Lula é uma referência importante para a Concepção e Prática Sindical da CUT. |
Este capítulo do livro de Denise Paraná, com uma entrevista do Lula em dezembro de 1993, é para mim um capítulo muito especial. Desde que o li pela primeira vez, pensei nele como um texto teórico para debater formação sindical com dirigentes e trabalhadores sobre ser um militante CUTista e também da Articulação Sindical.
O ideal é ler o capítulo todo. Aqui na postagem tenho que escolher frases e algumas partes e nunca é a mesma coisa. Apesar do trabalho que dá, quero deixar registrado no Blog alguns excertos desta entrevista do presidente Lula da Silva e alguns comentários meus.
QUE TIPO DE SINDICATO?
Lula: "Há uma dinâmica na categoria. À medida que a categoria ia exigindo, você ia... Na medida em que nós fizemos uma opção de que o sindicato não seria o tutor da categoria, mas seria uma espécie de caixa de ressonância da categoria, cada vez que os trabalhadores exigiam, ao invés da gente represá-los, a gente soltava. Então eles queriam mais boletim; era mais boletim, mais atividade, era mais atividade, mais curso de formação política, era mais curso de formação política. Eles queriam que a gente radicalizasse mais, a gente radicalizava mais. A gente passou a viver muito por conta do próprio crescimento da própria categoria. Por isso que eu digo sempre que eu sou o fiel resultado do crescimento da minha categoria. Nem mais nem menos. À medida que ela avançava, eu avançava, na medida em que ela não avançava, eu não avançava. Eu não era representante de mim mesmo, era representante deles. No mínimo eu teria que ser fiel àquilo que eles queriam..."
PRIMEIRO DE MAIO
Lula: "A gente fez um grande Primeiro de Maio. Em 1976 a gente já começou a fazer os primeiros Primeiros de Maio de protesto. Porque antes os Primeiros de Maio eram quase que festa. Em 1977 o pessoal trotskista ligado à Libelu, ou sei lá se a própria Convergência, chamava a gente de 'neopelego'. Esse termo 'neopelego' queria dizer que a gente era um tipo de pelego novo, que era pelego, só que não era o tradicional. Mas com este tipo de comportamento a gente nunca se preocupou..."
OPOSIÇÕES E CORRENTES POLÍTICAS NO SINDICATO
Lula: "A gente tinha oposição dentro das fábricas. Nesta época, em 1976, 1977, começaram a vir grupos de esquerda para dentro da categoria: eram estudantes que se disfarçavam de trabalhadores e vinham para dentro da categoria. Era da Universidade de São Carlos, gente que vinha da Universidade do Paraná... Foi um momento em que os estudantes começaram a imaginar que poderiam, entrando numa categoria importante como a nossa, que eles poderiam liderar a classe operária brasileira.
E os estudantes encontraram uma categoria disposta a brigar inclusive com eles..."
(Lula fala de um militante da Convergência preso ao fazer atividade para a corrente e não para o sindicato):
Lula: "Mas aí o pessoal da Convergência vinha conversar comigo para fazer uma nota de solidariedade. Eu falava: 'Olha, a gente faz a nota de solidariedade. Agora, é importante a gente frisar na nota que ele não estava cumprindo a atividade sindical. É importante para não confundir. Eu não vou passar por mentiroso'...
(...) E naquela época a Convergência começou a aparecer muito fortemente na categoria, empregando gente em várias empresas para tentar ter uma atuação no sindicato. O pessoal do MR-8, o pessoal do 'Partidão' começou a levar gente para São Bernardo. E outras organizaçõezinhas de esquerda, a Ala Vermelha, estava todo mundo lá. Virou uma 'federaçãozinha de esquerda'.
E é engraçado porque a diretoria nunca perdeu o controle. A gente se relacionava bem com todos eles, mas nunca perdemos o controle, todos eles acatavam as decisões da categoria, da diretoria. A gente às vezes ia para o enfrentamento com eles nas assembleias porque eles radicalizavam e sectarizavam e a gente ia duro para cima deles. Mas a gente sempre manteve uma relação política respeitosa."
APRENDIZADO NA CONVIVÊNCIA COM AS CORRENTES POLÍTICAS
Lula: "Aí eles tiveram um papel importante nesse processo todo. Eu acho que a gente não pode dizer que não tiveram. Tiveram um papel importante no aumento do nível de consciência desse pessoal, dos operários. Acho que várias pessoas da Convergência tiveram essa participação. Tudo isso foi evoluindo para aprimorar a minha cabeça política..."
FALHAS NA QUESTÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO
Lula: (falando dos problemas ocorridos no Congresso da Mulher Metalúrgica e das feministas):
"O pessoal era muito radical, muito radical. E esse foi um congresso muito importante. É uma pena que a gente não deu sequência ao trabalho na questão da mulher como merecia. Às vezes a gente relaxava e não compreendia as dificuldades [da mulher]. Não basta aprovar num documento que a mulher é igual e não sei o quê... É preciso saber se a gente cria condições para que a diversidade do mundo da mulher possa ser assimilada. Quando você fala: 'Tem que participar de uma assembleia homem e mulher...', se é um casal que tem três ou quatro filhos e alguém tem que fazer a janta para as crianças e [o casal] não pode ter empregada, alguém vai ter que ficar em casa. Então os dois não podem ir. É preciso saber como é que compatibiliza isso. No PT, por exemplo, eu tenho dito: 'Não adianta dizer que a mulher tem que participar. Quando a gente faz um encontro e passa o domingo inteiro juntos, a gente estabeleceu condições de ter creche para os casais deixarem as crianças? Alguém vai cuidar de fazer almoço para estas crianças? Porque é assim que a gente vai dar condições'.
Então, eu acho que a gente falhou. Essa é uma das coisas em que nós falhamos: não dar sequência a esse trabalho com as companheiras mulheres, que na época chegavam a ser 20 e poucos por cento da categoria. A gente não soube trabalhar corretamente isso. É um dado concreto, eu assumo a responsabilidade. Apesar desse congresso ter sido um grande sucesso, a gente não deu uma sequência do ponto de vista de trazer a mulher para dentro do sindicato mesmo. Agora, obviamente que melhorou muito a participação [das mulheres] nas assembleias. Mas a gente não conseguiu o grau de militância que a gente imaginava que poderia conseguir."
COMENTÁRIO RÁPIDO
O capítulo é longo e tem muitos ensinamentos. De maneira geral, nascia ali no período em que Lula está falando (entre anos 70 e 80), nossas concepções e práticas da Central Única dos Trabalhadores.
Alguns trechos que sublinhei considero importantes. Nós não somos representantes de nós mesmos quando estamos em um sindicato de trabalhadores. O sindicato não é prestador de serviço, é local de organização e ressonância dos trabalhadores.
Na medida do possível, um dirigente e uma categoria têm que evoluir juntos, ou então partilharem e viverem juntos os mesmos dramas. O dirigente deve estar ao lado de seus representados.
Ter uma convivência respeitosa com as correntes políticas que militam no movimento é importante e traz crescimento político para todo mundo.
Não adianta falar de igualdade de oportunidades sem criar as oportunidades para a igualdade.
É isso. Seguimos depois com o capítulo.
William Mendes
Secretário de Formação da Contraf-CUT
Bibliografia:
PARANÁ, Denise. Lula, o filho do Brasil. Apresentação de Antonio Candido. Editora Fundação Perseu Abramo. 1ª edição: dezembro de 2002. 3ª edição, 3ª reimpressão: julho de 2009.
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