quarta-feira, 30 de abril de 2025

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Quarta-feira, 30 de abril de 2025.


ABRIL

O que sei? Por enquanto, sei o que sou, o que fui, e não tenho como saber o que serei, nem se serei alguma coisa. Não poderia dizer que "sei que nada sei", porque eu sei alguma coisa: honestidade intelectual.

Sei, por exemplo, ou tenho forte impressão, por leitura de cenários e por alguma experiência política, que grandes mudanças estão em curso na sociedade humana, grandes mudanças (não são mudanças positivas para as maiorias). 

Sei algo da emergência climática. Sei algo das movimentações da direita fascista. Sei algo do passado, a História, e vejo sinais de grandes tribulações em breve. Sei algo das fragilidades da esquerda para resistir ao que vem por aí.

Me parece que não mudaremos o mundo neoliberal e capitalista por vontade política, não tivemos força de vontade suficiente nem inteligência para isso. As mudanças se darão da forma mais distópica possível: pelas consequências do capitalismo neoliberal. Mundos distópicos são lugares de opressões, falta de liberdades e misérias.

Os recursos naturais do planeta Terra e as melhores possibilidades materiais de existência da vida humana e das demais formas de vida estão se esgotando rapidamente pelo simples desejo de meia dúzia de animais humanos que não merecem esse poder todo de foder o mundo. "Meia dúzia" é forma de expressão: uma ínfima parcela da espécie está fodendo toda a espécie e o ambiente.

Um indivíduo de nossa espécie pode hoje destruir milhões de formas de vidas, ecossistemas inteiros e nada acontece a ele. Outro indivíduo pode dominar sistemas globais de comunicação ou de fornecimento de meios produtivos que fazem milhares de comunidades funcionarem, ou NÃO funcionarem, e milhões de humanos acham isso "normal". Um indivíduo pode inviabilizar milhões... e acham isso normal!

Privatização é isso, por exemplo. E até você que me lê, pode ser que ache isso normal.

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56 OUTONOS

Meu abril está terminando. Mais um mês de vida. Essa leitura do tempo é uma abstração humana, invenção da nossa espécie. Estou sobrevivendo na superfície deste planeta há 56 outonos.

Este animal que registra palavras nesta página virtual das plataformas digitais de nossos inimigos da humanidade sabe que os milhares de textos que produzi nas duas últimas décadas nessas páginas chamadas de "blogs" não vão durar para sempre aqui. Se um(a) produtor(a) de cultura do passado tivesse guardado sua produção numa "nuvem" como se faz hoje, jamais conheceríamos a produção dessa pessoa.

Meu caso vale para os milhões de textos e produções da criação humana das últimas três décadas: boa parte de todo o conhecimento de nossa espécie produzido dos anos noventa para cá está nas "nuvens" de meia dúzia de capitalistas. E quem está preocupado com isso? Muitas pessoas e instituições que já produziram conteúdo não guardaram sua produção em outras mídias.

Em um eventual mundo distópico, desses que queimam livros como em "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury, os ditadores e seus "bombeiros" não precisarão fazer nada mais que apertar um botão de "delete". Vaporizado!

Primeiro nos tornam usuários e dependentes e depois nos dominam pelo vício e pelo costume, pelas "facilidades", e pela perda da capacidade de viver sem aquela coisa.

Nas próximas etapas de disputas da espécie humana pelo espaço vital - o próprio planeta e seus recursos -, alguns detentores de tudo, absolutamente tudo, irão inviabilizar todas as comunidades-alvo simplesmente através do corte de energia e transmissão de dados. Eu e vocês, reles mortais, ficaremos iguais baratas tontas, sem ter o que fazer... sem energia elétrica, sem as parafernálias funcionarem...

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SISTEMATIZAÇÃO DE MINHA PRODUÇÃO TEXTUAL

E foi assim que percebi nas reflexões dos últimos tempos que não poderia mais priorizar nenhum de meus desejos pessoais como leitura dos clássicos da literatura mundial ou dos livros que gostaria de ler do que dedicar meu tempo livre possível para tratar dos milhares de textos que produzi e que não estão organizados e sistematizados de forma segura e cronológica como acho digno estarem.

Sigo relendo, diagramando, encadernando e sistematizando o que escrevi durante a fase mais produtiva de minha vida. Já encontrei textos que seguem válidos, já encontrei muita história coletiva, porque somos seres sociais, já refleti muito no presente mediante o que escrevi no passado. O que somos é feito do que fomos, como nos explica o professor Antonio Candido. Sei disso, percebo isso.

Os dois cadernos que finalizei nesta semana, que ilustram essa postagem, são exemplos do que estou dizendo. Um caderno é do primeiro mês do blog, de 2007, e nele Machado de Assis é o centro temático do blog. Outro, os primeiros três meses de 2025: um catatau de 300 páginas, com poesias próprias, com comentários sobre filmes, com reflexões diárias sobre livros, política, o mundo e a vida.

Eu sinto que não tenho um minuto a perder em relação ao trabalho que tenho que fazer com os milhares de textos de minha vida. Meu corpo me avisou que cansou, eu sinto isso ao contatar meu eu interior. Nos textos, estão registrados muitos momentos da minha passagem pelo mundo. Tenho que seguir na tarefa. Se eu completá-la, penso na vida no dia seguinte.

William


segunda-feira, 28 de abril de 2025

Globo: inimiga do Brasil e dos brasileiros

Comentário do blog:

Compartilho abaixo, texto do jornalista e escritor Fernando Morais, que enumera 60 fatos marcantes a respeito da história da emissora da família Roberto Marinho, emissora e grupo que há décadas se utilizam de seus veículos de comunicação para favorecer a si mesmos, as elites originárias das casas-grandes e para impedir que o Brasil e o povo brasileiro avancem política, econômica e socialmente.

Faço coro com Fernando Morais, a Globo é inimiga do Brasil e do povo brasileiro. É meu direito constitucional à opinião.

Ficarei feliz o dia que esse grupo de comunicação não existir mais ou existir sob controle de um grupo que use suas mídias em benefício do povo e do país.

William

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Imagem que usamos nas lutas populares
contra o golpe apoiado pela Globo em 2016.

Por: Fernando Morais (de sua página no Facebook)

As Organizações Globo e a família Marinho são inimigas do Brasil e dos brasileiros e assim devem ser tratadas.

1960-1970 (Gênese da Globo e apoio ao regime militar)

1.⁠ ⁠Firmou um acordo ilegal com o grupo Time-Life (1962–67)
2.⁠ ⁠Apoiou o golpe militar de 1964
3.⁠ ⁠Silenciou sobre a repressão no regime militar
4.⁠ ⁠Divulgou propaganda favorável ao AI-5 em 1968
5.⁠ ⁠Censurou jornalistas e políticos críticos à ditadura
6.⁠ ⁠Minimizou a importância da Passeata dos Cem Mil (1968)
7.⁠ ⁠Endossou o slogan "Brasil: Ame-o ou Deixe-o" (1970)
8.⁠ ⁠Promoveu o Milagre Econômico, ignorando a desigualdade
9.⁠ ⁠Ocultou mortes causadas por tortura nos anos de chumbo
10.⁠ ⁠Excluiu opositores da cobertura política durante a ditadura
11.⁠ ⁠Omitiu informações sobre corrupção nas grandes obras da ditadura
12.⁠ ⁠Consolidou um controle monopolista sobre o mercado de TV

1980-1990 (Ditadura e transição para a democracia)

13.⁠ ⁠Desconsiderou os primeiros comícios das Diretas Já (1984)
14.⁠ ⁠Blindou a eleição indireta de Tancredo Neves
15.⁠ ⁠Manipulou pesquisas Proconsult para prejudicar Brizola
16.⁠ ⁠Boicotou o governo Leonel Brizola e suas obras sociais
17.⁠ ⁠Endossou os primeiros planos econômicos do governo José Sarney contra a hiperinflação
18.⁠ ⁠Apoiou maciçamente a candidatura de Fernando Collor e criminalizou os líderes populares como Brizola e Lula
19.⁠ ⁠Manipulou a cobertura do debate eleitoral Lula x Collor (1989) no Jornal Nacional

1990-2000 (Redemocratização e ascensão neoliberal)

20.⁠ ⁠Defendeu o confisco da poupança no Plano Collor
21.⁠ ⁠Promoveu a abertura indiscriminada da economia brasileira
22.⁠ ⁠Escondeu escândalos durante o governo Collor até o impeachment
23.⁠ ⁠Veiculou o caso Escola Base (1994) sem verificar informações
24.⁠ ⁠Exaltou o Plano Real sem questioná-lo (1994)
25.⁠ ⁠Blindou as privatizações de FHC
26.⁠ ⁠Defendeu os bancos e o Proer durante a crise financeira
27.⁠ ⁠Apresentou apoio velado à Reforma da Previdência neoliberal de FHC
28.⁠ ⁠Ignorou o movimento "Fora FHC" no final dos anos 1990
29.⁠ ⁠Aceitou a emenda da reeleição de FHC e omitiu críticas ao câmbio artificial
30.⁠ ⁠Escondeu greves e protestos sociais durante os anos 90
31.⁠ ⁠Ignorou denúncias sobre trabalho escravo no campo
32.⁠ ⁠Criminalizou sistematicamente movimentos sociais

2000-2010 (Oposição ao governo Lula)

33.⁠ ⁠Liderou uma campanha contra Lula nas eleições de 2002
34.⁠ ⁠Estigmatizou o MST e outros movimentos sociais
35.⁠ ⁠Distorceu a cobertura do "mensalão" (2005)
36.⁠ ⁠Perseguiu figuras históricas do PT, como José Dirceu, José Genoino, entre outros
37.⁠ ⁠Favoreceu candidatos tucanos nas campanhas de 2006 e 2010

2010-2025 (Impeachment da Dilma e ascensão da extrema direita)

38.⁠ ⁠Rotulou manifestantes de 2013 como "vândalos"
39.⁠ ⁠Apoiou Aécio Neves à candidatura presidencial
40.⁠ ⁠Exaltou misoginia contra Dilma Rousseff durante a posse presidencial
41.⁠ ⁠Reforçou a narrativa favorável ao impeachment de Dilma Rousseff
42.⁠ ⁠Deu apoio irrestrito à operação Lava Jato
43.⁠ ⁠Divulgou os vazamentos seletivos da Lava Jato
44.⁠ ⁠Fortaleceu a narrativa anti-PT e criminalização do partido
45.⁠ ⁠Tratou o juiz Sergio Moro como um herói, ignorando sua parcialidade
46.⁠ ⁠Deu amplo espaço ao PowerPoint de Dallagnol
47.⁠ ⁠Chamou a tragédia de Brumadinho de "acidente"
48.⁠ ⁠Vazou conversa gravada ilegalmente entre Dilma Rousseff e Lula
49.⁠ ⁠Apoiou indiscriminadamente a prisão de Lula, que o excluiu da eleição de 2018
50.⁠ ⁠Ignorou o conluio entre Moro e Dallagnol e a Vaza Jato
51.⁠ ⁠Defendeu a Reforma Trabalhista e da Previdência de Temer
52.⁠ ⁠Endossou a entrega do pré-sal ao capital estrangeiro
53.⁠ ⁠Se aproximou oportunisticamente de Bolsonaro
54.⁠ ⁠Fez apologia ao agronegócio e ignorou sua destruição ambiental
55.⁠ ⁠Omitiu informações sobre as fake news nas eleições de 2018
56.⁠ ⁠Deu espaço a discursos antivacina e negacionistas
57.⁠ ⁠Continuou contratos publicitários com governos investigados
58.⁠ ⁠Apoiou a venda de estatais, como a Eletrobras, BR Distribuidora e refinarias
59.⁠ ⁠Fez campanha pelo Banco Central independente
60.⁠ ⁠Nunca fez uma autocrítica verdadeira sobre seu monopólio midiático

Fonte: Facebook de Fernando Morais

domingo, 27 de abril de 2025

Vendo filmes (XXVIII)


O que somos? Somos pais, tios, irmãos... raízes.

Refeição Cultural

Laços de família, identidade e memórias


Tenho relutado em escrever essas postagens reflexivas sobre filmes que mexem comigo. Elas dão muito trabalho para serem escritas, as pesquisas cansam e mergulho nas minhas ideias para produzir alguns parágrafos a respeito das temáticas que escolho desenvolver.

No entanto, vamos para mais uma postagem sobre bons filmes que assisti recentemente. 

Os três filmes em questão mexeram comigo. Todos abordam questões de laços de família, memórias e as identidades que temos como seres humanos aculturados em ambientes diversos. 

O personagem interpretado por Anthony Hopkins em "The father" (2021) me fez pensar muito no meu pai. Não porque meu pai se pareça com o personagem, mas porque Hopkins brilhou em interpretar muitos idosos com seus trejeitos e comportamentos cotidianos.

O personagem Polidoro, interpretado brilhantemente por José de Abreu em "Antes que eu me esqueça" (2018), também espelhou um tipo característico de idoso. E aí pensamos em nossos idosos e em nós mesmos num provável amanhã. 

A situação vivida pelo casal Cappadora e por seus filhos no filme "Nas profundezas do mar sem fim" (1999), com a minha eterna musa Michelle Pfeiffer, nos faz pensar nas relações familiares mais triviais e cotidianas, justamente aquelas que podem esconder os segredos mais profundos e nefastos.

O que somos nós? Cito dois mestres para responder a questão. 

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos." (Ensaio sobre a cegueira, José Saramago)

Ao pensar em pequenas maldades ou coisas ruins que fizemos no passado, às vezes em situações-limite ou não, sempre penso nessa frase do Ensaio de Saramago.

Aí, para conseguir suportar o que senti na situação acima, penso no ensinamento do professor Antonio Candido e me consolo:

"O que somos é feito do que fomos, de modo que convém aceitar com serenidade o peso negativo das etapas vencidas." (Formação da Literatura Brasileira, Antonio Candido)

Nos três filmes, pensamos muito em coisas do passado, em situações-limite vividas ou ainda por viver e como se darão as coisas quando for a nossa vez de vivê-las.

Olha, amigas e amigos leitores, todos nós podemos nos pegar nas situações das personagens dos filmes citados abaixo...

Então, é sentar-se, preparar o coração, sentir a imensidão de sentimentos gerados, e estarmos cientes de que talvez estejamos na pele de algum personagem contido nas três histórias. 

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FILMES


Meu pai (2021) - Direção: Florian Zeller. Roteiro de Zeller e Christopher Hampton. Com Anthony Hopkins, Olivia Colman, Mark Gatiss, Imogen Poots, Rufus Sewell, Olivia Williams.

SINOPSE: Um homem idoso (Anthony Hopkins) e bem-sucedido na vida, independente, recusa todo tipo de ajuda de uma de suas filhas (Olivia Colman) à medida que envelhece. Com o passar do tempo, ele passa a ter dificuldades de compreensão da realidade cotidiana e entra num processo de grande confusão mental, dando sinais de que está com algum tipo de doença associada à idade.

COMENTÁRIO: O filme nos causa grande impacto. Após ver a primeira vez, senti necessidade de vê-lo novamente algumas semanas depois. A interpretação de Anthony Hopkins é magnífica, digna do Oscar que ele ganhou. A possibilidade de desenvolver uma das doenças associadas ao avanço da idade - demência, Alzheimer e Parkinson - nos deixa bastante sensibilizados com a história do personagem. O filme é dramático! Nos vemos no lugar do pai, no lugar da filha, no lugar da cuidadora, e a situação é difícil para todos. Grande filme!

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Antes que eu me esqueça (2018) - Direção: Tiago Arakilian. Roteiro de Luísa Parnes. Com: José de Abreu, Letícia Isnard, Danton Mello, Guta Stresser, Mariana Lima e elenco.

SINOPSE: O juiz aposentado Polidoro (José de Abreu) compra uma boate de strip-tease, batendo de frente com a filha Beatriz (Letícia Isnard). filha mais próxima a ele, que acha que o pai não está bem das faculdades mentais. O conflito entre eles acaba na justiça e a consequência é a reaproximação entre o pai e o filho Paulo (Danton Mello), que estavam afastados há tempos.

COMENTÁRIO: O enredo trabalha a temática do envelhecimento e as consequências no cotidiano da pessoa idosa quando aparecem as doenças associadas à idade como, por exemplo, a demência, o Alzheimer e a perda da memória. Polidoro tem as dificuldades normais de reconhecer e aceitar sua nova condição. A direção trata de forma sensível e leve um tema dramático. Gostei do filme e mais uma vez fiquei pensativo sobre o tema das doenças degenerativas na terceira idade.

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Nas profundezas do mar sem fim (1999) - Direção: Ulu Grosbard. Roteiro: Stephen Schiff. Baseado no livro "The Deep End of the Ocean", de Jacquelyn Mitchard. Com: Michelle Pfeiffer, Treat Williams, Whoopi Goldberg e elenco.

SINOPSE: Uma mãe (Pfeiffer) viaja com os filhos pequenos para participar de um encontro com antigos amigos, desses encontros de turma de formatura. Um evento inesperado vai alterar para sempre a vida da família.

COMENTÁRIO: O enredo é daqueles nos quais, na minha opinião, o ideal é o espectador não ler sequer a sinopse que, normalmente, dá algum tipo de spoiler sobre os acontecimentos. Vi o filme sem saber de nada. Com isso, me envolvi bastante com a história da família protagonista. No final, engasguei-me e chorei ao ouvir o que um irmão disse ao outro em relação a acontecimentos do passado.

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É isso!

Mais uma contribuição do blog sobre filmes que valem a pena serem vistos.

Caso queiram ler o comentário anterior dessa série, é só clicar aqui.

William 


sábado, 26 de abril de 2025

Livro: Papéis Avulsos (I), Machado de Assis



Refeição Cultural 

"Este título de Papéis Avulsos parece negar ao livro uma certa unidade; faz crer que o autor coligiu vários escritos de ordem diversa para o fim de os não perder. A verdade é essa, sem ser bem essa. Avulsos são eles, mas não vieram para aqui como passageiros, que acertam de entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma mesma família, que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa." (Advertência, Machado de Assis, outubro de 1882)


1. O alienista

2. Teoria do medalhão 

3. A chinela turca

4. Na arca


Ao trabalhar na revisão e encadernação de minhas postagens nos blogs, fiquei satisfeito com a constatação de ter começado o Refeitório Cultural com Machado de Assis. 

Os textos do Bruxo do Cosme Velho são de domínio público e comecei o blog de cultura com o conto "O alienista", lá em 2007. Este clássico poderia ser lido de tempo em tempo ao longo da vida das leitoras e dos leitores. Já o li inúmeras vezes nas últimas duas décadas. Ele nos faz entender o Brasil e os seres humanos, por isso seu caráter universal. 

Os primeiros textos do blog têm relação com o mestre Machado de Assis. 

A minha edição de Papéis Avulsos está dividida em dois volumes. Já li todos os contos muitas vezes. 

Ao lermos a "Teoria do medalhão", percebe-se a universalidade da gente vulgar que ocupa as casas-grandes e a tal Faria Lima. Janjão recebe instruções de seu pai como essa gente do "agro pop" e seu universo sertanejo. Pai e filho são os caracteres da "Elite do atraso" descrita pelo sociólogo Jessé Souza. 

Da mesma forma, vemos a atualidade da crítica de Machado ao compor no conto "A arca" os novos capítulos introduzidos no Gênesis. Somos essa coisa humana descrita no conto através dos filhos de Noé, Sem e Jafé. Parece que a gente não tem jeito mesmo...

"O melhor drama está no espectador e não no palco"

A lição do conto "A chinela turca" está aí para qualquer um de nós avaliarmos...

Leiam Machado de Assis, leiam! 

William 


quarta-feira, 23 de abril de 2025

Diário e reflexões


Pôr do sol no paraíso: Parque do Sabiá.

Refeição Cultural

Quarta-feira, 23 de abril de 2025.


Ando sem vontade de escrever. O pior é que escrever é um hábito de vida. Ao escrever, existo. Se não registrar alguma coisa, talvez eu nem exista. 

O adoecimento de minha mãe, nesses últimos dias, é um dos motivos de minha apatia. Minha leitura política da realidade do mundo é outro deles. No entanto, existo. Se existo, preciso escrever algo. Penso, logo existo...

Mãezinha dodói. Mas vai melhorar.

Fui a Uberlândia nesse feriado de Páscoa sem ter programado a ida. Minha mãe de 78 anos não estava bem e precisei ir até lá para dividir os cuidados com meus familiares. Ela pegou dengue ao mesmo tempo em que combate uma infecção de urina. E já é uma idosa com comorbidades como boa parte dos idosos. Vários familiares pegaram dengue por lá.

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A PERMANECER O INDIVIDUALISMO DO CAPITALISMO, PERECEREMOS TODOS, OS 99% MISERÁVEIS E O 1% ESTÚPIDO E CAPITALISTA. NÃO HÁ SAÍDA FORA DA COOPERAÇÃO SOCIAL

Por ter formação política e o conhecimento que acumulei na existência, fico refletindo sobre como deveria ser a sociedade humana neste momento da história e os porquês de estarmos cada dia numa condição social pior do que deveríamos estar.

Temos que superar o capitalismo antes que o capitalismo impossibilite a vida na Terra. Não sei se teremos tempo histórico para isso. Tenho dúvidas. Parece que os inimigos estão avançando e o nosso lado com ideais de uma sociedade mais cooperativa e sustentável vai perdendo a batalha pela vida.

A tecnologia que temos criado tende a permitir que os humanos não precisem mais trabalhar na produção de bens materiais necessários à vida. Cada vez menos humanos serão necessários nos cotidianos produtivos do mundo. O desemprego será de 70 a 80% da humanidade. Temos que distribuir a riqueza produzida e dedicarmos nosso tempo à evolução humana, com mais cultura, ciência e sociabilidade.

No entanto, se não mudarmos a forma como o mundo está organizado, pelo capitalismo neoliberal, haverá uma falência da sociedade humana e a destruição do planeta Terra será em um nível sem volta. E quem está discutindo e lutando pelo fim do capitalismo? As "esquerdas" com maiores volumes de militantes e eleitores não discutem mais o fim do capitalismo.

Mais uns anos e serei
mais um idoso do mundo.

A sociedade humana terá cada vez mais idosos, serão números impressionantes nas próximas décadas. Era para os Estados, as comunidades humanas, organizarem sistemas eficientes de assistência e cuidados para grandes grupos que necessitam de estruturas coletivas de apoio como idosos, deficientes e mães com crianças. Seria um dos maiores setores de mão de obra humana das sociedades do presente e futuro. Mas onde estão discutindo e organizando isso?

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Ao ver aquela casa dos meus pais com dois idosos cheios de comorbidades, uma idosa com 78 anos e um idoso com 82, vivendo praticamente sós nos afazeres de sobrevivência diária, e saber que essa já é a realidade da maioria dos domicílios familiares do país - idosos, pessoas com necessidades de auxílio e mães com crianças em milhões de lares -, fico desanimado ao ver que não há projetos para melhorar a vida dos 215 milhões de pessoas que vivem no Brasil.

Óbvio que o nosso governo do presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores tem projetos de melhorias para a vida do povo brasileiro. E poucos partidos políticos têm foco no bem-estar do povo. Poucos e o PT é um deles. O maior deles.

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A gente sente uma impotência grande ao ver a realidade e não conseguir mudá-la.

Eu sei que uma pessoa de esquerda não deve ser pessimista, temos que ter esperança num amanhã melhor porque somos seres históricos e fazemos a história... mas que tá foda, tá foda.

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A morte do Papa Francisco foi uma grande perda para nós neste momento da história do mundo. Falei a respeito semanas atrás (ler aqui).

Eu poderia escrever sobre alguns temas que estão em evidência na política geral e na questão particular do movimento sindical e da comunidade do Banco do Brasil. 

Minhas memórias - Acho que vou utilizar meu tempo para falar de coisas mais pessoais. Vou seguir sistematizando os milhares de textos que fiz nas últimas duas décadas. 

Pensamentos de meus pais - E vou organizar textos de meu pai e de minha mãe, ambos escreveram muita coisa e esses documentos são a nossa história, a história de uma família brasileira.

William


sábado, 19 de abril de 2025

Hereges



Umberto Eco ambientou um romance no século XIV, na região de reinos que viria a ser a Itália no século XXI. Falo do livro "O Nome da Rosa", de 1980.

Naquele tempo, se queimavam pessoas em praça pública. Os inquisidores tinham poder de vida ou morte sobre os seres humanos. 

Um dia, no caixa da agência do Banco do Brasil, estava conversando com uma colega de trabalho, quando disse a ela que era ateu (herege). Ela me olhou com os olhos vidrados, estupefata, e depois do choque, me disse que até então eu era uma pessoa muito legal. Era o ano dois mil, fim do século XX.

Da ambiência do romance de Umberto Eco, na idade média, até o século XXI, os seres humanos desenvolveram ciências por quase 700 anos. Criamos tecnologias antes impossíveis sequer de imaginar. 

No entanto, pelas consequências do que fizemos nesses séculos de ciência, e por sermos o que somos, seres dotados de um cérebro altamente desenvolvido, mas crédulos em qualquer abstração inventada por um de nós, vamos desaparecer da Natureza.

As pombas, as galinhas, baratas, quiçá animais mais complexos, que já habitavam a Natureza antes de nós, talvez sigam por aqui, nos destroços que deixarmos.

A Terra voltará a ser habitada somente por hereges. Os deuses já se empapuçaram desses crentes que matam, enganam e destroem em nome deles.

William 


sexta-feira, 18 de abril de 2025

Livro: A morte de Ivan Ilitch - Lev Tolstói



Refeição Cultural 

"'Aí está, morreu; e eu não' - pensou ou sentiu cada um. Quanto aos conhecidos mais próximos, os assim chamados amigos de Ivan Ilitch, pensaram então involuntariamente também que precisavam, agora, cumprir umas obrigações muito cacetes, ir às exéquias, e também fazer uma visita de pêsames à viúva." (A morte de Ivan Ilitch, Lev Tolstói, 2015, p. 9)


Peguei Lev Tolstói para ler novamente a história de Ivan Ilitch.

Estou me sentindo meio Ivan Ilitch. Deve ser por isso que peguei Lev Tolstói. 

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O primeiro capítulo já começa contando aos leitores que Ivan Ilitch morreu. Deu no jornal. 

As pessoas da relação cotidiana no trabalho de Ivan Ilitch souberam da notícia e tiveram que fazer as exéquias ao morto e família. 

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No segundo capítulo, conhecemos a história de Ivan Ilitch: 

"um homem capaz, alegre, bonachão, comunicativo, mas um severo cumpridor daquilo que considerava seu dever; e considerava como seu dever tudo aquilo que consideravam como tal as pessoas mais altamente colocadas. Não era um adulador quer quando menino, quer já homem feito..." (p. 18)

Ivan Ilitch cresceu profissionalmente, casou-se, formou família. 

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"(...) Quando a instalação ia em meio, já superava a sua expectativa. Compreendeu o caráter comme il fault, elegante, nada vulgar, que tudo assumiria depois de pronto. (...) De uma feita, subiu numa escadinha, a fim de mostrar ao forrador de paredes, que não o estava compreendendo, como ele queria o serviço, tropeçou e caiu, mas, sendo forte e ágil, conseguiu segurar-se e chocou-se apenas de lado com o ressalto de uma moldura. O machucado lhe doeu, mas a dor passou logo. Durante todo esse tempo, Ivan Ilitch sentia-se particularmente alegre e com saúde..." (p. 30/31)

E então, certo dia, Ivan Ilitch sofre um pequeno acidente doméstico, uma queda. Aparentemente, sem consequências, deixando nele um pequeno hematoma na região. 

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Os prazeres 

"(...) Quanto aos prazeres de Ivan Ilitch, consistiam nos pequenos jantares, para os quais ele convidava senhoras e cavalheiros de elevada posição social, e essa maneira de passar o tempo com eles assemelhava-se à maneira habitual pela qual estes o passavam, de tal modo como a sua sala de visitas assemelhava-se a todas as salas de visitas." (p. 34)

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As alegrias 

"(...) As alegrias no serviço eram alegrias do amor-próprio; as alegrias em sociedade eram alegrias da vaidade; mas as verdadeiras alegrias de Ivan Ilitch eram as do uíste..." (p. 34/35)

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A doença 

"- Nós, doentes, provavelmente fazemos ao senhor muitas vezes perguntas inconvenientes. Num sentido genérico, é uma doença perigosa ou não?...

O médico olhou-o com severidade, com um olho só, por trás dos óculos, como se dissesse: acusado, se o senhor não se mantiver nos limites das perguntas que lhe são apresentadas, serei obrigado a tomar providências para o seu afastamento da sala das sessões..." (p. 38)

Com o passar do tempo, Ivan Ilitch se torna uma pessoa irritadiça, com certo gosto amargo na boca e indisposição às refeições. 

Isso afeta as relações de todos na família. 

Ivan Ilitch sente na consulta com o médico famoso o que imagina (agora na condição subalterna) sentir as pessoas sob seu crivo quando está exercendo sua autoridade de juiz: um bosta.

Saiu da consulta sem saber se era grave ou não o que tinha.

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Caio é mortal... mas Ivan também?

"O exemplo do silogismo que ele aprendera na Lógica de Kiesewetter: Caio é um homem, os homens são mortais, logo Caio é mortal, parecera-lhe, durante toda a sua vida, correto somente em relação a Caio, mas de modo algum em relação a ele. Tratava-se de Caio-homem, um homem em geral, e nesse caso era absolutamente justo; mas ele não era Caio, não era um homem em geral, sempre fora um ser completa e absolutamente distinto dos demais, ele era Vânia (diminutivo de Ivan), com mamãe, com papai..." (p. 49)

Os médicos divergiam quanto ao diagnóstico da doença de Ivan Ilitch (lembrando que estamos na década de 1880).

Segundo alguns diagnósticos, o problema poderia ser no ceco. 

O ceco é uma das partes do intestino grosso, órgão composto pelos cólons ascendente, transverso, descendente, sigmoide, reto e ânus. O ceco fica ao lado do apêndice. Imaginem o tratamento do sistema digestório no século XIX...

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Acolhido pelo mujique Guerássim

"(...) via que ninguém haveria de compadecer-se dele, porque ninguém queria sequer compreender a sua situação. Guerássim era o único a compreendê-la e a compadecer-se dele..." (p. 56)

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O silêncio constrangedor (e o blá blá blá da mentira)

"No meio da conversa, Fiódor Pietróvitch lançou um olhar a Ivan Ilitch e calou-se. Os demais olharam o doente e calaram-se também. Ivan Ilitch dirigia para frente os seus olhos brilhantes, provavelmente indignação com todos. Precisava-se consertar isto, mas não havia nenhum jeito de consegui-lo. Devia-se de algum modo romper aquele silêncio. Ninguém se decidia, e todos estavam com medo de que de repente fosse rompida a mentira decente, e se tornasse claro a todos aquilo que na realidade existia..." (p. 64)

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O fim

A novela caminho para o fim, ou seja, o início: a morte de Ivan Ilitch. 

O ser humano moribundo vivência seus últimos momentos na Terra. 

Tolstói descreve de maneira única e sensível os últimos dias de um moribundo. 

Eu fico por aqui na postagem. A riqueza de detalhes fica para cada leitor(a).

Foi minha terceira leitura de "A morte de Ivan Ilitch" (1886).

Ando me sentindo meio Ivan Ilitch... espero viver bastante e ter um fim diferente do fim do personagem clássico.

William 


Bibliografia:

TOLSTÓI, Lev. A morte de Ivan Ilitch. Tradução, posfácio e notas de Boris Schnaiderman. Texto em apêndice: Paulo Rónai. São Paulo: Editora 34, 2009 (2a edição).

O privilégio da branquitude



Estava caminhando pela avenida. Ao ver uma viatura da milícia do governo fascista não senti medo de uma eventual abordagem de rotina. Sou branco.

Não consigo ser feliz em uma sociedade assim. Podem me chamar do que quiserem.

O privilégio da cor da minha pele pesou em meu percurso de vida desde minha primeira venda de horas de trabalho aos onze ou doze anos. 

Ao entrarem na sala de aula do Hortêncio Diniz e me escolherem para aquele emprego de ver TV e anotar os comerciais, num bairro pobre e de maioria preta ou parda, sem dúvida o racismo estrutural pesou para escolherem aquele menino branco "bonitinho".

Por mais esforçado que tenha sido em qualquer venda de minha força de trabalho, por quase quarenta anos, tenho claro que a cor branca de minha pele pesou no meu percurso de vida no Brasil. 

Meritocracia o caralho!

William 

Poema 26: Quando o corpo cansa


QUANDO O CORPO CANSA


Toquei em silêncio as árvores

do fundo do condomínio.

Elas não sabem que podem morrer.

Só nós sabemos da morte.


Sem ânimo pra falar de política,

de filmes, de livros, da vida.

Apesar de pertencer às coisas, 

não sinto pertencimento a nada.


Filmes sobre velhice e senilidade.

Os personagens: espelhos de todos nós.

O tempo chegou para meus pais...


Pior que não é só o tempo que chega.

Tem a genética, o percurso, a vida vivida.

Sei disso... Meu corpo cansou também.


William

18/04/25


segunda-feira, 14 de abril de 2025

Diário e reflexões


Genoino e Luna: inspiração e esperança.


Refeição Cultural 

Segunda, 14 de abril de 2025. Madrugada.


O mundo humano segue seu curso. A natureza segue impactada pelas ações do mundo humano. O ser humano segue sendo uma espécie extraordinária, capaz de realizações que nenhuma outra espécie seria capaz de fazer. Mas iniciamos uma nova semana sem mudança substancial na tendência de destruição do planeta e da sociabilidade humana. Na minha leitura de mundo, o mal segue vencendo disparado o duelo contra a vida.

O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) está em greve de fome em protesto contra os homens do mal que dominam a política brasileira e o parlamento nacional: querem cassar o mandato dele por denunciar o orçamento secreto e por ser uma das vozes honestas do povo. Estamos contigo, Glauber!

O direitista Noboa seguirá mandando na política do Equador. Trump... vocês já sabem. Bolsonaro passa bem, dizem que ele teve nó nas tripas de novo: sigo afirmando que ele não será preso, infelizmente. A Globo segue existindo e fazendo o mal que faz há cem anos ao Brasil: é uma doença pestilenta passada de geração a geração.

Meus familiares com dengue em Minas Gerais vão se recuperando. Minhas primas que passaram por cirurgias estão se recuperando. Minha mãe e meu pai nos dão a felicidade de estarem entre nós: cada um a seu modo influenciou a minha vida. 

Vivendo do passado... Por mais que tente evitar, não tem jeito. Estou com a cabeça no passado; até quando durmo, não me vejo livre do passado. Na minha memória, o passado teima em permanecer. Na vida concreta, no instante cotidiano, não tenho mais passado algum. O passado não existe. O que tenho é o presente: esta segunda-feira que começa e que seguirá para mim caso eu acorde nela.

Ações da semana 

Na quarta-feira, assisti pela internet, por mais de 3 horas, a apresentação do resultado do exercício de 2024 da nossa Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil. Fui gestor eleito da autogestão (2014-2018). Não vou registrar minhas impressões sobre o resultado e sobre a gestão: uma espécie de autocensura.

Participei de uma reunião política de nosso Partido dos Trabalhadores, do diretório zonal do Butantã, de boas-vindas aos quase trezentos novos filiados e filiadas (a maioria é de mulheres). Fui principalmente para ouvir duas pessoas que me inspiram e que simbolizam a esperança na luta política: o companheiro José Genoino e a companheira Luna Zarattini, duas gerações de militância que honram o PT.

Fomos visitar familiares no Rio Pequeno e o centro das atenções é a nova vida que aquece o coração de todo mundo: o Theo, um nenê de três meses de idade. Sempre que vejo crianças e mães, sinto um misto de esperança e frustração com a sociedade humana. A vida é oportunidade diária de coisas boas. O mundo humano é ruim porque é dominado por homens e pelo capitalismo. Poderíamos ter uma sociedade acolhedora às mães e seus bebês: não temos. Me solidarizo com todas as mulheres do mundo.

Aulas de teatro no Lélia Abramo sob
orientação do ator e diretor Celso Frateschi.

No domingo, a convite da companheira Deise Lessa, participei de um grupo de teatro amador e popular coordenado pelo grande ator e diretor Celso Frateschi. Foi uma manhã de muita energia criativa. Ainda lemos Bertolt Brecht.

Arte é uma habilidade humana extraordinária. Duas características que nos fazem humanos: educação e arte.

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Devo persistir no difícil trabalho de sistematizar os milhares de textos que produzi ao longo de duas décadas de blogs. Os cadernos do blog sindical e do blog de cultura devem ser meu foco neste ano. As leituras podem seguir, de forma lenta, o que eu não posso é deixar de organizar meus textos.

"O que somos é feito do que fomos, de modo que convém aceitar com serenidade o peso negativo das etapas vencidas." (Antonio Candido)

Tenho dois momentos distintos em minha passagem pelo mundo: um, até uns trinta anos de idade, outro, após ter virado dirigente político da classe trabalhadora. Na vida antes dos trinta, sobrevivi ao ódio e à depressão por sorte e pelo amor. Na vida posterior, a politização me mudou bastante e fui alguém que interferiu positivamente na vida pública e coletiva das pessoas. Enfim, o que somos é feito do que fomos, como ensina o professor Antonio Candido.

Pensando em minha produção textual e no passado - o meu passado que só existe na minha memória e nos textos que produzi -, e muito impactado pelo filme "Meu pai" (2021), com Anthony Hopkins, que revi nesta semana, reforça em mim a necessidade de coletar e organizar o que tenho escrito.

Vamos para mais uma semana, se meu corpo animal permitir.

William


quinta-feira, 10 de abril de 2025

Nada mais será como antes - Miguel Nicolelis (13)



Refeição Cultural 

"Sem tempo para respirar ou recalibrar seus pensamentos, Omar e Tosca viam como as hordas de mongóis a as caravanas que cruzavam a Ásia Central trouxeram na pele dos seus cavalos e camelos as pulgas infectadas que espalharam a bactéria que causou a peste bubônica, que ficou conhecida como a morte negra, por toda a Europa. Somente esta pandemia matou, em algumas localidades, por volta de metade da população. E esse efeito devastador desempenhou um papel fundamental em eventos europeus, como a segunda fase da Guerra dos Cem Anos..." (Nada mais será como antes, Miguel Nicolelis, 2024, p. 264)


Enquanto lia o romance do neurocientista e escritor Miguel Nicolelis, imaginava as cenas das grandes batalhas e morticínios provocados por nossa espécie animal ao longo de milhares de anos. Somos isso...

No romance, o capítulo 15 - "O terceiro sonho: o aviso final" - descreve grandes batalhas ocorridas na história humana: egípcios contra hititas, gregos contra persas e outras mais. 

Os personagens centrais - Tosca e seu tio Omar - estão compartilhando o mesmo sonho como se fossem uma brainet, uma rede cerebral interligada.

Estou curioso para saber o desfecho da ficção. Estou na metade do romance. 

Ainda vai demorar para chegar ao fim do livro. Estou lendo aos poucos. 

Sigamos.

William 

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Poema 25: A era da autocensura


A ERA DA AUTOCENSURA


Falar mal do Trump gera expulsão nos EUA.

Falar mal de Netanyahu gera expulsão na Alemanha. 

Se criticar o sionismo nas big techs toma suspensão:

é "antissemitismo" criticar Israel.


Não se pode criticar o arcabouço fiscal do Lula.

Divergir de liderança mulher pode ser misoginia.

CBF impôs: é proibido subir na bola...

(fazer embaixadinhas... driblar, talvez).


Pensando bem... 

acho que vou me autocensurar.

Cassi, BB, movimento sindical,

Partido dos Trabalhadores...


E daí que se conhece

um pouco da história?

Cale-se! (afasta de mim esse cálice)


William

09/04/25


segunda-feira, 7 de abril de 2025

Poema 24: Ao modo Mario Quintana


AO MODO MARIO QUINTANA


A vida foi assim:

Quando vi, era criança feliz no Jardim Ivana.

Quando vi, era criança infeliz no Marta Helena.

Quando vi, era ódio e vontade de morrer.

Me vi mudado, organizando o mundo.

Quando fui ver, estava cancelado, por quê, não sei.

Faria diferente se outra oportunidade tivesse?

Não! Fiz o melhor que pude do meu tempo.


William Mendes

15/01/25 (Diálogo com o poema "Seiscentos e sessenta e seis)


Casa-grande & Senzala (2)



Refeição Cultural 

CASA-GRANDE & SENZALA


"Foi o estudo de antropologia sob a orientação do professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor - separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural. Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura; a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural e de meio. Neste critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura assenta todo o plano deste ensaio. Também no de diferenciação entre hereditariedade de raça e hereditariedade de família." (Casa-grande & Senzala, Gilberto Freyre, 2011, p. 32)


Li hoje mais algumas páginas do Prefácio à 1a edição (1933) do ensaio de Gilberto Freyre. Lendo-o quase um século depois de sua época, o leitor tem que relevar muita coisa para seguir na leitura. 

Senti o mesmo mal-estar ao ler Os sertões, de Euclides da Cunha. Naquela época, eram dominantes teorias bastante questionáveis como o positivismo e a crença na eugenia.

Enfim, a leitura e os estudos são atividades fundamentais para nos diferenciar das demais espécies animais. 

Os tempos e os donos do poder, as ideologias dominantes, atuam para que eu e vocês nos comportemos como gados, como bichos irracionais. Ou como idiotas crédulos.

Seguirei até o último dia de vida tentando ser um ser humano, um homo sapiens. E um ser dotado de ética.  

William 


Post Scriptum: o texto anterior pode ser lido aqui.


sábado, 5 de abril de 2025

Uma história da leitura: Leitura das sombras



Refeição Cultural 

"No momento em que o primeiro escriba arranhou e murmurou as primeiras letras, o corpo humano já era capaz de executar os atos de escrever e ler que ainda estavam no futuro. Ou seja, o corpo era capaz de armazenar, recordar e decifrar todos os tipos de sensação, inclusive os sinais arbitrários da linguagem escrita ainda por ser inventados. Essa noção de que somos capazes de ler antes de ler de fato - na verdade, antes mesmo de vermos uma página aberta diante de nós - leva-nos de volta à ideia platônica do conhecimento preexistente dentro de nós antes de a coisa ser percebida. A própria fala desenvolve-se segundo um padrão semelhante. 'Descobrimos' uma palavra porque o objeto ou ideia que ela representa já está em nossa mente, 'pronto para ser ligado à palavra '. É como se nos fosse oferecido um presente do mundo externo (por nossos antepassados, por aqueles que primeiro falam conosco), mas a capacidade de apreender o presente é nossa. Nesse sentido, as palavras ditas (e, mais tarde, as palavras lidas) não pertencem a nós nem a nossos pais, aos nossos autores: elas ocupam um espaço de significado compartilhado, um limiar comum que está no começo da nossa relação com as artes da conversação e da leitura." (Uma história da leitura, Alberto Manguel, 1999, p. 50)


No capítulo "Leitura das sombras" Manguel nos conta a história dos estudos ao longo dos séculos para tentar entender essa capacidade extraordinária do ser humano de escrever e ler, já que somos seres falantes.

Vamos descobrindo o que a ciência de cada época humana foi apontando sobre a capacidade humana de falar, escrever e ler.

Achei muito legal a imagem final do capítulo: quando estou lendo é como se por trás de mim, lessem também as sombras dos leitores que vieram antes de nós, a ideia clara de que somos fruto de processos coletivos e compartilhados de cultura.

"(...) ao seguir o texto, o leitor pronuncia seu sentido por meio de um método profundamente emaranhado de significações aprendidas, convenções sociais, leituras anteriores, experiências individuais e gosto pessoal. Lendo na academia do Cairo, al-Haytham não estava sozinho; como se lessem por sobre seus ombros pairavam as sombras dos eruditos de Basra que haviam lhe ensinado a sagrada caligrafia do Corão na mesquita de Aristóteles e seus lúcidos comentadores, dos conhecidos casuais com quem al-Haytham teria discutido Aristóteles, dos vários al-Haythams que ao longo dos anos tornaram-se finalmente o cientista que al-Hakin convidou para sua corte." (p. 53)


Apesar de todas as convenções sociais e histórias anteriores de leituras do texto que você está lendo, sua leitura é única, é nova, é sua.

Pensa no poder disso! Pensa!

Por isso, nós leitores somos tão temidos por nazifascistas, manipuladores da fé, ignorantes em geral, governos autoritários, instituições e empresas, porque ler é poder!

William 


sexta-feira, 4 de abril de 2025

Livro: Cachorro Velho - Teresa Cárdenas



Refeição Cultural 

Abril de 2025


"Até parecia que todos queriam lhe tirar alguma coisa: o senhor o arrebatara à sua mãe; o fogo levara Aroni, a contadora de histórias; sua memória perdia pedaços de Ulundi; o vento lhe roubara a manta e o chapéu; e agora a vida ou a morte, ainda não sabia ao certo, estava lhe tirando pouco a pouco os sentidos. Nesse passo, não levaria para o além nada que prestasse. Mas também, no lugar para onde iria, nada lhe faria falta." (Cachorro Velho, Teresa Cárdenas, 2021, p. 100)


Que história! Que retrato da nossa história! Somos todos nós descendentes da invasão ("colonização") europeia violenta, genocida e bárbara!

Na gênese dos povos das Américas e Caribe existe um passado comum, uma espécie de pecado original: a escravidão. 

A origem de nossas comunidades atuais está marcada com o sangue, o suor e as lágrimas dos povos africanos sequestrados e seus afrodescententes escravizados.

A escritora cubana Teresa Cárdenas é muito habilidosa na sua técnica narrativa. O livro Cachorro Velho (2006) é envolvente da primeira à última página. Difícil largar a leitura antes do fim.

A história de Cachorro Velho, de Beira, Aísa e todas as pessoas escravizadas naquela Cuba do século XIX é duríssima, é de cortar o coração dos leitores.

Livro indispensável nos tempos atuais. História comovente.

Ganhei o livro de presente de aniversário de esposa e filho.

Recomendo muito a leitura.

William 

 

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Poema 23: 3 de abril


3 DE ABRIL


A sinfonia das cigarras.

A caminhada no Parque.

O cheiro úmido da relva.

A vida verde no tronco caído. 

A caminhada e a dor no quadril.

Os olhos e a visão da natureza. 

A vida nas pernas e nos olhos.

O sol, o cheiro, o som e a vida.

A epifania da manhã no Parque.

As substâncias da vida.


A tarde e o cotidiano da vida.

O cotidiano da vida nas noites.

As poucas lembranças do dia.

As mesmas questões colocadas.

A manhã, a tarde, a noite.


O dia termina. 

A vida segue.


William 

03/04/25


terça-feira, 1 de abril de 2025

Instantes de leitura (e da vida)



Refeição Cultural

"Porque pictura est laicorum literatura" (O Nome da Rosa, Umberto Eco, 2003, p. 48)


Eu já havia lido quase duzentas páginas deste clássico de Umberto Eco quando tive a consciência de que estava lendo mal o romance. Parei. 

A lição de Paulo Freire é séria: não importa a quantidade e sim a qualidade da leitura. 

Recomecei a ler e sem pressa O Nome da Rosa (1980). Ler sem me concentrar e viajar na história com Adso de Melk e o Frei Guilherme de Baskerville seria pura perda de tempo, um tempo que não tenho de sobra mais. 

Na passagem que li hoje, a dupla de personagens está admirando o portal da igreja que compõe o conjunto arquitetônico da abadia que visitam. Eles estão hipnotizados com as pinturas desenhadas no portal.

Ler com atenção é a única leitura que dá prazer. Até a citação em latim entendi sem precisar de tradução. A lição é antiga: como o povo era analfabeto, eram as pinturas que contavam as histórias e passagens dos livros sagrados.

Enquanto lia as descrições das figuras que Adso de Melk nos contava, fiquei me lembrando das pinturas e esculturas em relevo que vi em igrejas famosas na Itália e outros lugares. É algo espetacular!

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"Você não pode embarcar de novo na vida, esta viagem de carro única, quando ela termina" (p. 37/38)

Quanto ao livro de Alberto Manguel, Uma história da leitura (1999), livro que marcou minha história da leitura, o peguei pra ler como um crente com sua Bíblia. 

A mensagem acima parece ter sido escrita para mim...

Não poderia perder um segundo desta viagem única, pois não poderei embarcar nela novamente, como podemos fazer com os livros, como eu fiz com o do Umberto Eco. 

Estou vivendo esta viagem única da mesma forma que estava lendo Umberto Eco meses atrás...

Que foda.

William