quarta-feira, 20 de abril de 2016

A difícil e necessária arte intelectual de evitar o revide à provocação e ao ódio gratuito


A natureza a ser observada, de maneira a que
 amansemos as raivas. Paineira Rosa em Brasília.

Refeição Cultural

"Do que de uma feita, por me valer, eu entendi o casco de uma coisa. Que, quando eu estava assim, cada de-manhã, com raiva de uma pessoa, bastava eu mudar querendo pensar em outra, para passar a ter raiva dessa outra, também, igualzinho, soflagrante. E todas as pessoas, seguidas, que meu pensamento ia pegando, eu ia sentindo ódio delas, uma por uma, do mesmo jeito, ainda que fossem muito mais minhas amigas e eu em outras horas delas nunca tivesse tido quizília nem queixa. Mas o sarro do pensamento alterava as lembranças, e eu ficava achando que, o que um dia tivessem falado, seria por me ofender, e punha significado de culpa em todas as conversas e ações. O senhor me crê? E foi então que eu acertei com a verdade fiel: que aquela raiva estava em mim, produzida, era minha sem outro dono, como coisa solta e cega. As pessoas não tinham culpa de naquela hora eu estar passeando pensar nelas. Hoje, que enfim eu medito mais nessa agenciação encoberta da vida, fico me indagando: será que é a mesma coisa com a bebedice de amor? Toleima. O senhor ainda me releve. Mas, na ocasião, me lembrei dum conselho que Zé Bebelo, na Nhanva, um dia me tinha dado. Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é. Zé Bebelo falava sempre com a máquina de acerto - inteligência só. Entendi. Cumpri. Digo: reniti, fazendo finca-pé, em força para não esparramar raivas...

(Riobaldo Tatarana, em Grande Sertão: Veredas. Guimarães Rosa, 1956. Editora Nova Fronteira, edição


Roteiro de uma vida proletária aprendendo a lidar com a raiva e o ódio contra as iniquidades

Saí para correr na noite fresca de Brasília. Corri 5 km em 31' com 21º e fiquei o tempo todo tentando esquecer os aborrecimentos oriundos das provocações que sofremos e do ódio e intolerância que nos miram por sermos o que somos: militantes de esquerda e representantes de um setor da sociedade - a classe trabalhadora.

Lembrei da passagem acima do "Grande Sertão: Veredas" a respeito dos sentimentos de raiva e ódio e o quanto eles podem aprisionar a nossa mente e o nosso ser.

Acredito que uma das artes intelectuais mais difíceis de desenvolver na natureza humana, animal que somos, é a arte de evitar o revide instantâneo e às vezes de consequências drásticas e irremediáveis às provocações e ao ódio e agressão gratuitos.

Há anos lido comigo mesmo para desenvolver essa habilidade humana: ser mais inteligente que o provocador ou agressor e não revidar de forma imediata à agressão, seja ela física ou moral. Alguns momentos em minha vida marcam passagens evolutivas nesta habilidade.

Infância e adolescência

Pela miséria que enfrentei após os dez anos de idade, cresci sentindo muito ódio do mundo e de tudo, principalmente da exploração por parte da elite e dos abastados e da injustiça contra nós todos que sofríamos na miséria.

Depois de sofrer ameaças no mundo infanto juvenil, aprendi a revidar e a me estabelecer no espaço em que vivia. Depois que frequentei ao longo da adolescência os ensinamentos da arte marcial Kung Fu, aprendi a não brigar mais porque era a lição número um do mestre e da academia. Melhorei como pessoa que iniciava para a vida adulta.

Anos noventa, o ser bancário do BB no governo do PSDB/FHC

Vieram os anos noventa e eu passei a trabalhar no Banco do Brasil após os 22 anos de idade. Logo depois que cheguei ao banco, vi o que o PSDB, DEM, PMDB, já a Rede Globo e demais asseclas fizeram aos trabalhadores em geral e aos meus colegas do BB. Vi o assédio e o expurgo de 50 mil colegas de forma humilhante e assassina. Eu vi e vivi os suicídios no massacre tucano aos colegas do banco.

Vocês não têm noção do ódio que senti aos vinte e poucos anos daquela injustiça social que vivemos.

Início da função de dirigente sindical eleito e representante dos trabalhadores

Se eu havia lidado comigo mesmo e com a raiva que sentia das injustiças do mundo na adolescência e depois que vi o que sofreram meus colegas e o povo brasileiro nas mãos de um governo tucano vira-latas, compromissado com os grandes imperialistas a soldo pago a ralés do terceiro mundo, faltava ainda a experiência de representar os trabalhadores como eleito.

A experiência no início da vida sindical que marcou minha vida foi logo nas primeiras semanas como diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região, liberado para as atividades sindicais e de representação de meus colegas a partir de agosto de 2002.

Um dia, numa panfletagem na porta do Complexo do BB na São João, dialogando com os colegas sobre as eleições presidenciais naquele ano, um bancário invocou comigo e começou a gritar e me ofender, a por o dedo em meu nariz, falar quase cuspindo em meu rosto, enfim, vociferando comigo. Eu que não era muito tolerante e tinha meus limites, precisei me reinventar naquele instante para não revidar e até sairmos na mão. Consegui! Ali eu marquei um ponto a favor de não revidar às agressões de pessoas intolerantes.

Passei meus quase 14 anos de representação sindical sendo conhecido como um dirigente que sabia ouvir os colegas, debater, construir consensos e aceitar dissensos.

A madurez dos quarenta e poucos anos, sendo dirigente de entidade de saúde dos trabalhadores e num mundo envenenado pelo ódio plantado por golpistas

Chegamos ao meu mundo de representação atual e ao Brasil de 2016 no auge do ódio semeado pelos meios de comunicação dos empresários golpistas - famílias Marinho, Civita, Frias, Mesquita et caterva -, juntamente com os partidos derrotados nas eleições de 2014 e liderados pelos mesmos tucanos que já conhecemos dos anos noventa.

Neste momento, finalizo meu texto de reflexão com os raros leitores que chegaram até aqui para dizer do esforço que fiz hoje para não agir compulsivamente e revidar aos dois cidadãos que me incomodaram os pensamentos neste dia: um que me provocou na rede social facebook e o outro que teve a pachorra de ir ao andar da Diretoria na Cassi que administro para passar alguns recados e fazer provocações (esses covardes só vão na hora em que não estamos).

O familiar que me provocou: é um sujeito cujos traços no sangue nos colocam como primos, e com o qual já não tenho contato há muito tempo. Eu nunca tive problema pessoal com ele, mas ele pegou a seguir a Globo, a Veja e passou a me odiar por entender que eu sou "aquele petista filho da puta". Ele veio da merda como eu e toda a nossa família. Ninguém de minha família sanguínea faz parte daqueles 5% donos de tudo no Brasil, ex-colônia. O sujeito que foi subproletário e agora se acha "classe média" melhorou de vida como milhões de brasileiros durante os governos do PT. Mas se convenceu que tem carro e profissão liberal por mérito próprio. É o cara!

Não é que o cara ainda dedica um espaço no cérebro dele para mim depois de tanto tempo sem nenhuma relação comigo? O sujeito, ao invés de levar a bela vida dele ocupando o cérebro como já faz com álcool, carros e mulheres, entre São Paulo e Goiás, no domingo 17/4, dia do Golpe Parlamentar, aquele dia macabro quando a nação conheceu o grau de qualidade dos congressistas, o sujeito escreveu no seu perfil que gostaria de ver e saber da expressão de minha pessoa com todo aquele horror do impeachment...

Eu digo aqui que fiquei muito triste, senti uma tristeza que ainda não me abandonou. Não vai passar, porque o golpe foi consumado e o povo brasileiro não reagiu. Agora virão as consequências para a classe trabalhadora que represento.

Fiquei umas duas horas pensando se escrevia alguma resposta para o cidadão lá onde estão as merdas provocativas a mim e decidi que não vale a pena. Não vou me igualar a ele. Desejo saúde ao cidadão e que ele aprenda algum dia a respeitar as pessoas.

O sujeito que foi hoje à Cassi, depois que saí para o almoço, fazer provocações e dar indiretas que pode voltar após os resultados das eleições: outra coisa que me encheu o saco hoje, foi o fato de mais um sujeito(a) ir ao andar em que está a Diretoria que sou responsável falar umas indiretas e fazer umas provocações, insinuou que pode ser que ele volte conforme os resultados das eleições da entidade.

E olha que de manhã fizemos uma excelente reunião com os trabalhadores para tranquilizá-los sobre o dia a dia da nossa Caixa de Assistência. Fiquei pê da vida no fim da tarde ao saber e quase liguei para o cidadão.

Mas vamos combinar o seguinte: se o cidadão voltar após as eleições, estaremos lá para seguir defendendo os interesses dos associados e os projetos que representamos. O nosso trabalho em defesa da Cassi vai continuar da mesma forma que estamos fazendo.

Uma flor ao chão ainda é melhor
de se ver do que o ódio e provocações
de alguns animais humanos.

Bom, escrevi aqui e já passou. Não perco mais um minuto com esses sujeitos incomodando meus pensamentos. Seguimos perseguindo a arte de não deixar que os meios dos provocadores nos rebaixem ao nível deles.

William Mendes

2 comentários:

Vitor disse...

Ontem passei por uma situação muito parecida e tive sim que me segurar para não cair nas provocações e aceitar o revide. Apesar de discordar das suas ideias partidárias, concordo em tudo que vc disse sobre evitar o revide. Algumas pessoas são seres inferiores sem.luz
Não merecem que desgastemos nossa energia com a ira.

William Mendes disse...

É isso aí, Vitor! Não vamos nos rebaixar ao nível dos reles provocadores.

Abraços fraternos,

William