que se vê. Ontem e hoje, temos os meios de comunicação e a estrutura da burocracia do Estado, que colocam ordem nas revoltas - imprensa, polícia, representação "política" censitária, judiciário etc.

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"O dia não acabou pior; e a noite suportou-a ele bem, não assim o preto, que mal pôde dormir duas horas..."

"Em músicas! justamente esta palavra do médico deu ao mestre um pensamento. Logo que ficou só, com o escravo, abriu a gaveta..."

("Cantiga de esponsais")
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As condições normais do século XIX batem às portas do século XXI do Brasil. Quando não são os negros, os pobres e não detentores das posses, são as mulheres que podem regredir séculos de avanços em busca de igualdades de oportunidades e tratamentos.

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"Rufina (permitam-me esta figuração cromática) não tinha a alma negra de lady Macbeth, nem a vermelha de Cleópatra, nem a azul de Julieta, nem a alva de Beatriz, mas a cinzenta e apagada como a multidão dos seres humanos. Era boa por apatia, fiel sem virtude, amiga sem ternura nem eleição. Um anjo a levaria ao céu, um diabo ao inferno, sem esforço com ambos os casos, e sem que, no primeiro, lhe coubesse a ela nenhuma glória, nem o menor desdouro no segundo. Era a passividade do sonâmbulo. Não tinha vaidades. O pai armou-me o casamento para ter um genro doutor; ela, não; aceitou-me como aceitaria um sacristão, um magistrado, um general, um empregado público, um alferes, e não por impaciência de casar, mas por obediência à família, e, até certo ponto, para fazer como as outras. Usavam-se maridos; ela queria usar também o seu. Nada mais antipático à minha própria natureza; mas estava casado."

("Último capítulo")
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Enfim, será que é assim mesmo que as coisas vão ficar no Brasil? 

Um país que após avançar em todos os quesitos sociais por mais de uma década sob governos do Partido dos Trabalhadores, regride no pós Golpe séculos de lutas e conquistas, e regride para o conjunto do povo em benefício de alguns seres humanos, que para serem derrotados (porque são humanos) só é necessário que sejam retirados do poder que tomaram por golpe.

Será que vai ficar assim mesmo como os golpistas estão deixando nosso Brasil? Desfazendo ele todo para nunca mais se recuperar?

Abraços,

William

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