sábado, 26 de agosto de 2017
Leitura: Olhos D'Água (2014) - Conceição Evaristo
(atualizado às 14h24, de 14/12/19)
Refeição Cultural
"O nosso povoado infértil morria à míngua e mais e mais a nossa vida passou a desesperançar..."
(Ayoluwa, a alegria de nosso povo, conto de Conceição Evaristo)
Tive meu primeiro contato com a obra da autora mineira Conceição Evaristo em maio deste ano de 2017. Após ler uma matéria no site da revista Carta Capital a respeito de uma exposição dela, comprei alguns livros de sua autoria. Li Ponciá Vicêncio (2003) e achei a leitura profunda. (comentário AQUI)
Semanas atrás, refleti que não poderia continuar no ritmo de leituras literárias neste semestre como consegui no anterior, por causa de dificuldades diversas já previstas em minha agenda neste período. Decidi focar na leitura de ao menos um livro clássico e muito citado como referência naquilo que seriam as relações sociais em nosso País. Trata-se de Casa-grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre. A empreitada será lenta e já estou nela (comentário AQUI).
Após mais uma cansativa e produtiva semana de trabalho na gestão e defesa de nossa Cassi, estou sozinho em nossa casa em Osasco, neste fim de semana. Como não dá para ficar carregando para lá e para cá um livrão daqueles (do Freyre), levo a tira-colo um livrinho mais leve para oportunidades de alimentos d'alma. Foi o caso do livro de Evaristo que acabei de ler nesta manhã de sábado.
O livro Olhos D'Água é um livro que reúne 17 contos da autora. Li os primeiros em voos por aí. As estórias são duras, muito duras. Nos levam às lágrimas. Nos dão socos no estômago. Mas são leituras necessárias, haja vista que retratam a mesma realidade que vemos ou fazemos de conta que não vemos ao nosso redor - sobre pessoas carentes, em condição de miséria, em sua maioria negros e negras.
Ao ler os contos "Di Lixão" e "Lumbiá", lembrei-me das denúncias sociais do nosso querido autor baiano Jorge Amado, em Capitães da areia (1937): comentário AQUI. Em relação à tristeza que perpassa todas as estórias de Olhos D'Água, pensei muito na semelhança da condição social das personagens do fantástico livro do autor mexicano Juan Rulfo, Pedro Páramo (1955). Tenho alguns comentários sobre esta obra no Blog (ler AQUI).
A condição para a qual caminha o nosso querido Brasil e o seu sofrido povo nos toca mais ainda ao ler cada conto trágico que Conceição Evaristo nos apresenta.
Mas, ao mesmo tempo em que a tônica das leituras nos leva à condição do título da obra "Olhos D'Água", algumas estórias nos despertam a esperança. Eu adorei e fiquei refletindo muito na possibilidade despertada na personagem Cida em "O cooper de Cida".
"Mas naquele dia, a semidesperta manhã inundava Cida de um sentimento pachorrento, de um desejo de querer parar, de não querer ir. Sem perceber, permitiu uma lentidão aos seus passos e pela primeira vez viu o mar..." (EVARISTO, 2017, p. 67)
Também nos dá um sentimento de obrigação de resistir e lutar e vencer a desesperança quando lemos o conto "Ayoluwa, a alegria de nosso povo".
"Ninguém se assustou. Sabíamos que estávamos parindo em nós mesmos uma nova vida. E foi bonito o primeiro choro daquela que veio para trazer a alegria para o nosso povo. O seu grito, comprovando que nascia viva, acordou todos nós. E partir daí tudo mudou. Tomamos novamente a vida com as nossas mãos..." (EVARISTO, 2017, p. 114)
Amig@s leitores, assim como na ficção literária, que se confunde com a nossa realidade muitas vezes, eu alimento todos os dias a esperança que, de um instante ao outro, as pessoas acordem para a dura realidade de destruição de nosso mundo por parte dos golpistas que tomaram de assalto o nosso País e a reação popular comece em cadeia, retomando na luta o Estado para o povo brasileiro.
Os contos de Evaristo me tocaram profundamente.
William
Bibliografia:
EVARISTO, Conceição. Olhos d'água. 1ª edição, 4ª reimpressão - Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 2017.
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Post Scriptum (14/12/19):
Reli o livro de Conceição Evaristo. Que obra tocante! Que momento para ler os contos deste livro! O Brasil de agora é o Brasil da volta ao mapa da fome, da miséria explodida, com metade da população - mais de 100 milhões de pessoas - "quase-vivendo" com cerca de 400 reais por mês. Com o golpe de Estado em 2016, com o novo regime iniciado com as fraudes eleitorais em 2018, que deram num governo da milícia, da morte, tanto na República quanto em diversos Estados, "quase-vivemos" numa realidade de governadores mandando darem tiros na cabecinha, metralharem favelas de cima, dos helicópteros... nesse cenário de 2019 adiante, as personagens de "Olhos d'água" são as nossas vítimas reais: Ágatha (do complexo do Alemão - RJ), Lucas (de Santo André - SP)... são tantos e tantos personagens de tragédias reais que se confundem com as tragédias ficcionais!
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