Refeição Cultural
“Não é só uma questão de bater mais forte... é uma questão de saber suportar a dor... de persistência...” (personagem Rocky Balboa)
Não adianta negar o óbvio: que a história de cada um de nós
é marcada e moldada por personagens que contatamos no passado, tanto na vida
real quanto na fictícia, que nós somos hoje a soma de eventos ocorridos ao
longo de nossa existência.
"O que somos é
feito do que fomos, de modo que convém aceitar com serenidade o peso negativo
das etapas vencidas." (Antônio Candido)
Somos hoje a soma de
nosso viver. Também podemos dizer que somos fruto de nosso meio e ambiência
cultural.
E olha que isso vale para tudo. Vale para nossa condição de
saúde porque somos hoje o reflexo de uma vida alimentar regrada ou desregrada,
bem como o hoje reflete se cuidamos de nosso corpo ou se abusamos dele. E não
falo somente da questão do autocuidado.
Marcas de nossa
herança proletária
Cada um de nós carrega os reflexos negativos das condições
de trabalho a que fomos submetidos ao longo da nossa história proletária de venda
da força de trabalho para os exploradores capitalistas.
Será que minha vista seca não é consequência das paredes e
concreto que quebrei nas construções sem proteção alguma? Comi e respirei muito
pó de cimento e tijolo na minha adolescência como ajudante de encanador.
Por que será que não tenho um olfato aguçado? Quantos têm
noção do que é trabalhar com esgoto?
Aliás, minha história olfativa teve uma segunda dose de
necessidade de bloqueio mental ao ato de cheirar: quando trabalhei em SP em
distribuidora de palmitos, também na adolescência, tinha o momento pesado de
descarregar caminhão com toneladas de caixas de palmito, e tinha os
momentos mais “pesados” ainda – abrir latas estufadas de palmitos podres num
canto isolado da empresa porque não se podia jogar fora a lata. Tive que
conviver com o maior fedor do mundo...
Acho que sei porque meu cérebro bloqueou parte de meu
olfato...
Personagens da primeira infância, da literatura e do cinema forjam nossa psique
Imaginem então quando falamos de personagens da literatura,
do cinema, da vida política, das pessoas que tiveram alguma relação conosco
durante o nosso crescimento como, por exemplo, nossos pais, nossos professores,
familiares, vizinhos e amigos.
Nunca me esqueci do professor Glicério, de química, que nos
ensinava a prestar atenção nas perguntas das provas para acharmos a solução
adequada nas respostas... as perguntas são muito importantes mesmo!
A adolescência em condições difíceis nos anos oitenta me
trouxe várias referências para suportar a vida, a dor, a tristeza, a raiva e
não cair, não ficar pelo caminho. Pode não ser algo para se orgulhar ter se
inspirado à esmo em personagens durões da vida real em meu entorno ou da
ficção. Mas sobrevivi para depois ter outras oportunidades na vida a partir dos
vinte e poucos anos.
Bom, por fim, tive boas inspirações também ao ver
diariamente meus pais enfrentando com honra, ética, gana e humildade as
dificuldades daquela época. É verdade que me inspirei em suportar a dor em
personagens do cinema e da literatura, mas também através da arte marcial Kung
Fu que tive a sorte de frequentar durante a adolescência e que me trouxe
estabilidade de comportamento social.
A revisita ao passado
também serve para enrijecer corpo e mente
A vida que levo há anos como militante de causas sociais é
uma existência que exige uma grande energia interior, muito além daquela
energia média do dia a dia de quem só está curtindo a vida e que tanto faz como
tanto fez qualquer coisa. Sem nenhum demérito para a ampla maioria que vive
assim. A escolha de ser militante do movimento social foi minha e eu assumo
isso.
Mas para amanhecer diariamente e encaminhar as lutas para as
quais nos dispusemos, é necessário encontrar força interior, equilíbrio e foco
para suportar os movimentos de ataques e contra-ataques das posições contrárias
no tabuleiro das lutas. É o nosso entorno diário. E é assim mesmo!
Vez por outra, revisito meus livros, meus filmes, meus personagens,
testo minha resistência às dores físicas e psicológicas, enfim, me faço um
guerreiro. Seja caminhando dezenas de quilômetros, seja testando o quanto ainda
posso fisicamente, seja relendo livros de sociedades distópicas, seja revendo
personagens como o velho pescador Santiago, ou os fantásticos e inspiradores
Dom Quixote e Sancho Pança, ou também, revendo personagens dos filmes óliudianos
das guerras, dos amores, das resistências.
Cada um tem seu jeito de se fortalecer.
E agora, vamos sair e tentar suportar o cansaço e cumprir
meu objetivo de corrida. Vamos pra rua.
William
William
Post Scriptum
“A tua piscina tá
cheia de ratos
tuas ideias não
correspondem aos fatos...” (Cazuza)
Por falar nisso, conheço algumas figuras que adoram citar
grandes políticos, filósofos e líderes religiosos como sendo suas referências –
tipo Marx, Lênin, Jesus – mas que, convenhamos, acabam por ser completas aberrações entre o que pregam tais referências com a prática das figuras que as
citam... vai entender, né!
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