segunda-feira, 5 de setembro de 2011

ESAÚ E JACÓ - Leituras machadianas

Hoje estava relendo meu primeiro diário, que data de agosto de 2007. Na época, a agonia de divergir internamente em minha corrente política, em relação a uma proposta de remuneração variável para aquela campanha, deixou-me destruído. Fui buscar na escrita pessoal a reflexão sobre valer ou não a pena seguir em minha representação dos trabalhadores.

O romance Esaú e Jacó, do Conselheiro Aires, na verdade de Machado de Assis, é fruto de escritos pessoais. Vários volumes foram deixados pelo conselheiro, sendo os seis primeiros como parte de um Memorial e o outro em forma de Narrativa.

Acho que todos deveriam escrever com certa constância sobre as coisas. Isso, lá na frente, pode ser útil, senão ao próprio escritor, aos amigos e pessoas do amanhã. Felizmente, no passado anterior ao email e à rede mundial, os escritos eram em papel e hoje os temos analisados. Daqui a cinquenta anos, talvez não tenhamos nada registrado do que foi feito em palavras - orais e eletrônicas - e não em papel ou outro suporte mais duradouro que algo eletrônico.

Bom, reproduzo abaixo um excelente capítulo onde o autor dialoga com o leitor (no caso, a leitora) e faz algo pouco usual nos dias que correm. É muito interessante.

Nosso mestre Machado de Assis
CAPÍTULO XXVII

DE UMA REFLEXÃO INTEMPESTIVA

EIS AQUI entra uma reflexão da leitora: "Mas se duas velhas gravuras os levam a murro e sangue, contentar-se-ão eles com a sua esposa? Não quererão a mesma e única mulher?"

O que a senhora deseja, amiga minha, é chegar já ao capítulo do amor ou dos amores, que é o seu interesse particular nos livros. Daí a habilidade da pergunta, como se dissesse: "Olhe que o senhor ainda nos não mostrou a dama ou damas que têm de ser amadas ou pleiteadas por estes dous jovens inimigos. Já estou cansada de saber que os rapazes não se dão ou se dão mal; é a segunda ou terceira vez que assisto às blandícias da mãe ou aos seus ralhos amigos. Vamos depressa ao amor, às duas, se não é uma só a pessoa..."

Francamente, eu não gosto de gente que venha adivinhando e compondo um livro que está sendo escrito com método. A insistência da leitora em falar de uma só mulher chega a ser impertinente. Suponha que eles deveras gostem de uma só pessoa; não parecerá que eu conto o que a leitora me lembrou, quando a verdade é que eu apenas escrevo o que sucedeu e pode ser confirmado por dezenas de testemunhas? Não, senhora minha, não pus a pena na mão, à espreita do que me viessem sugerindo. Se quer compor o livro, aqui tem a pena, aqui tem papel, aqui tem um admirador; mas, se quer ler somente, deixe-se estar quieta, vá de linha em linha, dou-lhe que boceje entre dous capítulos, mas espere o resto, tenha confiança no relator destas aventuras.


COMENTÁRIO:

QUE DELÍCIA de capítulo! Vi um diálogo assim entre autor e leitor em Niebla, de Miguel de Unamuno. Aliás, aos que gostam de inovações em técnicas literárias, leiam e contem depois. O personagem de Unamuno saí de um mundo para ir ao outro, confundindo o leitor entre mundo real e mundo ficcional. É fantástico.

A brincadeira de Machado, ou de Aires, de pedir para a leitora parar de sugerir o que mais adiante virá é muito legal. Também vi dessa técnica em vários livros e contos do próprio Machado, de sua fase "romãntica".


Bibliografia:
ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. In: Obras Completas. Editora Globo, 1997.

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