Estudar nas horas vagas, um ato de prazer! (2015) |
Iniciamos a leitura da segunda parte do livro de Furtado com Os Lusíadas, de Camões, porque estamos assistindo em panorama à Formação Econômica do Brasil, que tem relação umbilical com a nação portuguesa e os feitos iniciados com as grandes navegações.
CANTO SEGUNDO
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"E, se se move tanto a piedade
Desta mísera gente peregrina,
Que, só por tua altíssima bondade,
Da gente a salvas pérfida e malina,
Nalgum porto seguro de verdade
Conduzir-nos já agora determina,
Ou nos amostra a terra que buscamos,
Pois só por teu serviço navegamos."
(Os Lusíadas, Luís de Camões)
Reli toda a segunda parte e a sensação foi a mesma da primeira leitura em 2009. Celso Furtado descreve como num filme, dois séculos brasileiros. Vemos a monocultura do açúcar nas regiões litorâneas, principalmente do Nordeste, vemos o início e avanço da pecuária para dentro do continente. Vamos comparando e observando as diferentes formas e consequências da colonização nas Américas por parte de portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, holandeses.
Um aviso que acho importante. Furtado é um intelectual progressista e sua vida foi voltada para a busca de soluções econômicas e políticas para amenizar as agruras e misérias de seu povo brasileiro e sul-americano. Ao lermos os capítulos descrevendo a escravidão de índios e africanos, ficamos chocados com a descrição fria de números e modus operandi do processo econômico na colônia portuguesa. Mas não recrimino Furtado porque seu papel aqui é descrever os fatos históricos e econômicos.
Após a leitura, fiquei um instante na janela da sala, olhando para as árvores lá fora, e refleti que a formação ética, social e política dos cidadãos necessita de matérias voltadas para isso. Se lermos somente amontoados de leituras, com descrição da história mundial, dos povos, guerras, conquistas, massacres etc e não formos colocados a pensar a respeito das opções tomadas nesses episódios, algo estará faltando na formação política e ética das pessoas.
SEGUNDA PARTE
Economia escravista de agricultura tropical (séculos XVI e XVII)
VIII. Capitalização e nível de renda na colônia açucareira
Excertos e, quando necessário, alguns comentários.
"O rápido desenvolvimento da indústria açucareira, malgrado as enormes dificuldades decorrentes do meio físico, da hostilidade do silvícola e do custo dos transportes, indica claramente que o esforço do governo português se concentrara nesse setor".
ESCRAVIDÃO "JUSTIFICADA"
"A escravidão demonstrou ser, desde o primeiro momento, uma condição de sobrevivência para o colono europeu na nova terra. Como observa um cronista da época, sem escravos os colonos 'não se podem sustentar na terra' (Gandavo)."
ESCRAVIDÃO INDÍGENA
"O fato de que desde o começo da colonização algumas comunidades se hajam especializado na captura de escravos indígenas põe em evidência a importância da mão-de-obra nativa na etapa inicial de instalação da colônia".
RENDA DO SISTEMA FICAVA COM PROPRIETÁRIOS E COMERCIANTES
"Tudo indica, destarte, que pelo menos 90 por cento da renda gerada pela economia açucareira dentro do país se concentrava nas mãos da classe de proprietários de engenhos e de plantações de cana."
Porém, após Furtado compreender a importância central das etapas comerciais para colocar o produto açúcar nos mercados mundiais, evitando superproduções e esgotamento das demandas, ele revê sua tese dos 90 por cento da renda para os proprietários e afirma que parte da renda deva ter ficado com os comerciantes não residentes na colônia.
"Sendo assim, que não se haja repetido a dolorosa experiência de superprodução que tiveram as ilhas do Atlântico, confirma que houve excepcional habilidade na etapa de comercialização, e que era desta última que se tomavam as decisões fundamentais com respeito a todo o negócio açucareiro."
E conclui sobre a repartição das rendas entre proprietários e comerciantes:
"A explicação mais plausível para esse fato talvez seja que parte substancial dos capitais aplicados na produção açucareira pertencesse aos comerciantes. Sendo assim, uma parte da renda, que antes atribuímos à classe de proprietários de engenhos e de canaviais, seria o que modernamente se chama renda de não-residentes, e permanecia fora da colônia."
IX. Fluxo de renda e crescimento
Neste novo capítulo, o autor nos informa que desde o início da colonização de exploração em nosso país, "o empresário açucareiro teve, no Brasil, desde o começo, que operar em escala relativamente grande" e que "nas primeiras fases da operação, muito provavelmente coube ao trabalho indígena um papel igualmente importante".
FLUXO DE RENDA MONETÁRIA (uma aula de economia)
"Numa economia industrial a inversão faz crescer diretamente a renda da coletividade em quantidade idêntica a ela mesma. Isto porque a inversão se transforma automaticamente em pagamento a fatores de produção. Assim, a inversão em uma construção está basicamente constituída pelo pagamento do material nela utilizado e da força de trabalho absorvido. A compra do material de construção, por seu lado, não é outra coisa senão a remuneração da mão-de-obra e do capital utilizados em sua fabricação e transporte. Estes pagamentos a fatores, que são uma criação de renda monetária ou de poder de compra, somados, reconstituem o valor inicial da inversão".
E nos explica que "A inversão feita numa economia exportadora-escravista é fenômeno inteiramente diverso..."
ENTENDO PORQUE PARTE DA BURGUESIA TUPINIQUIM É TÃO RIDÍCULA
A elite brasileira, que considero uma das mais vira-latas do planeta, tem uma razão de ser. É a origem também vira-latas que ela tem.
"Vejamos agora, em seu conjunto, o funcionamento dessa economia. Como os fatores de produção em sua quase totalidade pertenciam ao empresário, a renda monetária gerada no processo produtivo revertia em sua quase totalidade às mãos desse empresário. Essa renda - a totalidade dos pagamentos a fatores de produção mais os gastos de reposição do equipamento e dos escravos importados - expressava-se no valor das exportações. É fácil compreender que, se a quase totalidade da renda monetária estava dada pelo valor das exportações, a quase totalidade do dispêndio monetário teria de expressar-se no valor das importações".
E explica uma possível vinculação até hoje dessa mania de relação com as metrópoles que a parte vira-latas da burguesia brasileira tem.
"O fluxo de renda se estabelecia, portanto, entre a unidade produtiva, considerada em conjunto, e o exterior. Pertencendo todos os fatores a um mesmo empresário, é evidente que o fluxo de renda se resumia na economia açucareira a simples operações contábeis, reais ou virtuais."
COMENTÁRIO:
A despeito das tentativas de industrialização, produção de valor agregado aos produtos brasileiros, as poucas tentativas de sair do estágio de exportador de commodities, tentativas estas realizadas em sua amplíssima maioria com Getúlio Vargas e Lula da Silva, criando um processo de distribuição de renda a partir do trabalho assalariado e o fortalecimento de um mercado interno no país, quase sempre, o que predomina no Brasil, é a visão tacanha de importar tudo de fora dos Estados Unidos e Europa, e mais recentemente da China, ao invés de valorizar o produto nacional. NÃO HOUVE FEUDALISMO BRASILEIRO
Já li em diversos estudos, leituras diferentes entre estudiosos e historiadores, sobre ter havido ou não no Brasil algo como o feudalismo. Celso Furtado dá a opinião dele.
"O feudalismo é um fenômeno de regressão que traduz o atrofiamento de uma estrutura econômica (...). Ao inverso da unidade feudal, ela (a unidade escravista) vive totalmente voltada para o mercado externo. A suposta similitude deriva da existência de pagamentos in natura em uma e outra. Mas ainda aqui existe um total equívoco, pois na unidade escravista os pagamentos a fatores são todos de natureza monetária, devendo-se ter em conta que o pagamento ao escravo é aquele que se faz no ato de compra deste. O pagamento corrente ao escravo seria o simples gasto de manutenção, que, como o dispêndio com a manutenção de uma máquina, pode ficar implícito na contabilidade, sem que por isso perca sua natureza monetária".
ECONOMIA ESCRAVISTA AÇUCAREIRA RESISTIU ECONOMICAMENTE POR SÉCULOS
"A renda monetária da unidade exportadora, praticamente constituíam os lucros do empresário, sendo sempre vantajoso para este continuar operando qualquer que fosse a redução ocasional dos preços (...). A unidade exportadora estava assim capacitada para preservar a sua estrutura. A economia açucareira do Nordeste brasileiro, com efeito, resistiu mais de três séculos às mais prolongadas depressões, logrando recuperar-se sempre que o permitiam as condições do mercado externo, sem sofrer nenhuma modificação estrutural significativa".
COMENTÁRIO:
Com custo fixo baixo é que o sistema escravista se perpetuou por tantos séculos. Hoje, com processos de terceirização e uso de mão-de-obra quase escrava, empresas globais fazem exatamente o mesmo. tem empresa que produz tênis de marca por 1 (um) dólar e vende por centenas de vezes o valor de custo.
Bibliografia:
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. In: Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro. Publifolha 2000.
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