Este
breve artigo se baseia nos estudos feitos pela Confederação Nacional dos
Bancários, da Central Única dos Trabalhadores (CBN/CUT), organização brasileira
que precedeu a atual Contraf-CUT. Os estudos foram realizados numa série de
encontros e reuniões nacionais envolvendo diversas entidades e personalidades
do movimento sindical, parlamentar e acadêmico, nos anos noventa. O embate
contra a hegemonia do capital financeiro na economia é tão difícil que, mesmo
após três mandatos populares do Partido dos Trabalhadores (2003-2014), a
sociedade brasileira não conseguiu aprovar lei que regulamente a previsão
constitucional sobre o tema.
Os
estudos tinham como objetivo apresentar as propostas e visões da classe
trabalhadora para a regulamentação do Sistema Financeiro Brasileiro e o
fortalecimento dos bancos públicos, a partir das premissas definidas na
Constituição Federal cidadã, aprovada pelo povo brasileiro em 1988, após
décadas de combate à ditadura civil-militar instalada no País desde 1964 e
derrotada pela população, que foi às ruas nos anos oitenta, liderada pelo
movimento social organizado.
O
sistema financeiro de um país deve estar organizado de maneira a exercer papel
fundamental para o funcionamento da economia. Um dos papéis prioritários do
sistema é prover crédito a custo baixo para a população e as pessoas jurídicas
e atuar na universalização dos serviços bancários. O Banco Central deve
perseguir metas definidas pelo governo e, nelas, deveriam ter metas de geração
de emprego, além da tradicional meta de inflação.
O
que vemos no cenário atual é o inverso: as instituições financeiras abocanham
parcelas consideráveis da renda nacional, parcelas engordadas pelos lucros
fáceis oriundos de inflação, taxas de juros oficiais elevadas, tarifas e
spreads abusivos e salários insuficientes de seus funcionários, sobrecarregados
pelo excesso de trabalho e pelas metas de vendas de produtos financeiros nem
sempre necessários aos clientes.
Premissas
para um Sistema Financeiro voltado ao desenvolvimento social com distribuição
de renda a partir do trabalho:
-
Ter
instrumentos eficazes de controle democrático da sociedade sobre o sistema
financeiro;
-
Ter
possibilidade de direcionamento do crédito e regulação dos juros para as áreas
prioritárias, sendo estas definidas em instâncias onde estão representadas as
forças políticas da sociedade;
-
Imposição
de limites à ação predatória do capital bancário privado, nacional e
estrangeiro;
-
Defesa
dos bancos públicos e de sua atuação econômica e social, ao lado do progressivo
desenvolvimento do controle democrático da sociedade sobre estes bancos.
Autonomia
e independência de bancos centrais? Os Sistemas Financeiros nacionais devem
atuar no interesse da sociedade
Além
das premissas citadas acima, é importante combater os objetivos das correntes
liberais e conservadoras quando lidamos com a questão de bancos e sistemas
financeiros. Devemos combater as ações e teses que visam a limitar ou aniquilar
os bancos públicos. Por outro lado, é necessário evitar o uso deles como
instrumentos de sustentação e ampliação de esquemas clientelísticos e de
assalto organizado aos cofres públicos.
Devemos
estar atentos a propostas de “independência” dos bancos centrais porque, em
geral, por trás delas estão objetivos que visam reduzir ao máximo o controle
democrático da sociedade sobre o sistema financeiro. Aliás, a sociedade precisa
de um Banco Central independente do mercado financeiro.
Teses
de “autonomia” e “independência” dificultam também outro papel fundamental de
um sistema financeiro que é utilizar os bancos, principalmente os públicos,
como instrumentos legítimos e necessários de política econômica e de
viabilização de políticas sociais. A autonomia deve se dar na execução das
tarefas definidas pelas instâncias de regulação e pelas orientações da
legislação.
Natureza e papel dos bancos públicos
As
instituições estatais e públicas representam um importante instrumento para uma
atuação do setor financeiro voltada para os objetivos sociais e para o
desenvolvimento econômico mais integrado e soberano que se deseja para os
países.
Os
estudos do DNB/CUT estabeleceram dois valores fundamentais a serem perseguidos
na discussão acerca dos bancos públicos:
-
Preservar
o sistema de bancos públicos como instrumento de grande significado para as
políticas de desenvolvimento econômico e social dos países, com a indispensável
luta para que este seja de fato seu objetivo maior de atuação;
-
Desenvolver
e aprimorar instrumentos de controle democrático da sociedade sobre estes
bancos, incluindo-se aí o controle e fiscalização dos bancos, a transparência
nas demonstrações financeiras; a divulgação dos beneficiados por operações
especiais, e outros na mesma linha.
A
presença da ação estatal foi e continua sendo decisiva para as economias que
pretendem saltar em direção ao futuro, em direção ao desenvolvimento econômico
sustentável com distribuição da riqueza produzida pela sociedade.
Os
estudos em questão citaram grandes países que superaram crises no século XX sem
prescindirem de bancos públicos e sistemas financeiros com maior controle
estatal – Alemanha, Japão e Coréia.
Importância dos
bancos públicos brasileiros no pós crise mundial de 2008
Vejam
o exemplo do papel e desserviço dos bancos privados no Brasil: são muito
eficientes para acumular superlucros, para ganhar bastante às custas dos
títulos públicos, para especular nos diversos mercados, mas nunca conseguiram
se transformar de fato numa alavanca para os investimentos produtivos. Isso não
mudou ao longo do século passado e segue assim mesmo após a nova crise
capitalista de 2008.
A
verdade brasileira é que ao longo da história do País foram os bancos públicos
– federais, regionais ou estaduais, caixas econômicas ou bancos de
desenvolvimento – que atuaram como fontes de crédito bancário para
investimentos, financiamentos da produção em diversos setores estratégicos e
para programas sociais.
Após
a crise de 2008 foram os bancos públicos, principalmente o BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica
Federal que salvaram o País com a injeção de centenas de bilhões de reais para
manter a produção e o consumo das famílias e a estabilidade nos empregos e na
economia em geral. Mais da metade de todo o crédito brasileiro está concentrado
nos bancos públicos, e a relação crédito/PIB ainda está na casa de 50% e
precisa crescer.
Este
papel desempenhado pelos bancos públicos brasileiros no governo do Partido dos
Trabalhadores no pós crise de 2008 é o que chamamos de papel anticíclico que os
bancos podem e devem ter.
Agentes dos Programas
Sociais dos governos
Todos
os programas sociais de governos progressistas podem ser executados pelos
bancos públicos. O caso brasileiro também ilustra muito bem isso. Os programas
de crédito para habitação popular (Minha Casa, Minha Vida), crédito
universitário (Pró-Uni), Bolsa Família, Programa para Agricultura Familiar
(Pronaf), dentre outros, são executados principalmente pelos bancos públicos.
Outra
questão muito importante no papel de um banco público é a possibilidade
governamental de não permitir naquele país a transferência de poupança de
regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior
desenvolvimento. Essa é a regra mais comum na atuação de um banco de capital
privado, porque o capital vai aonde há mais oportunidades de negócio, lucro e
especulação e deixa-se a população local sequer com os seus próprios recursos
de poupança para o investimento produtivo e manutenção daquela comunidade.
Por
fim, é importante que a regulamentação e as normais legais do país estabeleçam
as fontes de recursos para os bancos públicos, além daquelas disponíveis na
atuação no próprio mercado bancário. Isso porque as disponibilidades financeiras
dos tesouros e entidades públicas do país devem estar alocadas nos bancos
públicos numa relação de remuneração justa tanto pela prestação de serviços deste
para o órgão público, quanto pelo uso das disponibilidades financeiras dos
órgãos públicos pelo banco.
O
controle social será de importância cabal nos bancos públicos para garantir sua
perenidade e seu bom desempenho como agente do governo nas políticas públicas,
como regulador e balizador do mercado bancário e como agente multiplicador da
moeda e da circulação monetária no país.
Os
conselhos de administração destes bancos devem contar com a representação de um
conselheiro eleito pelos trabalhadores, além de outras possibilidades de
representação da sociedade.
Concluímos
que os bancos públicos são fundamentais nos sistemas financeiros das economias
modernas e têm papel decisivo no desenvolvimento dos países para se alcançar
crescimento econômico com distribuição de riqueza produzida a partir do
trabalho.
William
Mendes
Secretário
de Formação da Contraf-CUT (2012/2015)
Bibliografia:
Cartilha: Democratização e Controle Social do Sistema
Financeiro – A CNB/CUT e a Regulamentação do Sistema Financeiro Nacional (1993)
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