Relendo artigos guardados em casa, este do professor Emir Sader de 2007 me chamou a atenção. Ele trata de semântica, do tratamento da linguagem na disputa de hegemonia nas sociedades. O texto é muito bom.
Fonte: Carta Maior, 22.03.2007
Prof. Emir Sader. Foto do blog do Altamiro. |
Feitas para designar as coisas, as palavras podem
perfeitamente escondê-las. Não fosse assim, o enunciado de algo desvendaria o
seu significado. Mas quem trabalha com palavras sabe das armadilhas que elas
podem conter. Elas podem se prestar para manipulações ideológicas. Vamos
abordar um caso muito significativo e difundido nos discursos contemporâneos,
reproduzidos usualmente pela mídia.
Um jornalista holandês aborda a utilização de algumas palavras para se referir ao conflito entre Palestina e Israel, e como elas revelam operações ideológicas que precisam ser decifradas. Joris Luyendijk usa exemplos da cobertura desse conflito para demonstrar como a forma pela qual se denominam as coisas imprime imediatamente um caráter ao noticiário e ao sentido mesmo do conflito.
Devemos usar “Israel”, “entidade sionista”, “Palestina ocupada”? “Intifada”, “novo Holocausto”, “luta de independência”? Os territórios são “questionados” ou “ocupados”? Devem ser “cedidos” ou “devolvidos”? Trata-se de uma “concessão” se Israel chegar a cumprir as decisões de tratados internacionais que caracterizam os territórios como ocupados e que devem ser devolvidos?
Não há palavra neutra, diz ele. E nos convida a um exercício de múltipla escolha, diante da notícia de uma agência internacional:
”Hoje na Judeia e na Samaria / nos territórios palestinos / nos territórios ocupados / nos territórios disputados / nos territórios liberados, três palestinos / inocentes / terroristas muçulmanos foram eliminados preventivamente / brutalmente assassinados / mortos pelo inimigo sionista / pelas tropas de ocupação israelenses / pelas forças de defesa israelense.”
Reescreva como lhe parece que deva ser dada a notícia e eu te direi quem és, qual a visão que tens do conflito, das forças que se enfrentam e, ao mesmo tempo, das agências de notícias e da imprensa que reproduz suas versões.
E Joris se pergunta: por que um judeu que reivindica a terra que foi dada por Deus é um “ultranacionalista”, enquanto que um muçulmano que pensa da mesma forma é um “fundamentalista”? Por que um governante árabe que escolheu uma política diferente daquela dos ocidentais é um “anti-ocidental” e um governante ocidental que escolheu uma política diferente daquela dos orientais não é chamado de “anti-oriental”? Alguém já viu um líder político estadunidense ser chamado de “radicalmente antiárabe”? Já viram o governo Bush qualificado de “um governo radicalmente antiárabe”?
Um dirigente israelense que acredita no diálogo é chamado de “pomba”. No entanto um palestino que acredita na mesma via é chamado de “moderado”, para dar uma ideia de que a violência se instalou no coração de cada palestino, com alguns dentre eles conseguindo “moderar” essa natureza profunda. E enquanto Hamas “odeia” Israel, nenhum partido ou líder israelita jamais “odeia” os palestinos, mesmo quando pregam sua expulsão. Neste caso trata-se de uma “limpeza étnica”? Ou de uma “deslocação involuntária”? Ou simplesmente de uma “transferência”?
A grande mídia ocidental não usa a palavra “ocupação!” para designar os territórios palestinos sob controle militar de Israel. Pedem à Autoridade Palestina que modere a resistência, procurando que ela “demonstre que não fez o suficiente contra a violência”. Mas não se explica aos ocidentais o terror, a opressão, a humilhação que se esconde por detrás das palavras “ocupação”. Os correspondentes ocidentais falam dos “sangrentos atentados suicidas”, mas nunca da “sangrenta ocupação”. Os mortos israelenses - três vezes menos que os palestinos - têm nome, sobrenome, cara, família, emprego, amigos, bairro e casa em que mora, enquanto que os palestinos desaparecem sob a expressão - terroristas palestinos e outras versões afins.
Fidel Castro é invariavelmente “ditador”, não sendo chamado assim o presidente egípcio Moubarak* ou o presidente paquistanês Mousharaf ou os dirigentes de países árabes aliados do Ocidente. Como tampouco os ditadores brasileiros - Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo -, todos ex-presidentes brasileiros, segundo a imprensa local.
Os canais de noticiário costumam caracterizar seu trabalho com lemas como “Nós informamos, você decide”. Mas fica claro que o tipo de informação - e de palavras para designar quem é quem em cada conflito e qual sua natureza -, condiciona fortemente, quando já não contém em si as respostas daquilo que aparentemente está perguntando.
Um jornalista holandês aborda a utilização de algumas palavras para se referir ao conflito entre Palestina e Israel, e como elas revelam operações ideológicas que precisam ser decifradas. Joris Luyendijk usa exemplos da cobertura desse conflito para demonstrar como a forma pela qual se denominam as coisas imprime imediatamente um caráter ao noticiário e ao sentido mesmo do conflito.
Devemos usar “Israel”, “entidade sionista”, “Palestina ocupada”? “Intifada”, “novo Holocausto”, “luta de independência”? Os territórios são “questionados” ou “ocupados”? Devem ser “cedidos” ou “devolvidos”? Trata-se de uma “concessão” se Israel chegar a cumprir as decisões de tratados internacionais que caracterizam os territórios como ocupados e que devem ser devolvidos?
Não há palavra neutra, diz ele. E nos convida a um exercício de múltipla escolha, diante da notícia de uma agência internacional:
”Hoje na Judeia e na Samaria / nos territórios palestinos / nos territórios ocupados / nos territórios disputados / nos territórios liberados, três palestinos / inocentes / terroristas muçulmanos foram eliminados preventivamente / brutalmente assassinados / mortos pelo inimigo sionista / pelas tropas de ocupação israelenses / pelas forças de defesa israelense.”
Reescreva como lhe parece que deva ser dada a notícia e eu te direi quem és, qual a visão que tens do conflito, das forças que se enfrentam e, ao mesmo tempo, das agências de notícias e da imprensa que reproduz suas versões.
E Joris se pergunta: por que um judeu que reivindica a terra que foi dada por Deus é um “ultranacionalista”, enquanto que um muçulmano que pensa da mesma forma é um “fundamentalista”? Por que um governante árabe que escolheu uma política diferente daquela dos ocidentais é um “anti-ocidental” e um governante ocidental que escolheu uma política diferente daquela dos orientais não é chamado de “anti-oriental”? Alguém já viu um líder político estadunidense ser chamado de “radicalmente antiárabe”? Já viram o governo Bush qualificado de “um governo radicalmente antiárabe”?
Um dirigente israelense que acredita no diálogo é chamado de “pomba”. No entanto um palestino que acredita na mesma via é chamado de “moderado”, para dar uma ideia de que a violência se instalou no coração de cada palestino, com alguns dentre eles conseguindo “moderar” essa natureza profunda. E enquanto Hamas “odeia” Israel, nenhum partido ou líder israelita jamais “odeia” os palestinos, mesmo quando pregam sua expulsão. Neste caso trata-se de uma “limpeza étnica”? Ou de uma “deslocação involuntária”? Ou simplesmente de uma “transferência”?
A grande mídia ocidental não usa a palavra “ocupação!” para designar os territórios palestinos sob controle militar de Israel. Pedem à Autoridade Palestina que modere a resistência, procurando que ela “demonstre que não fez o suficiente contra a violência”. Mas não se explica aos ocidentais o terror, a opressão, a humilhação que se esconde por detrás das palavras “ocupação”. Os correspondentes ocidentais falam dos “sangrentos atentados suicidas”, mas nunca da “sangrenta ocupação”. Os mortos israelenses - três vezes menos que os palestinos - têm nome, sobrenome, cara, família, emprego, amigos, bairro e casa em que mora, enquanto que os palestinos desaparecem sob a expressão - terroristas palestinos e outras versões afins.
Fidel Castro é invariavelmente “ditador”, não sendo chamado assim o presidente egípcio Moubarak* ou o presidente paquistanês Mousharaf ou os dirigentes de países árabes aliados do Ocidente. Como tampouco os ditadores brasileiros - Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo -, todos ex-presidentes brasileiros, segundo a imprensa local.
Os canais de noticiário costumam caracterizar seu trabalho com lemas como “Nós informamos, você decide”. Mas fica claro que o tipo de informação - e de palavras para designar quem é quem em cada conflito e qual sua natureza -, condiciona fortemente, quando já não contém em si as respostas daquilo que aparentemente está perguntando.
A
vingança da história
Emir Sader aproveita o artigo para informar que saiu a nova edição do seu livro “A vingança da história” (Editora Boitempo - 021-38757250 - www.boitempoeditorial.com.br), com um capítulo novo, de balanço do primeiro governo Lula.
Emir Sader aproveita o artigo para informar que saiu a nova edição do seu livro “A vingança da história” (Editora Boitempo - 021-38757250 - www.boitempoeditorial.com.br), com um capítulo novo, de balanço do primeiro governo Lula.
*PS do Blog: depois das "primaveras árabes", os empresários da
imprensa comercial golpista (PIG) passaram a chamar Moubarak de “ditador”
também. É a velha questão de conveniência dos empresários donos da mídia.
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