terça-feira, 31 de dezembro de 2019

95ª São Silvestre: deu tudo certo pra mim!



Pensa o trabalho que dá pra percorrer
o caminho que leva a essa medalha...

Refeição Cultural

Correu tudo bem na minha 10ª participação na corrida de São Silvestre, que este ano completou 95 edições. Poderia dizer que as ondas de arrepio que percorrem nosso corpo nos quilômetros finais traduzem a sensação gostosa de vencer o desafio de correr 15 Km num dia de quase 30º de calor na cidade concreto São Paulo.

Eu estava muito ansioso em relação à minha participação e sequer consegui dormir à noite. Uma mescla de receio de me contundir no meio da prova e não completá-la e a expectativa de voltar à prova mais charmosa do calendário anual, com uma multidão de cerca de 35 mil inscritos se apertando pelas ruas e pontos históricos de São Paulo; isso fez com que eu ficasse bem tenso nos últimos dias.

Ao reler a postagem que fiz em 2016, me despedindo da prova por causa das péssimas condições da organização do evento, desrespeitando os participantes que não tiveram sequer água para se hidratarem direito (ler aqui), posso dizer que neste ano a organização se saiu melhor. Não faltou água em nenhum dos 7 postos programados, a entrega da medalha foi bem tranquila e, antes da prova, a retirada do kit também foi eficiente, não houve filas gigantes.


Pensa uma multidão...

Na questão de avaliação pessoal, completar a prova e no tempo médio que sempre fiz foi algo que me deixou feliz. Completei a prova em 1h55. 

O ano em que completei 50 anos trouxe-me surpresas desagradáveis em relação à saúde. Foi um ano de dores no quadril, na coluna e de mudanças físicas. De uma hora para outra, o corpo já não responde como era até ontem. E a gente tem que aprender a lidar com isso. Somos hoje o que sobrou de ontem. Essa é uma frase que conheço desde muito jovem.

Em relação ao futuro, a fazer planos e planejar metas esportivas e desafios corporais, as coisas estão muito estranhas em minha cabeça. Da mesma forma que senti algo estranho ao fazer pela enésima vez a Romaria em agosto, senti hoje a mesma coisa. Não sei se farei de novo a Romaria, não sei se correrei de novo a São Silvestre. Não sei se vou seguir correndo provas no próximo ano ou se vou fazer caminhadas introspectivas.

Meu ser está todo contaminado pela destruição de nosso mundo a partir do golpe de Estado em 2016, a partir da descoberta que parte de nosso povo é má, sempre foi, e agora está claro isso. Quando olho para trás, através dos ensaios literários, antropológicos e filosóficos sobre o Brasil, e também refletindo sobre a maldade nas pessoas da família, nos vizinhos, nos colegas de trabalho, nas pessoas comuns do cotidiano, fica evidente que nos enganávamos. O bolsonarismo é o espelho de parte de nosso povo. Não sei como aceitar isso e ser feliz.

Bem, deu tudo certo na São Silvestre. Não me contundi. Conversei muito com meu corpo. Nunca me concentrei tanto. Neste ano, sequer vi as coisas engraçadas ao redor, de tanto que estava focado em mim, na minha energia, na minha corrida. No entanto, passada a emoção, o prazer do objetivo alcançado, as coisas voltam ao normal, estão sem sentido.

Não desisti de nada. Quero encontrar sentidos. Só que o país, o povo, o contexto, o momento mundial não ajudam. Sigo procurando mesmo assim.

I still haven't found what I'm looking for...

William

Post Scriptum:

Decidi correr a São Silvestre no início de novembro, justamente para buscar sentidos. Durante os dois meses, fiz um treinamento monitorado por mim mesmo. Foram 18 treinos e percorri cerca de 90 Km durante o período. Isso foi fundamental para a realização da corrida hoje. Ver aqui a postagem sobre o treinamento.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Leitura: Cacau (1933) - Jorge Amado




Refeição Cultural

"Tentei contar neste livro, com um mínimo de literatura para um máximo de honestidade, a vida dos trabalhadores das fazendas de cacau do sul da Bahia.
     Será um romance proletário?" (Nota no início do romance de J. Amado. Rio, 1933)


A leitura deste romance de Jorge Amado, cuja estória se passa no início dos anos trinta, se deu num contexto de muita identificação da realidade brasileira atual com o enredo retratado no livro. A condição de miséria absoluta dos trabalhadores nas plantações de cacau volta a ser um retrato do país após o golpe de Estado de 2016.

Enormes contingentes de homens e mulheres trabalhando no eito em condições insalubres, recebendo soldos que não são suficientes sequer para pagarem a conta de suas próprias alimentações, adquiridas nas fazendas mesmo, e quanto mais tempo ficam trabalhando para os fazendeiros, mas ficam devendo. 

É um regime de escravidão, ontem e hoje. O que era a prática dos anos trinta volta a se repetir com mais intensidade no século 21, sob novo regime político, posterior ao golpe de Estado; regime que passou a vigorar a favor de banqueiros, empresários e ruralistas e totalmente subserviente aos Estados Unidos; trata-se dos governos de Temer e do clã Bolsonaro.

A realidade dos pobres no Brasil só foi diferente em séculos durante um curto intervalo de tempo: os governos do Partido dos Trabalhadores, em três mandatos presidenciais - com Lula e Dilma -, quando os pobres foram incluídos no orçamento do Estado, com políticas definidas e voltadas para melhorar a vida do povo. Isso acabou quando corruptos de colarinho branco, ocupando cargos nos 3 poderes, cassaram o mandato do PT e então voltamos à barbárie.

PARA POBRES, ANOS 80 ERAM COMO OS ANOS 30: O VIVER DAS GENTES É QUASE NA CONDIÇÃO DE BICHO

"Nove horas da noite o silêncio enchia tudo e a gente se estirava nas tábuas que serviam de cama e dormíamos um sono só, sem sonhos e sem esperança. Sabíamos que no outro dia continuaríamos a colher cacau para ganhar três mil e quinhentos que a despensa nos levaria. Aos sábados íamos a Pirangi por o sexo em dia. Alguns levavam meses sem sair da fazenda e se satisfaziam nas éguas da tropa. Mineira, a madrinha da tropa, era viciada e disputada. Os meninos desde garotos se exercitavam nas cabras e ovelhas." (AMADO, 1981, p. 47)

Eu cresci em Minas Gerais, já nos anos oitenta, e me lembro de toda essa miséria quando convivia com primos e conhecidos no Triângulo Mineiro. Apesar de vivermos em região urbana, tinha familiares que trabalhavam em fazendas e roças. Não era a minha rotina, mas cheguei a ir com eles capinar e fazer serviços por empreitada. Duríssimo o trabalho de sol a sol na roça, no mato, sem protetor solar e coisas do tipo.

Ao vivermos na cidade, os trabalhos disponíveis eram duros, porém acho que eram menos pesados ou insalubres que os das fazendas. Era o trabalho em construções, de servente ou de ajudante geral. Eu fui ajudante de encanador, quebrava concreto e paredes. Era ruim o serviço: me marcou bastante lidar com marreta, ponteiro e talhadeira, bolhas nas mãos e cheiro de merda dos outros.

"Nós ríamos. E não sei por que a riqueza não nos tentava muito. Nós queríamos um pouco mais de conforto para a nossa bem grande miséria. Mais animais do que homens, tínhamos um vocabulário reduzidíssimo onde os palavrões imperavam. Eu, naquele tempo, com os outros trabalhadores, nada sabia das lutas de classes. Mas adivinhávamos qualquer coisa." (AMADO, 1981, p. 48)

VIOLÊNCIA CONTRA OS DESPOSSUÍDOS DE RECURSOS

"Foi numa dessas carreiras que um garoto bateu num cacaueiro e derrubou um fruto verde. O coronel, que olhava da varanda, voou em cima do menino, que ante o tamanho do seu crime parara boquiaberto. Mané Frajelo suspendeu o criminoso pelas orelhas:
     - Você pensa que isso aqui é de seu pai, seu corneta? Comem e só fazem destruir as plantações, gente desgraçada.
     Uma tábua de caixão, abandonada perto, serviu de chicote. O garoto berrava. Depois, dois pontapés.
     Colodino fechava os olhos e cerrava os punhos. Mas ficávamos todos parados, sem um gesto. Era o coronel quem batia e demais o castigado derrubara um coco de cacau. De cacau... Maldito cacau..." (AMADO, 1981, p. 87)

CONSCIÊNCIA DE CLASSE

"- Por que você não matou Colodino? Porque queria bem a ele?
     - Eu gostava de Colodino... Mas eu não queimei o bruto porque ele era alugado como a gente. Matá coroné é bom, mas trabaiadô não mato. Não sou traidô...
     Só muito tempo depois soube que o gesto de Honório não se chamava generosidade. Tinha um nome mais bonito: Consciência de Classe." (AMADO, 1981, p. 121)

ESPERANÇA

O final da estória é um sinal de esperança, da ação de esperançar, haja vista que entre o amor carnal e o amor pelo próximo, pela causa dos companheiros de labuta e de destino, as personagens do eito optam pela luta, pelo amor aos seus pares. Nem tudo está perdido.

Estamos precisando muito desses gestos e desse despertar nos milhões de trabalhadores do novo eito, as pessoas invisíveis dos call center e dos aplicativos que se arriscam por aí em bicicletas, em velhas motos e em seus próprios carros ou alugados servindo como motoristas, os novos escravos sem direito a nada, que seguem gastando pra comer mais do que ganham pra trabalhar.

Cacau é ontem, Cacau é hoje.

William

Bibliografia:

AMADO, Jorge. Cacau. 37ª edição. Editora Record: Rio de Janeiro, 1981.

sábado, 28 de dezembro de 2019

281219 - Diário e reflexões


Veredas da vida.

Refeição Cultural

Sono. Muito sono. E um cansaço incrível. Pode ser alguma doença, é verdade. Mas talvez não seja nada, além de cansaço mesmo, de tudo.

Me sinto um derrotado. Acho que não sou só eu. Creio que muitos de nós nos sentimos derrotados. Passado o processo de impeachment da presidenta brasileira em 2016 e viver tudo o que vivemos e vimos acontecer nesses anos, culminando com o fascismo do novo regime em 2019, podemos dizer que sofremos uma derrota acachapante, histórica, que afetou qualquer cidadão progressista daqui e de qualquer lugar do mundo.

Sono. Muito sono. E um cansaço incrível. Não tenho conseguido ler romance, ler poesia, ler textos críticos ou reflexivos, nem textos de política. Não venho encontrando sentido em nada. Pode ser algo comigo, com minha psique, ou pode ser a onda que nos varreu e que fez com que as coisas perdessem mesmo o sentido.

É duro confessar que reconhecemos que a ignorância, o obscurantismo, o ódio e a verborragia religiosa e cínica venceram não só uma batalha, mas venceram uma guerra. 

Nem vontade de escrever tenho mais. Olho para o lado e não encontro pessoas progressistas, pessoas simples do dia a dia que me faziam ter garra e tesão de lutar por um mundo melhor. As pessoas ao nosso redor só arrotam ódio, maledicência, falam mal de todo mundo.

Quando encontro humanos que valham a tentativa de iniciar algum diálogo, muitas vezes ainda me sugerem que não escreva nada longo porque ninguém lê. Alguns ainda sugerem que eu entre na onda e comece a me adaptar à linguagem dos tempos (não linguagem).

Se eu quiser me comunicar, que o faça em algumas linhas, desenho, imagem, meme, uma carinha. Vídeos de um minuto... 

Talvez um grunhido para falar de Cassi, de Previ, de banco público, de solidariedade, de cooperativismo, de sindicalismo, de organização de base da classe trabalhadora. 

Um nenhénhé rápido para alguém notar que você quer compartilhar experiência e conhecimento adquirido na vida prática do mundo do trabalho.

Pra fazer nenhénhé acho que é melhor fazer sssssssssssshhhh.

Esquisito esse momento da existência humana. Devemos estar perto do Apocalipse.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

161219 - Diário e reflexões




Refeição Cultural

Acordei nesta manhã de segunda-feira pensativo e buscando sentidos. Um turbilhão de coisas indo e vindo através das sinapses do cérebro, que afinal de contas é o que somos, esses impulsos e movimentações químicas e elétricas nos neurônios cerebrais. E que podem cessar a qualquer instante, qualquer.

Neste dia, neste instante da vida, neste contexto pessoal e coletivo, que fazer com o tempo que passa? Fiquei procurando respostas e sentidos ao longo de milhares de instantes, de milhares de quilômetros percorridos por esse corpo humano com um cérebro e com denominações impostas e auto-infringidas. Toda essa caminhada para chegar nesta manhã sem resposta alguma e sem perceber sentido algum nas coisas.

Passei a vida me cobrando ler os clássicos da literatura mundial. Neste momento poderia abrir qualquer dos clássicos que tenho e começar a ler. Mas estou indeciso, estou me perguntando o porquê de sentar e ler qualquer um deles. Eu buscava respostas na vida aos vinte, aos trinta, aos quarenta. Ainda busco aos cinquenta. Já não sei onde procurar com alguma perspectiva de encontrar. Suspeito não haver respostas e sentidos. Daí serem em vão as buscas.

Quis ler os clássicos da literatura mundial. Se clássicos é porque sobreviveram, ficaram para a posteridade. Se ficaram é porque algo de notável devem ter. Mas já não estou otimista de encontrar o que procuro nos clássicos. E sei que algumas das ofertas dos clássicos são distração, reflexão e conhecimentos, prazer puro e simples, despertar de ideias e utopias.

Cheguei a pegar e deixar alguns dias em cima do móvel da sala Moby Dick, de Melville. Agora me pergunto pra que ler Moby Dick. Só o fato de pensar isso já é algo muito triste. Um sinal ruim em minha vida. Peguei na biblioteca um livro sobre a história da Revolução Francesa. Li algumas dezenas de páginas e achei muito interessante. Mas já me pergunto que diferença faz isso pra mim aqui e agora.

Recebo as revistas Carta Capital e guardo cada edição que chega no armário, ainda com o plástico. Não vejo sentido em ler o excelente e honesto conteúdo que a revista semanal nos oferece. A mais leal de todas com o leitor brasileiro. Ao menos contribuo com a existência da revista, objetivo principal.

Não está fácil me reinventar como fiz algumas vezes na vida. Me reinventei ao sair criança de São Paulo. Me reinventei ao sair adolescente de Uberlândia. Me reinventei ao entrar num banco público. Me reinventei ao estudar Educação Física. Me reinventei ao deixar a Educação Física por falta de condições de pagar as mensalidades. 

Me reinventei ao me envolver com o movimento sindical antes da USP. Me reinventei ao entrar na Letras da USP, quando não deu certo entrar na chapa do Sindicato no ano 2000. Me reinventei quando entrei no sindicato em 2002. Me reinventei quando coloquei em segundo plano a Letras, minha ética colocou a representação sindical acima de tudo: meu sonho das letras já era. 

Me reinventei cada vez que as lideranças do Sindicato me destacavam para novas tarefas, algumas que eu nem queria, mas ia por dever de ofício e militância. Me reinventei a cada frustração e decepção com as pessoas com as quais convivia na militância. 

Me reinventei quando me pediram para ir para a Cassi. Me reinventei na Cassi cada vez que tinha decepções internas e externas, inclusive com decisões daqueles que me colocaram naquela tarefa e que sequer me consultavam sobre questões relativas ao que eu fazia e era responsável.

Fui me reinventando cada vez que me decepcionei com meus antigos companheiros do movimento. 

Impressionante como as decepções não cessam quando penso o movimento sindical e social ao qual pertenci e ajudei a construir. Impressionante a minha insistência em acreditar que o movimento que conheci tem jeito. Sinceramente, acho que não tem.

As coisas estão sem sentido. Mas este corpo tem um cérebro ainda: existo. Se não é nos clássicos, se não é nas leituras, se não é mais no movimento social, se não é mais nos estudos acadêmicos, se não é nas corridas e nos esportes porque o corpo bichou, se não é nas viagens, se não é em nada disso, cabe a mim procurar ainda um sentido, ou ao menos um porquê.

Vou seguir procurando o que eu ainda não encontrei. I still haven't found what I'm looking for.

sábado, 14 de dezembro de 2019

141219 - Diário e reflexões



Tempos de tempestades, na vida e na política.

Refeição Cultural

Sábado, cidade de Osasco.

Recebi em casa a visita de meu pai, que ficou conosco entre segunda e quarta-feira. Ele conseguiu realizar os compromissos que havia planejado em São Paulo. Para não fechar a viagem com chave de ouro, o idoso de 77 anos passou por um problemão na hora de retornar a sua cidade em Minas Gerais. O que seria um voo de uma hora se transformou em uma novela de 24h para sair de SP e chegar a sua casa. Foi horrível e por pouco meu pai não teve outro AVC ou outro infarto, de tanto estresse que viveu entre atrasos, voos cancelados, insistências para que respeitassem seus direitos etc. Nós cidadãos somos absolutamente impotentes diante das falhas do sistema social em que vivemos. Somos coisas num mundo coisificado pelo capital.

Nesta semana aconteceram discussões políticas nas entidades sindicais que ajudei a construir e fortalecer por décadas. Não pude participar das discussões por causa dos compromissos com meu pai, prioridade evidente sendo eu a única pessoa que poderia cuidar dele durante os três dias. No entanto, caso houvesse interesse em nos ouvir, existem meios tecnológicos para isso. Uma coisa eu aprendi ao longo de nossa história com o movimento de lutas dos trabalhadores: a gente não pode perder a capacidade de se surpreender com as coisas que os seres humanos podem fazer. Eu fiquei bastante surpreso com as informações que recebi a respeito dos debates feitos. Efetivamente, me parece que todas as concepções, princípios e práticas sindicais que aprendi e exerci ao longo de décadas de formação política não existem mais, foram esquecidas ou simplesmente descartadas. Acho que todos nós da classe trabalhadora estamos perdidos e não conseguimos nos encontrar ainda. Perdemos todos com isso. A unidade parece estar cada vez mais distante no campo dos trabalhadores. Uma pena para nós! Uma ótima notícia para os inimigos!

CULTURAS

Falando de coisas boas, acontecimentos culturais. Nesta semana, reli o livro de contos Olhos d'água (2014), da escritora mineira Conceição Evaristo. Muito atual, muito reflexivo. Caso queiram ouvir o comentário que fiz em vídeo, está disponível aqui. Se tiverem interesse em ler os dois comentários que fiz a respeito de livros que li dela, ler aqui.

Em relação ao esporte e saúde, não consegui dedicar a semana aos treinos para a corrida de São Silvestre porque a prioridade foi dedicar o tempo e as energias para o exame de faixa que faremos neste domingo. Treinei quase todos os dias da semana as sequências de movimentos que já aprendemos na arte marcial que estudamos, o Kung Fu.

É isso! Vamos dormir para acordarmos com disposição e memória boa para este domingo.

William


sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

São Silvestre 2019 - Aos 50 a 10ª participação



(atualizado 31/12/19, às 20h10)

Corrida de 10k

Osasco, sexta-feira. Nove horas da noite. Saí para correr sem compromisso, mais para desestressar. Não foi possível ler nesses dias. A semana foi de limpeza de casa e outros afazeres. Enquanto não leio, estou vendo filmes neste mês. Já vi alguns bem interessantes.

Como disse em outra postagem, decidi voltar a correr a São Silvestre depois de três anos afastado da prova. "Foi decisão baseada na busca de algum sentido pessoal neste instante da vida. Tudo mudou muito e a vida que levei se esvaziou abruptamente". (ler aqui)

Vejamos como são as coisas. A corrida para mim é uma necessidade vital. Ela abaixa minha pressão arterial. Me dá prazer, apesar das dores do corpo. Me faz refletir. Me traz lembranças diversas da vida. Correr é uma necessidade.

Não tem como não lembrar de meus dias em Brasília quando corro. Foi lá que voltei a correr com regularidade no final de 2014 porque estava morrendo de trabalhar na Cassi e por estresse devido ao que enfrentava diariamente na gestão. Passei a correr nas quadras da 110 Sul e isso salvou minha vida na época. 

Depois conheci o que é correr no Eixão aos domingos e feriados. Só de lembrar da sensação e prazer o corpo se arrepia, como agora que escrevo. Enfim, ao correr aqui em São Paulo é como se meu corpo estivesse correndo nas quadras arborizadas de Brasília ou no Eixão. Nosso corpo é assim.

Vejamos como são as coisas ainda. O prazer da corrida pode ser um risco de vida. Eu gosto de correr na rua, não gosto de esteira. Durante os 4 anos de Brasília, corria nas noites candangas, 21h, 22h, corri até mais tarde, o corpo pedia um respiro ao chegar da Cassi estressado. Nunca senti receio por parecer perigoso correr na 110 Sul.

Agora na minha terra de sempre, Osasco e São Paulo, nos tempos que correm, pode ser perigoso correr às 22h. Não sei se é mais perigoso por causa de bandidos ou por causa da polícia. Seria uma merda tomar um tiro nas costas por qualquer desses segmentos, bandidos ou polícias mal treinadas.

Enfim, vamos comer, relaxar e dormir. Meu corpo não é mais o mesmo. Tenho consciência corporal do quanto estou mudado. Corro com o maior cuidado do mundo, sentindo pés, dedos, panturrilha, tendões, joelhos, coxas e principalmente o quadril, todo fodido. Mas o coração e a mente ainda têm aquela chama que queima forte. Não posso parar de correr.

William

----------

Dezembro

Dia 31 - 95ª São Silvestre - Ufa! Completei a prova de 15k com o tempo de 115', num calor de 30º. Deu tudo certo! Sem contusão, sem dores!


Percurso no mês, antes da prova: 49k

18º treino - dia 29 - Caminhada de 4k para relaxar. Estou bem ansioso para a prova. Meu corpo está pedrado, pescoço duro, pernas doloridas. O calor está muito forte esses dias. Será um momento de busca interior...

17º treino - dia 28 - Corri 4k em 25'36", com subida, no Pq. Continental. Dia com muito calor, quase 30º.

16º treino - dia 24 - Corri 5k em 35' no Pq. do Sabiá. Por causa do cansaço, foi um trote bem leve. Está chegando o dia da prova e eu ainda não corri mais que 10k, mas não vai dar pra fazer isso pelo cansaço, porque poderia me contundir.

15º treino - dia 22 - Corri 7,7k em 53'20" no Parque do Sabiá, Uberlândia (MG), num dia quente e úmido 24º. Meu corpo está cansado e sensível. Iria correr mais, mas meu corpo pediu que parasse porque meus músculos posteriores da perna esquerda estavam apitando. E assim vamos vendo o que é possível para a preparação.

14º treino - dia 19 - Corri 4k em circuito no Parque. Fiz em 25'20". Estou muito cansado, com dores no corpo todo, principalmente nos quadris e nos pés. Não sei o que está ocorrendo. Pode ser a tristeza do Brasil que me destruiu. Vai ser difícil percorrer os 15k da prova...

13º treino - dia 17 - Após uma semana só dedicado ao treinamento para o exame de faixa de Kung Fu (deu tudo certo), voltei a correr. Fiz um trote de 2,5k em 15' com calor de 30º.

12º treino - dia 8 - Domingão de preguiça e corpo cansado. Deixei pra dar um trote no final do dia. Saí e comecei de pouquinho e acabei correndo 7k em 46', forçando subidas de novo. Foi bom.

11º treino - Dia 6 - Que corrida! 10k em 65' com duas subidas (1k +1k). Noite fresca, 18º.

10º treino - Dia 1º - Queria correr um longão, mas o cansaço ainda me impediu. Fiz 4,5k em 28'40" 28º. Estou mal fisicamente. Devo encontrar um equilíbrio interior. Tenho exame de faixa na academia daqui a duas semanas e não vou às aulas faz dias. Novembro foi dureza pra mim. Quase desisti de entregar os trabalhos de faculdade. Tenho dores em várias partes do corpo. O dedo do pé que machuquei no kung fu faz tempo não sarou. As dores do desgaste dos ossos do quadril estão fortes... mas não quero desistir de nada. Vou insistir...

Novembro

Percurso no mês: 45k

9º treino - Dia 29 - 4k 24' 24º. Corri após uma semana muito difícil de prova e trabalhos na faculdade. Dormi pouco. Muito estresse. Muito quebrado. Foi só para não dizer que não corri.

8º treino - Dia 24 - 9k 60' 19º. Saí para correr a esmo. Duas subidas grandes (2k). Estou deprimido. Foi muito importante correr hoje. O treinamento me salvou o dia!

7º treino - Dia 21 - 5k 32' 29º. Corrida com muita subida (15' subindo). Não adianta se preparar para a São Silvestre sem treinar subidas puxadas. Tenho que ter atenção com o corpo, ando cansado, física e psicologicamente...

6º treino - Dia 15 - 6k 36' 21º. Corrida foi prazerosa, com subidas/descidas. Precisei descansar bastante, entre uma corrida e outra e uma aula de kung fu. São atividades diferentes e ando cansado. Estou indo bem.

5º treino - Dia 10 - 7,5k 48' 23º. O longão foi em trote leve, com subidas/descidas.

4º treino - Dia 08 - 6,2k 39' (6'20"/Km). Feliz! Fiz 2k de subida. Feliz! #LulaLivre! Alumbramento: ipê amarelo florido em pleno mês de novembro!

3º treino - Dia 04 - 2,5k 14'30" (5'48"/Km). Legal correr abaixo de 6', calor 35º.

2º treino - Dia 02 - 5,0k 32'30" (6'30"/Km) com subida (1k) e descida, calor 32º.

Outubro

1º treino - Dia 31 - 3,5k 21'25" (6'08"/Km) em circuito, calor 27º.


domingo, 1 de dezembro de 2019

011219 - Diário e reflexões




Refeição Cultural

E, então, entramos em dezembro. 

Novembro foi um mês estressante. No entanto, fizemos o que tinha que ser feito, como procurei fazer durante o longo tempo em que fui pessoa pública e era movido pela ética e pelo compromisso dos mandatos de representação. Percebi que a motivação para superar as dificuldades e as tristezas é outra quando é só para si mesmo, no âmbito pessoal. No meu caso, a energia da representação era nitroglicerina pura em meu corpo. Ainda estou buscando um novo equilíbrio existencial.

Mesmo não fazendo os trabalhos de faculdade da forma como gostaria, pois queria ter lido mais textos críticos sugeridos, entreguei os trabalhos confeccionados com o que apreendi dos conteúdos, não inventei palavras, fiz de forma simples o que pensava sobre cada autor e disciplina. O mesmo em relação à prova em outra disciplina. Como já refleti comigo mesmo, não estou fazendo planos mirabolantes para o caso de completar minhas duas habilitações em Letras. Só achei um desperdício estudar tanto tempo e não concluir o que fiz.

Nós brasileiros que temos consciência política, ética, vergonha na cara, que acreditamos em solidariedade e num mundo melhor para todos os seres vivos, que defendemos a tolerância e o respeito para com o diferente e a política como solução das controvérsias e não a violência e a morte, a guerra e a destruição dos outros, estamos sofrendo como nunca. Estamos adoecendo ao ver diariamente o mal, o gozo do mal, a falta de resistência ao mal. Essa vitória da barbárie está nos matando. E não podemos morrer, nem desistir. Mas não está fácil achar equilíbrio físico e mental e depois organizativo para a resistência.

Precisamos apostar na inteligência, no amor, na leitura e na imaginação para em algum instante acharmos a fórmula para unir pessoas, instituições que representem possibilidade de democracia e, então, reagirmos à barbárie instalada no país. De alguma forma, temos que achar um jeito de sermos úteis para a coletividade, mas primeiro tendo um equilíbrio interno. Estou procurando um caminho.

Continuo acreditando na literatura como uma ferramenta de saber, de prazer e de descoberta para algo novo na vida. Quero mergulhar e me perder e quem sabe me encontrar na literatura, como já escreveram sobre isso grandes escritores como Kafka e Bolaño. Eu tenho tantas lacunas, tanta coisa pra ler e descobrir, talvez até escrever, contar, partilhar...

I still haven't found what I'm looking for...

William

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Margo Glantz - Reflexões e memórias de uma época através da ironia de um Eu ficcional


Margo Glantz. Foto Wikipedia, de Aline L. Cámara.

Refeição Cultural

Este artigo é meu trabalho de conclusão de semestre na disciplina que fizemos com a professora Adriana Kanzepolsky. Eu gostei muito da matéria e das aulas da professora. Não consegui fazer o trabalho da forma como gostaria. Faltaram mais leituras críticas. Cheguei a pensar em não fazer o trabalho, mas o fiz de forma honesta e do jeito que foi possível. Dessa forma, sugiro a eventual leitor do texto que o leia de forma crítica, mais como curiosidade e para despertar interesse na escritora e no tema.

William

Margo Glantz - Reflexões e memórias de uma época através da ironia de um Eu ficcional

"Me acuerdo que he escrito varios de estos recuerdos en otros libros. pero los he formulado de manera diferente: el orden de los factores en literatura altera definitivamente el producto." (GLANTZ, 2014, p. 91)

INTRODUÇÃO

A oportunidade de conhecer e estudar a poética da escritora e ensaísta mexicana Margo Glantz foi bastante enriquecedora sob vários aspectos. Alguns deles me agradaram bastante.

Sua obra é um excelente leque de opções para se compreender o conceito atual de literaturas inespecíficas. Em muitos de seus livros e narrativas ficcionais, vemos Eu líricos que apontam e registram com textos argumentativos e ensaios profundos grandes dilemas da atualidade. Suas ficções e contos mesclam autobiografia, histórias coletivas e questões de época e suas pitadas de ironia e humor amenizam o tom narrativo, sem deixar de pontuar as graves denúncias sociais.

A poética e a técnica narrativa de Margo Glantz fazem com que sua leitura seja leve e prazerosa, e suas temáticas lidam muito bem com a questão do texto e do mundo fragmentado de nossa realidade, porém seus textos alinhavam fragmentos sobre as coisas de nosso tempo, unificam e dão sentido aos grandes problemas de nossa época.

Dos conteúdos que vimos durante o semestre de aulas, um dos que mais me identifiquei na temática e poética de Glantz foi o das formas de contar a memória própria, a memória familiar e a memória de uma época. Os livros Las genealogias (1998) e Yo también me acuerdo (2014) me agradaram muito e me fizeram pensar bastante sobre a vida e sobre a nossa realidade.

Vivemos numa época dura em que a velocidade dos acontecimentos, a simultaneidade das coisas e a necessidade de estarmos sempre informados de tudo - como se isso fosse possível - causa tensão e sofrimento aos indivíduos, e a cada amontoado de informações e dados que nos chegam, verdadeiros ou falsos, mais perdidos e desinformados nos sentimos.

Margo Glantz é uma escritora que vale a pena ler e acompanhá-la, pois além de viajar o tempo todo, ela é adepta das redes sociais, não pensa duas vezes antes de expor o que pensa, mantém perfil no Twitter e diariamente opina sobre fatos e acontecimentos, além de compartilhar suas ideias e reflexões.

Apresento abaixo, alguns fragmentos de obras de Margo Glantz com reflexões geradas a partir dos registros feitos pela autora ou, como os críticos apontam após o ressurgimento dos autores - mortos desde Barthes em 1968 (SPERANZA, 2008) -, registros feitos através de Eu líricos que se mesclam com sua criadora.

TODOS OS GÊNEROS VALEM A PENA

Se tomarmos como referência os dois livros que disse sobre a autora, que abordam a memória, o instante que se registra e o passado que vem à tona, podemos citar questões apontadas pela escritora, enquanto exercício de memória, que nos levam a refletir sobre a temática e dela gerar nova reflexão.

Vejamos algumas citações de Yo tambiém me acuerdo:

"Me acuerdo que para Poe la novela moderna es objetable por ser demasiado larga." (GLANTZ, 2014, p.)

"Me acuerdo de Poe e su Teoría de la composición: se inclinaba sin vacilar por el texto breve, por el cuento en prosa, escribió que prefería la narración breve, cuya lectura dura entre una hora y dos."
(GLANTZ, 2014, p.)

Lendo as recordações de Glantz a respeito do que pensava Poe sobre a importância da brevidade dos textos e narrativas, fico pensando até que ponto a humanidade deveria repensar a tendência deste início de século XXI em reduzir, reduzir e reduzir o uso da linguagem como temos visto em ferramentas de comunicação como, por exemplo, o Twitter, ou por "memes" e emojis, ou mesmo se comunicar só por imagens.

Em entrevista recente ao jornalista Luis Nassif, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis aponta dados alarmantes em relação à regressão naquilo que poderíamos chamar de capacidade de comunicação e linguagem humana.

Ao falar sobre a redução da importância da imprensa escrita, Nicolelis comenta que o ser humano está passando por um processo de mutação de sua espécie. O coeficiente de inteligência sofreu redução de 10 pontos nos últimos 20 a 30 anos nas sociedades avançadas; a redução do uso de palavras e do vocabulário dos jovens norte-americanos foi de 30% nos últimos 40 anos; houve redução da compreensão de texto escrito e diminuiu-se a habilidade para escrever e comunicar ideias nos últimos anos.

O cérebro é flexível e realoca energia de áreas que não estão sendo utilizadas para outras áreas do corpo humano. Ou seja, ao se deixar de ler textos complexos, usar o cérebro para criar e resolver problemas, estamos inutilizando o cérebro. É chocante!

Segundo o neurocientista, a longo prazo, poderia estar surgindo uma nova espécie, a homo digital, espécie menos vocal, menos social, menos comunicativa, menos inteligente e menos capaz de desafiar o automatismo e controle que os sistemas políticos poderiam exercer sobre nós.

As informações de Nicolelis só confirmam o que aprendi desde que comecei a estudar, que estudos científicos destacaram a importância da solução de problemas complexos na evolução do cérebro humano, e o uso intensivo do cérebro aumentou nossa inteligência e nossa capacidade de uso da linguagem, nos destacando dos demais animais existentes. A linguagem verbal e escrita teve papel central em nossa evolução.

"Me acuerdo que Poe pensaba que al no poder leerse de un solo impulso la novela se ve privada de la inmensa fuerza que se deriva de la totalidad." (GLANTZ, 2014, p.)

O escritor, contista, poeta e ensaísta norte-americano Edgar Alan Poe, por exemplo, foi um produtor de textos literários do século XIX. Ele nos deixou um patrimônio cultural importante. Acertou em muitas coisas; errou em outras. Ainda bem que outros escritores, de outros gêneros literários, inclusive, também nos deixaram patrimônios culturais com técnicas antagônicas às de Poe.

Se a contradição não fosse possível e se prevalecesse somente a simpatia pelo texto breve por ser aquele que melhor expressaria a totalidade de uma história, não seria no mesmo século XIX em várias partes do mundo que o romance moderno cairia nas graças populares justamente pela técnica de se publicar em capítulos e fragmentos os romances e novelas em jornais e revistas, em folhetins, deixando interrompido o texto num momento importante, para se saber no texto seguinte o que aconteceu na trama.

A estratégia de se publicar romances e novelas em folhetins, além de fixar de vez na cultura popular a leitura de literatura, criou o que hoje conhecemos como leitores de literatura e também fortaleceu um mercado editorial. Que o diga um contemporâneo de Poe, Balzac na França.

Vale destacar que a literatura pode e deve ser uma fonte de prazer. Compartilho do gosto de Margo Glantz pelos contos de Poe, que também me encantam.

"Me acuerdo que me gusta releer los cuentos de Poe, en especial Berenice, enterrada viva y despojada brutalmente de sus dientes por el protagonista." (GLANTZ, 2014, p.)

O REGISTRO DO INSTANTE COMO MEMÓRIA DE UMA ÉPOCA

"Al leer las noticias ¿cómo decidir qué es lo más importante?"
(GLANTZ, 2018, p. 11)

Dentro do tópico de formas de contar a memória, de registrar o instante e evocar o passado, Y por mirarlo todo, nada veia (2018) é outra obra de Margo Glantz muito peculiar em sua estética do fragmento e que aborda a questão da enorme dificuldade que as pessoas têm na atualidade em lidar com a quantidade absurda de informações simultâneas e ininterruptas, gerando com isso algum tipo de sofrimento e dilemas em se definir o que seria relevante ou não nas notícias.

Vejamos o exemplo abaixo do livro de Glantz e o registro comparativo de uma época, que poderíamos fazer a respeito do momento dramático por que passa o Brasil:

"(...) ¿qué policías de Estados Unidos hayan matado a más de mil personas indefensas durante 2015, (...)"
(GLANTZ, 2018, p. 11)

Cito aqui uma notícia comparativa, um dado de nossa realidade brasileira e um registro de época, talvez mais relevante que o exemplo norte-americano, se compararmos o volume de vítimas assassinadas pela polícia dos Estados Unidos em 2015 com o caso da polícia fluminense; lembrando que naquele país vivem mais de 328 milhões de pessoas.

Segundo o artigo do jornalista Eric Nepumoceno, do Jornalistas pela Democracia, a polícia do Estado do Rio de Janeiro matou nos primeiros 10 meses do ano de 2019, o total de 1.546 pessoas. Foram em média 5 pessoas por dia, num Estado que tem uma população de pouco mais de 17 milhões de pessoas (IBGE, 2018).

E pensar que dos milhares de dados e informações pesquisados pela escritora Margo Glantz, chamou atenção dela e mereceu registro em seu livro o grande volume de pessoas mortas pela polícia norte-americana.

Que fique registrado aqui o quanto as coisas no Brasil são exponenciais quando comparamos nossas misérias com as dos países chamados avançados ou desenvolvidos.

CRÍTICA ÁCIDA E BEM HUMORADA

Um dos traços característicos que apreendemos ao ler a poética de Glantz é a forma de tecer crítica a grandes questões da sociedade e da humanidade.

De repente, em meio a descrições de fatos ou nas narrativas ficcionais, surgem as críticas a temas como discriminação, violência, pobreza, crimes diversos, e a escritora tem uma maneira bem peculiar de fazer as críticas, com uma fina ironia ou com certa dose de humor.

Vejamos o exemplo abaixo, em Yo también me acuerdo:

"Me acuerdo de que los arquitectos famosos son buenos diseñadores, pero se olvidan de los usuarios; en la Cineteca Nacional los baños son exiguos y las salas de exhibición no tienen salida de emergencia." (GLANTZ, 2014, p. 87)

"Me acuerdo que cuando diseñan los baños de los edificios públicos a los arquitectos se les olvida que las mujeres necesitamos más espacio para orinar que los varones." (GLANTZ, 2014, p. 87)

"Me acuerdo que en los baños de mujeres siempre se hace cola y que los baños de hombres casi siempre están vacíos." (GLANTZ, 2014, p. 87)

Seu humor e a forma irônica de fazer denúncias sociais ou críticas sobre algum tema são muito refinados em seus textos. Percebi isso nos contos que lemos da autora e também nas entrevistas que li e ouvi na internet ao longo do semestre letivo.

Vejamos abaixo mais um exemplo da técnica através de uma passagem no livro Las genealogías, em uma frase dela quando o pai conta que levou umas bofetadas quando foi cobrar uma dívida de pães e confeites de um cliente mexicano:

"Así cumplió mi padre con los preceptos bíblicos y gano el pan con el sudor de su frente" (GLANTZ, 1998, p. 105)

POLÍTICA, ECONOMIA E HISTÓRIA

Margo Glantz faz registros de acontecimentos e fatos da época que estamos vivendo. O fechamento de livrarias como consequência do capitalismo e da tecnologia; as lutas de emancipação e igualdade de gênero, sempre aquém do avanço necessário; grandes eventos políticos e sociais que alteram a história. A diferença dos registros dela está na qualidade da escrita: crítica, irônica e reflexiva.

Desaparecimento das livrarias:

"Me acuerdo que hace unos días otra librería desaparecío en París." (GLANTZ, 2014, p. 55)

"Me acuerdo que hace como cuatro años fui a buscar libros y revistas a esa librería: había sido sustituída por una boutique Lévi-Strauss." (GLANTZ, 2014, p. 55)

Direitos das mulheres:

"Me acuerdo de una frase que escribió Simone de Beauvoir en 1980: No olvidar jamás que bastará una crisis política, económica o religiosa para poner en cuestión los derechos de las mujeres." (GLANTZ, 2014, p. 56)

Fim do regime de Stálin:

"Me acuerdo de un titular periodístico mexicano, en marzo de 1953: Alzó los tenis el padrecito Stalin." (GLANTZ, 2014, p. 19)

Questões nacionais do México:

"Me acuerdo que México ya tiene el primer lugar en casos de obesidad, y que, afortunadamente, alcanzamos el tercero en casos de corrupción." (GLANTZ, 2014, p. 62)

"Me acuerdo que las calles de la Ciudad de México se han vuelto intransitables." (GLANTZ, 2014, p. 62)

SOBRE KARL MARX

Um dos maiores filósofos da humanidade é também um homem, nos lembra Margo Glantz, e com isso está sujeito a todas as questões de época, cultura e costumes. Nesta passagem, vemos a questão do machismo e da desigualdade de gênero.

"En un libro recientemente publicado en Francia, las hijas de Karl Marx definen en cartas sucesivas la felicidad desdichada de tener como padre el famoso doctor. Al nacer alguna de ellas, Eleanor, Marx le anuncia a su fiel Engels: 'Desgraciadamente es del sexo por excelencia.' Puede absolverse a Marx quizá si se piensa que uno de sus hijos ya había muerto por entonces y el otro estaba agonizando y que el único vástago de Marx que sobreviviera fue el que tuvo con la sirvienta, hijo que, como amigo entrañable, por no decir otra cosa, Engels adoptó como suyo y que las hijas de Marx ignoraron hasta la muerte del barbudo compañero de su padre..."
(GLANTZ, 1998, p. 76)

RESMUNGANDO UMA LÍNGUA QUE NÃO É SUA

Nas obras de Margo Glantz vemos o tempo todo algumas questões relativas a certas hierarquizações de estratos sociais - pessoas e grupos que se colocam acima dos outros -, e isso se dá como algo cultural.

Falar uma língua que não é sua, por exemplo, pode fazer com que você se sinta excluído, diminuído em certos ambientes que utilizam isso para classificar pessoas e grupos. Não por parte do falante estrangeiro, mas por preconceito do ouvinte nativo.

Ela usa o verbo "mascullar" para apresentar o contexto em que um personagem tenta se comunicar em uma segunda língua, em um mundo que não é o seu mundo de origem.

"El señor Filler le prestó a mi mamá 50 pesos, mismos que sirvieron para pagar la cuenta del hospital. Mientras mi padre estaba enfermo, mi madre salía a vender el pan con Serafín, el muchacho oaxaqueño, bajito y fornido, que se reía todo el tiempo cuando oía a mi papá mascullar el español. Toda la gente veía a mi mamá como si fuera marciana, vestida muy elegante, vendiendo pan de casa en casa."
(GLANTZ, 1998, p. 110)

UN RATO* CON LAS RATAS

Momento em que o pai de Margo foi preso nos anos vinte por ser de esquerda (e ser confundido com anarquistas) e protestar contra as injustiças do governo no México.

"Y no es juego de palabras, pero ese rato se convertía en ratas que de tamaño descomunal se paseaban sobre la cama y sobre el preso..." (GLANTZ, 1998, p. 113)


* Em espanhol "un rato" é um instante, um tempo curto, um momento.

CRISTÓVÃO COLOMBO OU HERNÁN CORTÉS?

"Todo emigrante que viene a América se siente Colón y si viene a México quiere ser Cortés. Mi padre prefirió a Colón y, como Carpentier, escribió un poema épico lírico sobre el navegante genovés..."
(GLANTZ, 1998, p. 136)

O senhor Glantz extraía dentes para sobreviver. Mas não gostava nem um pouco da atividade "sangrenta". Também não gostava de fazer obturações porque era algo chato. Nas horas vagas escrevia poesia, era o que gostava e preferia.

"Sacar muelas era menos aburrido pero más sangriento, lo único que importaba era leer y hacer poesía. Por eso escribió Banderas ensangrentadas, en 1936, poema político en honor de los republicanos españoles, y luego, en 1938, su gran poema dedicado a Colón..." (GLANTZ, 1998, p. 137)

OVELHA NEGRA E FILHA PRÓDIGA

"Kzaid es el pedazo de pan que se arranca de la hogaza antes de bendecir el sábado. Luego escribió otro gran poema, Nizaión (Prueba), dedicado a mí, cuando traicioné al pueblo elegido. Fue traducido por los 50 como Cantares de ausencia y de retorno. Allí, aparezco como oveja negra, y luego, quizá también, como Hija Pródiga." (GLANTZ, 1998, p. 138)

A MEMÓRIA PODE NOS TRAIR (OU PODE SER CONVENIENTE)

"Repetir un acto mil vezes condensa el recuerdo, pero los recuerdos traicionan aunque se recuerden mil veces en la mente. Jacobo niega ciertas minucias que antes recordaba y los calzones con encaje se transforman simplemente en encaje suizo, maravilloso, delicado, pero aún suelto, sin ropa que decorar. Mi padre dice que cada vez recuerda mejor las cosas de su infancia y que casi todo lo demás se borra: a veces resucita y yo lo aprovecho como buitre."
(GLANTZ, 1998, p. 103)

Interessante essa reflexão sobre nossas memórias e suas seletividades. O que antes era calcinha com renda, artefato talvez inapropriado para pessoas de certa religião ou visão conservadora de comportamento individual, se transforma por um misterioso ato da memória em renda suíça, sem ligação com a calcinha que adornava.

Se pensarmos bem, nossa memória faz isso o tempo todo, quando lhe é conveniente.

Fim

BIBLIOGRAFIA

GLANTZ, Margo. Las genealogías. Alfaguara, México, 1998.

GLANTZ, Margo. Y por mirarlo todo, nada veía.
Editorial Sexto Piso, Espanha, 2018.

GLANTZ, Margo.
Yo también me acuerdo. Editorial Sexto Piso, Espanha, 2014.

SPERANZA, Graciela. ¿Dónde está el autor?, en Otra parte. Revista de letras y artes, nº 14, outono de 2008.

NEPOMUCENO, Eric. Jornalistas pela Democracia, no site Brasil247, em 25 de novembro de 2019: https://www.brasil247.com/blog/o-genocida-wilson-witzel-e-sua-policia-assassina

NICOLELIS, Miguel. Entrevista a Luis Nassif, no site GGN, em 12 de julho de 2019: https://jornalggn.com.br/novademocracia/nova-democracia-tv/uma-entrevista-imperdivel-com-nicolelis-por-luis-nassif/

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Depressão pela banalização do mal



"o mal é não estarmos organizados, devia haver uma organização em cada prédio, em cada rua, em cada bairro, Um governo, disse a mulher, Uma organização, o corpo também é um sistema organizado, está vivo enquanto se mantém organizado, e a morte não é mais do que o efeito de uma desorganização, E como poderá uma sociedade de cegos organizar-se para que viva, Organizando-se, organizar-se já é, de uma certa maneira, começar a ter olhos..." (SARAMAGO, 2002, p. 281)


Quando saí de casa para correr ontem, domingo, estava bem deprimido. Saí para correr a esmo. Tenho certeza que a corrida por uma hora me ajudou a melhorar um pouco, foram quase dez quilômetros correndo pra cima e pra baixo no bairro onde moro, e com a experiência que acumulei em cinco décadas de vida sei dos efeitos maléficos das diversas patologias psicológicas no corpo da gente: elas nos arrebentam por dentro. Depois de um certo tempo de trote, atividade aeróbica, seu corpo libera hormônios que te fazem bem e te aliviam o estresse psicológico e até físico. A corrida foi um respiro do bem ao corpo. Ao voltar para casa, para o mundo, a gente já volta ao contato com todo o mal que assola nossa vida e seguimos adoecendo por dentro.

Ao olhar para trás, vejo a minha busca por décadas, meus escritos mais pessoais, e percebo em minhas memórias o que queria e o que me fez ser o que sou, e sempre aparece a palavra ou alguma coisa que represente o sentimento de "paz". Acho que procurei a vida inteira por um pouco de paz. Talvez porque sempre tenha sentido muita raiva, muita dor, muita tristeza, muita falta das coisas, não só materiais, coisas da cultura. Senti muito ódio na vida. E quando a gente finge ser durão porque precisa, como fizeram Diadorim e Riobaldo Tatarana, tendo que viver naquele Grande Sertão: veredas, mundo de jagunços, coronéis e polícias, todos maus, a gente uma hora cansa, esgota. 

Esgotei de ver o mal e os maus vencendo de uma forma tão total quanto agora depois do golpe de Estado no Brasil, consequência de um processo maior e global de avanço da direita dona do capital mundial.

Depois de décadas lidando relativamente bem com algum tipo de depressão (sobrevivi e produzi coisas úteis), ou tendo algum tipo de problema psicológico, porque nunca fui atrás para saber qual o tipo de diagnóstico formal se encaixaria em meu caso, percebo agora aos cinquenta anos que as derrotas coletivas que a classe trabalhadora vem sofrendo cotidianamente me quebraram, me pegaram. 

E acredito que toda essa avalanche de destruição de nosso mundo, toda essa maldade gratuita, todo o sucesso do mal, tudo isso junto e ao mesmo tempo, deve estar afetando muitos de nós que dedicamos a vida a praticar o bem comum, a lutar por um mundo melhor para se viver, um mundo mais justo, solidário e igual para todos. A vitória do mal está nos quebrando de verdade.

Quando a gente se torna uma pessoa com mais consciência política, com visão crítica do mundo e da realidade, a gente não consegue mais voltar a ser a pessoa ignorante que eventualmente tenha sido um dia. Esse é o principal efeito da educação libertadora, da leitura mais engajada e de boa literatura, da formação política de classe, do desenvolvimento de um espírito crítico e humanista nas pessoas, espírito mais centrado na empatia e no desejo de conquistas coletivas e não só pessoais; enfim, o efeito do acesso a essa cultura que citei é nos fazer menos egoístas, menos individualistas e mais colaborativos e cooperativos para se viver em sociedade. 

Destruição das coisas. Da história que fizemos, do ser humano que somos, dos espaços coletivos que criamos, dos laços que fizemos com membros da família, com amigos e conhecidos que chegaram e partiram através das convivências escolares, do trabalho, dos locais onde moramos, da militância que a vida se tornou, enfim, destruição dos espaços coletivos que nos fizeram ser o que somos. Nós somos o acúmulo das diversas vivências que tivemos até hoje. Vivência coletiva, em sociedade. Agora estamos sós, mesmo quando estamos entre pessoas e grupos, estamos sós.

E tudo mudou muito rapidamente para todos nós com o uso de ferramentas de alteração do comportamento humano, ferramentas manipuladas através de redes sociais por pessoas e grupos oportunistas e com poder econômico. Tudo foi muito rápido para os padrões humanos. Pouco mais de uma década de ferramentas que permitem poucos manipularem milhões de pessoas (algoritmos, por exemplo). A pauta do ódio, do medo e da ignorância foi planejada e o efeito disso tem sido devastador para os seres humanos. Fim da democracia. Fim do amor, da amizade e das relações sociais. Fim da reflexão e da paciência. Estamos sofrendo com isso e a vida está perdendo o sentido.

"Happiness only real when shared(A felicidade só é completa/verdadeira quando compartilhada)

Essa frase foi encontrada junto aos restos mortais do jovem norte-americano Alex Supertramp, pseudônimo criado por Christopher McCandless, encontrado em setembro de 1992 em um velho ônibus abandonado no meio do Alasca; ele estava sozinho quando faleceu, após uma longa jornada em busca de algo que ele procurava, talvez um sentido, talvez a felicidade. 

Tenho que pensar em mim para estar aqui. Mas temos que pensar nos outros, para ter algum sentido estarmos aqui. O que estamos vivendo com esta distopia bolsonarista é algo novo e desesperador. Estar aqui é estar para si e para os outros. Quando os outros apoiam o mal, não se indignam com os absurdos contrários aos conceitos básicos de humanidade, quando os outros reproduzem as aberrações inumanas, as coisas perdem o sentido, ficamos sem chão, adoecemos. É isso que estamos vivendo. 

Qual o sentido de tudo quando as pessoas de seu convívio foram capturadas pela lábia, pela retórica, pela manipulação dos homens do mal que estão destruindo todas as possibilidade de um mundo melhor? Hitler e Goebbels fizeram manipulação de massas e o nazismo prosperou na sociedade mais culta e desenvolvida do início do século XX. Hoje, pessoas ao nosso redor fazem vista grossa para o envolvimento do regime com a milícia e bandidos, com o autoritarismo, com a pregação de matar adversários políticos e pobres, com a defesa da violência armada, com as centenas de mentiras descabidas... nossos familiares, colegas, artistas e famosos estão apoiando isso ou se calando...

Difícil dizer algo, difícil, tudo o que a gente acumulou na experiência coletiva parece até que não valeu nada, nada, nada. Como conquistas de décadas são destruídas em meses e parte considerável das vítimas ainda apoia isso? É muito distópico! Não estamos sabendo lidar com isso nem reagir a isso.

William

Post Scriptum: 

Após meses encantado com as aulas que tive de literaturas, não consegui sequer ter cabeça para sentar e fazer os trabalhos de conclusão de disciplina para esta semana. Fico entre triste e envergonhado porque as professoras são muito boas e as aulas delas são muito legais. Mas ver o mal em alta, com apoio das pessoas comuns ao meu redor e a divisão total na minha classe social, faz tudo perder o sentido. Tudo sem sentido. Não sobra paz em mim para algo tão belo quanto a produção de cultura.


Bibliografia:

SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. Companhia das Letras, São Paulo, 2002.