Série Rocky Balboa. |
Refeição Cultural
Esse terceiro filme da série Rocky Balboa tem dois temas que são muito marcantes para mim, desde muito tempo, desde minha adolescência. Diria que qualquer pessoa poderia escolher algum momento de sua existência relacionada a esses temas - o "Olho do Tigre" e o "Medo".
Estou revendo o filme numa sexta-feira, depois de uma longa e dura semana de trabalho, sozinho em casa e esperando esposa e filho chegarem de Osasco SP para morarem definitivamente aqui em Brasília, DF.
Estou pensando se escrevo uma breve sinopse da estória ou se vou direto para minha reflexão sobre cada tema. Vai lá, vou fazer um comentário sobre o enredo.
ROCKY III (1982)
O agora campeão mundial de boxe, da categoria peso pesado, Rocky Balboa, está prestes a se aposentar. Já está bem financeiramente, com a amada esposa Adrian e com um filhinho. Depois de vencer o ex-campeão Apollo Creed (Rocky II), defendeu o cinturão por cerca de três anos - foram dez vitórias.
Há um novo desafiador, um lutador sem treinador, feroz, com uma raiva de tudo e todos, e muito forte. Clubber Lang quer lutar com o campeão. Mick, o velhinho treinador de Rocky, nunca permitiu. Após Balboa ser homenageado pela municipalidade de Filadélfia, com uma bela estátua, ele comunica que vai se aposentar.
Em meio aos protestos dos fãs, Clubber Lang aparece e fala umas poucas e boas para Rocky e ainda ofende sua esposa. Rocky decide lutar contra ele e Mick não concorda e avisa que está fora e vai embora.
Após Rocky insistir, Mick diz que ele não pode vencer Clubber porque desde que ganhou o título de campeão perdeu a gana de lutador e que o desafiante vai massacrá-lo. Também confessa que as defesas de título não foram com os melhores lutadores. Por fim, diz que agora Rocky se tornou "civilizado", algo como "acostumou-se ao bem bom".
O resultado é o massacre de Rocky no ringue, enquanto Mick morria de infarto no vestiário.
Apollo propõe treinar Rocky para uma revanche. Apollo o leva para recuperar o "Olho do Tigre", a fome, a gana que faz alguém vencer. Mas Rocky não está tendo ânimo nos treinamentos.
A cena mais bela do filme é quando Rocky desiste de treinar e sua esposa Adrian abre um diálogo profundo com ele na praia.
O MEDO
Vendo a cena emocionante entre Rocky e Adrian, lembrei-me de uma cena de minha vida sindical onde o medo era a temática. A cena da praia no filme é tocante:
Adrian pergunta por que Rocky não está se dedicando aos treinamentos. Rocky diz que não quer mais. Após muita insistência de sua esposa, ele afirma que antes, quando ele vivia na miséria, ele não se importava de apanhar por uns trocados, mas que agora era diferente porque ele tinha sua esposa querida e seu filho e não queria perder isso.
Adrian não aceita a resposta e continua pedindo a verdade. Rocky então confessa que está com medo. Pela primeira vez na vida está com medo. Não acredita mais em si mesmo depois que descobriu que os lutadores que venceu não eram os melhores. Está com medo!
- Estou com medo! Quer me ouvir dizer? Quer acabar comigo? Pela primeira vez, estou com medo!
- Eu também! Não há nada de errado em ter medo. (diz sua esposa)
- Para mim, há!
- Você é humano, não é?
- Não sei o que sou, só sei que sou mentiroso...
(após discutirem sobre Rocky se sentir culpado pela morte de Mick e sobre como viver com aquela derrota humilhante por nocaute, Adrian diz que tanto ela quanto Apollo confiam em Rocky, mas a decisão é com ele)
- E se eu perder?
- Então perdeu. Ao menos perde sem desculpas, sem medo. Sei que com isso você pode viver (afirma Adrian).
A cena e o diálogo são muito tocantes.
GREVE DOS BANCÁRIOS (2010) - O MEDO
Essa questão de ter fome, gana, colocar o coração em tudo o que se faz, ter o "Olho do Tigre" eu diria, faz parte de minha essência. Me esforço para não perder a gana que adquiri em minha existência atribulada - não me acostumar com o bem bom.
Nunca vou me esquecer daquele dia em que fui à agência Osasco Centro para conversar com meus colegas bancários sobre a importância deles aderirem à greve da categoria. Naquele ano de 2010, eu estabeleci para mim uma tática de ir até as grandes agências do BB e fazer reunião com os funcionários, a maioria comissionados, para que eles fechassem o ponto eletrônico e aderissem à greve. A experiência foi emoção pura. Cada agência que fui em Osasco, no Centro de São Paulo, na Zona Norte e na Zona Oeste, marcou-me profundamente.
Quando nos reunimos no saguão do segundo andar da agência Osasco, umas vinte pessoas, expliquei sobre o motivo da greve, a importância da adesão de cada um dos colegas comissionados. Eu gosto de me colocar na mesma posição de meus representados. Ouvi-los. É muito rico isso. Eu conhecia a turma. Quase sempre, eles não aderiam às greves.
Uma menina foi franca e falou que estava com medo. Que tinha muito medo de aderir à greve. Com isso, mais pessoas se manifestaram.
Foi muito legal porque eu falei do medo. Falei que é bom e natural que tenhamos medo justamente porque somos humanos e quem não tem medo é maluco. Eu expliquei que o medo faz parte, mas que num movimento de trabalhadores por luta justa de direitos, o medo é calculado. A pessoa não está sozinha.
A menina chorou. Eu não aguentei e chorei na hora também. Alguns choraram...
Depois, todo mundo conversou e coletivamente decidiram fechar o ponto e saírem comigo...
Foi um dos momentos mais emocionantes de minha vida sindical. Aqueles comissionados fizeram uns 5 dias de greve. Acho que marcou a todos nós aquela superação do medo (chorei só de lembrar).
COMENTÁRIO FINAL
Acho que é por isso que em momentos difíceis revejo filmes de personagens como Rocky Balboa.
É por isso que faço minha romaria de 80 km todo ano lá em Minas Gerais.
É por isso que não admito que eu mesmo perca a gana na luta e na mudança. Fico triste de ver, às vezes, sindicalistas ou lideranças sociais "civilizadas - tipo acostumadas no bem bom", sem o brilho no olho, sem o "Olho do Tigre", com gana de mudar e lutar.
É isso! Tchau!
William
Nenhum comentário:
Postar um comentário