terça-feira, 28 de julho de 2015
"Confesso. Eu cá não madruguei em ser corajoso..." (Riobaldo Tatarana)
Refeição Cultural
"Eu estava meio dúbito. Talvez, quem tivesse mais receio daquilo que ia acontecer fosse eu mesmo. Confesso. Eu cá não madruguei em ser corajoso; isto é: coragem em mim era variável. Ah, naqueles tempos eu não sabia, hoje é que sei: que, para a gente se transformar em ruim ou em valentão, ah basta se olhar um minutinho no espelho - caprichando de fazer cara de valentia; ou cara de ruindade! Mas minha competência foi comprada a todos custos, caminhou com os pés da idade..." (pág. 62)
(Grande Sertão: Veredas. João Guimarães Rosa. 1956. Edição 19ª, Editora Nova Fronteira)
Meu filho, esta postagem é pra dizer que te amo. É pra dizer que o amor que sabemos que sua mãe tem por ti é a maior coisa do mundo: é amor de mãe. Porque é incondicional. Amamos você e isso deve valer para superarmos cada estresse diário que temos nessa vida de veredas várias.
Filho, peço desculpas a você! Porque você está naquela idade dura e boa da adolescência e minha ausência devido ao meu trabalho e minha militância prejudica meu estar-à-disposição para você e para sua mãe, mesmo sabendo que jovem não quer saber muito dos pais. Temos que estar disponíveis física e psicologicamente.
Filho, tivemos uma noite intranquila, mas superamos ela (tão comum na vida!). Peço perdão a você porque na noite anterior, ao invés do abraço inicial, eu usei o olhar que construí desde pequeno no mundo duro em que me criei. E fui rude com quem só merecia o abraço naquele instante, não o olhar (que precisei recuperar para os inimigos, os adversários, porque estou enfrentando o mundo mais duro que já vivi).
Filho, a vida é dura. Quando cheguei menino em terra estranha tive que me transformar, "fazer cara de valentia, ou cara de ruindade". Imagina, então, para entrar para o trabalho braçal menino! Depois na adolescência de volta à São Paulo, a mesma coisa, ao andar nas madrugadas paulistas para trabalhar ou voltar para casa.
Sei o quão é intensa a sua juventude, porque vejo a minha juventude. O mundo mudou. A vida dos jovens de hoje é claro que não é a vida dos jovens de ontem. Mas os jovens são sempre os jovens. Intensidade. Explosão!
Filho, por fim, perdoe minha ausência e dedicação excessiva à missão que me deram. Acredito que filhos de militantes como nós tem uma vida diferente. Perdoe por transtornar a sua vida e a de sua mãe, tirando vocês do mundo de vocês por causa da missão que me deram. Estou fazendo o que posso para remediar.
Só mais uma coisa, filho: eu apóio que você seja o que você quiser ser. Nunca pensei diferente. Mas conversamos pouco. Se precisar de seu pai e de sua mãe, conte conosco nos repentes da juventude. Você é uma pessoa muito especial.
Me perdoe quando não conseguir desarmar minha armadura da luta quando olhar pra ti em algum instante. É que minha vida está muito dura, mesmo com a idade avançando nos tempos.
A diferença, hoje, é que meu coração não tem mais lugar pra ódio, como foi ao longo de boa parte da minha vida.
Um abraço apertado, filho.
William Mendes
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