segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Artigo - Que decepção! Poucos humanos nas "humanidades"


Biblioteca da FFLCH - USP. Foto: site da universidade.

(texto exposto nos murais da FFLCH - USP em 2002)


Terça-feira, dia seguinte ao da assembleia da Letras, que debateu e deliberou sobre os problemas de violência e estupros que ocorrem há tempos na USP e que, apesar de não serem muito divulgados (afinal, é a marca USP), precisam ser resolvidos.

Peço a palavra à professora para dar os informes das duas atividades programadas. Feito.

Não querendo estender muito o assunto, haja vista que era só um informe e o debate havia sido feito no dia anterior com os presentes à assembleia, quero deixar aqui, traços da longa discussão que temos que fazer nesse mundo, nessa sociedade e nesse Campus Universitário.

Em menos de cinco minutos, ouvi as seguintes propostas e frases dos presentes em sala, incluindo a professora:

“-Temos que pôr catraca aqui na faculdade”;
“-É um absurdo qualquer um entrar aqui”;
“-Tem que haver repressão sim...”;
“-Tem que por a PM rodando aqui dentro”;
“-Imaginem os outros virem aqui estragar nossos livros”. (referindo-se às "nossas bibliotecas")

Afinal de contas, será que entrei no lugar certo? Achei que havia entrado em uma faculdade de humanidades!

Fui embora pensando comigo como a melhoria dessa sociedade vai demorar para ocorrer.

Quando disse que melhoraremos a sociedade com educação e não com repressão ou retirando o direito dos cidadãos, ouvi a seguinte frase: “-Ah, mais até isso acontecer vai demorar!”.

Ora, volto a perguntar, será que estou no lugar certo?

Eu poderia ouvir isso de um comandante da PM (e nem todos diriam isso!) e não dentro de uma sala de aula na Letras, na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), na USP. Se as pessoas dessa sala não acreditam no poder da educação, o que estão fazendo ali?

É uma decepção!

É como uma garota da FEA (Faculdade de Economia e Administração), que, em uma entrevista na Revista dos Bancários, dizia ao achar um absurdo os alunos de lá estudarem para deixar o Bradesco mais rico e não para encontrarem soluções para a desigualdade e má distribuição de renda do País.

Será que não passa pelas cabeças desses nossos colegas que estudamos com dinheiro de impostos pagos pela comunidade? Que quando a USP fecha seus portões para a população, e suas bibliotecas, o MAC, e tudo o mais, está privando os cidadãos de um bem e de um patrimônio da cidade e Estado que esta mesma população mantém?

Depois a mesma USP que se fecha à população vai até ela dizer que: “-Precisamos que a comunidade saiba o que ocorre aqui dentro”.

- Por favor, menos hipocrisia!

Não posso ficar ouvindo pessoas defenderem o fechamento dos portões da USP para a comunidade. Muito menos ouvir que pessoas que não passaram na Fuvest não podem vir aqui consultar “os nossos livros” porque eles roubam e estragam, ou que quem não for aluno não entra em “nossos prédios”.

Essas soluções são parecidas com esta: vamos fechar os banheiros aqui da FFLCH, pois os alunos escrevem tanta porcaria nas paredes que não dá mais para manter esse serviço. Afinal, vamos reprimir. Para que educação?

Será que dá para os humanos se colocarem no lugar dos outros, antes de se dizer: “-tirem isso e proíbam aquilo”?

Posso assegurar a todos que é muito ruim uma pessoa honesta e que não teve as mesmas oportunidades que alguns (não escolhemos berço e nem cor ao nascer) ter seus acessos negados. (e sabemos das estatísticas de negros e pobres nas universidades públicas).

Muitos de nós, estudantes da USP ou outra universidade pública, que defendem fecharem acessos, talvez tenham sido cidadãos com os seus acessos fechados ou direitos restringidos.

Anos atrás, o cidadão que vos fala, como morador de bairro circunvizinho à USP, corria em seu Campus até o dia em que foi barrado na portaria porque a reitoria havia decidido que a comunidade não entraria mais aos finais de semana.

Dois anos depois, o mesmo cidadão que vos fala, cursando em outra faculdade, precisou usar as bibliotecas da USP (- Ufa! Não havia catraca!).

Assim como, usando do direito que a lei me faculta, assisti aulas como ouvinte nas dependências da FFLCH, de onde, fascinado, saí decidido a entrar. Entrei, mas faltam muitos ainda para entrarem nas faculdades públicas.

Será que temos que proibir, fechar, restringir, reprimir, cobrar, privatizar etc etc?

Ou será que temos que cobrar contratação de mão-de-obra qualificada para proteger a comunidade uspiana como um todo (alunos, professores, funcionários e cidadãos)? E cobrar mais geração de emprego, aumentando o número de circulares (ônibus), entre outras propostas mais humanas?

Pensem a respeito!

Pensem! Essa é uma dádiva do ser humano.


William M. Oliveira (13.12.02)
Aluno de Letras Espanhol-Português (passei pelo famigerado ranqueamento)
Diretor eleito do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.

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