Arco-íris. Foto: William Mendes. |
Refeição Cultural
Há momentos na vida em que nos pegamos meio perdidos, andando a esmo por aí. Algumas pessoas se adaptam bem a isso e até buscam viver assim, tipo "deixa a vida me levar". Outras pessoas têm certa necessidade em ter objetivos a alcançar, em ter um certo plano de por onde ir e aonde chegar.
Quando olho para trás, vejo que quis ser do primeiro tipo, mas acabei precisando ser do segundo tipo. Certa vez, um companheiro do movimento sindical me disse que eu não tinha nada de "anarquista", que eu queria mesmo era ver as instituições da sociedade humana funcionando como deveriam funcionar.
E assim fomos sobrevivendo a vida, assim vivemos entre a adolescência e a madurez dos cinquenta anos. Fazia listas de objetivos pessoais, muitos deles coisas básicas de direitos humanos como querer ter uma casa pra morar, poder trabalhar decentemente e estudar, amar e ser amado, ter uma motocicleta etc.
Ao mesmo tempo em que as pessoas vão atrás de seus sonhos e objetivos, as pessoas vivem em sociedade, e essa relação do ser humano com o seu meio é definidora de absolutamente tudo que vai acontecer na vida, queiramos ou não. Se estivermos numa sociedade injusta, preconceituosa, autoritária, pautada pela violência e ódio, sem igualdade de oportunidades, tudo será mais difícil, se não impossível.
Ao querer trabalhar e não ter emprego, seus sonhos emperram. Ao querer estudar e não ter oportunidade por falta de vaga pública ou falta de dinheiro para a vaga particular, seus objetivos não se realizam. Ao não trabalhar e não estudar, a pessoa não terá casa, não terá bens próprios, não terá condições de amar e ser amada, não terá uma vida na plenitude do conceito.
Eu nasci num Brasil cujos governos não olhavam para o povo, para gente como nós, eram tempos de ditadura civil-militar nos anos setenta e oitenta, toda minha família era de gente tentando sobreviver na vida sem oportunidades. Os governos eram montados para cumprirem a agenda da elite, e para manterem quieta a classe trabalhadora. A ordem clara do governo e velada nos espaços privados era: não se rebelem! não se manifestem! E a elite através de seus meios acalentava os miseráveis dizendo que havia paz social.
Depois sobrevivi num Brasil cujos governos passaram a ser eleitos pelo povo. As liberdades voltaram a dar esperanças de dias melhores e futuro com mais oportunidade para todos. Os primeiros governos eleitos também preferiram cumprir a agenda da elite, mantendo uma relação secular de patrimonialismo da casa grande se beneficiando do Estado. E o povo continuou a não ser a pauta central e o objetivo dos governos nos anos noventa.
Então vivi a virada do século e do milênio e o povo escolheu governos que passaram a incluir no orçamento e nos objetivos do Estado aquilo que a carta magna de 1988, a Constituição Federal, definia como direitos dos cidadãos. Estava escrito lá que o povo tinha direitos civis, políticos e sociais. E os governos mais democráticos e populares passaram a perseguir os objetivos da CF. Por mais de uma década, o Estado foi indutor da economia e o orçamento federal com políticas públicas deu ao povo oportunidades de emprego, educação e, com isso, deu alimento, lazer e sonhos a dezenas de milhões de pessoas. Os governos do PT nos deram, sobretudo, o espírito de pertencimento em sermos brasileiros e o povo era feliz (mesmo que alguns não tivessem consciência disso).
Por praticamente duas décadas, fiz parte dessa experiência brasileira de ascensão do povo no olhar e na pauta do Estado e dos governos democráticos do PT e demais partidos progressistas e populares após o início dos anos dois mil. Virei representante eleito pelos trabalhadores em instituições sindicais e sociais de classe desde 2002 e cumpri mandatos com várias tarefas diferentes até 2018. Foi a maior e melhor experiência que um ente da classe trabalhadora pode ter: estar nas lutas pacíficas e democráticas por direitos para as pessoas comuns como nós bancários e demais segmentos de trabalhadores do povo brasileiro.
Cumpri uma espécie de quarentena de um ano sem me envolver nas discussões da comunidade Banco do Brasil após terminar o mandato na nossa entidade de autogestão em saúde, assim respeitava o processo democrático e dava um prazo razoável sem questionar as ações e decisões tomadas pelos representantes que estão à frente da gestão da Cassi.
Da mesma forma que não me envolvi com opiniões nas questões das nossas entidades de saúde e previdência, também não me envolvi nas discussões políticas das entidades sindicais. É fato que ajudei a construir o movimento sindical bancário e classista por duas décadas e desejo muito que a classe trabalhadora consiga unidade e mobilização para barrar e reverter os ataques aos direitos históricos que vêm sendo retirados do povo trabalhador como, por exemplo, os próprios bancários da ativa e aposentados.
Acredito que a experiência que acumulei no seio do movimento sindical e social me permite contribuir de alguma forma para que os atuais representantes dos trabalhadores e eles próprios possam desenvolver novas ideias e estratégias de fortalecimento das lutas pela manutenção de nossos direitos trabalhistas, de saúde, de previdência, e todos os demais direitos civis, políticos e sociais.
Na medida de minhas possibilidades, voltarei a escrever sobre a experiência nas questões de gestão de saúde, e se for de interesse da comunidade Banco do Brasil e do movimento sindical, estou à disposição para partilhar as experiências que tivemos nas áreas de organização dos trabalhadores, formação política e de história do movimento de luta de classes.
Hoje sou um cidadão consciente que sofre todos os dias com os ataques que são desferidos contra os trabalhadores brasileiros e suas instituições de classe e quero contribuir com as lutas sociais, apesar de não ser dirigente político ou partidário.
Abraços a tod@s,
William Mendes
Post Scriptum:
É tão desesperador ver que nosso país não vive mais em um estado democrático de direitos, que um regime de exceção tomou conta do Brasil e que as forças de ocupação dos espaços de poder podem tomar medidas arbitrárias contra qualquer cidadão, como fazem ao manter preso sem crime e sem respeito aos seus direitos constitucionais o cidadão de 73 anos Lula da Silva, que, às vezes, a gente fica sem rumo para as coisas mais triviais do cotidiano. Eu não tive cabeça sequer para fazer uma prova de faculdade hoje. Mas isso parece tão irrelevante perto do que estão fazendo com o Lula, com o povo brasileiro, com nossos direitos...
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