domingo, 20 de março de 2011

O mundo segue hostil


2011: Em Florianópolis SC, 
durante curso de formação.

Refeição Cultural

A violência no país tem chamado a atenção. A toda hora mata-se alguém em algum latrocínio. É um tiro na cabeça aqui, outro ali. Assim, do nada, se morre por aí.

As balas não escolhem classe social. Morre-se trabalhador nas passarelas da CPTM (trem urbano paulista); morre-se estudante de classe média voltando da balada ou da aula; morre-se a alta burguesia chegando em seus carrões, em suas belas mansões nos jardins.

Andei pensando que percorremos um longo caminho das cavernas e savanas até aqui no século XXI para estarmos exatamente na mesma condição de insegurança.

O ser humano "evoluiu" com a criação de ferramentas, tecnologias e organização social e passou a se destacar entre as demais espécies, mesmo sendo mais fraco, mais lento e mais vulnerável desde o nascimento.

Daí foi preciso inventar mitologias e religiões para explicar ou dar sentido e conformação à existência trágica, pois o mundo para nós continuava um lugar hostil.

Em alguns momentos dessa caminhada fomos criando conceitos e concepções entre nós humanos: o belo e o feio; o bem e o mal; o bom e o ruim; o justo e o injusto; o certo e o errado; o amor e o ódio.

Em meio às tragédias pessoais e coletivas, fomos vivendo em busca de um conceito de felicidade sempre muito relativo.

Em muitos lugares, eram felizes aqueles que tinham os meios de sobrevivência; em outros ambientes mais fecundos e com mais farturas naturais e tecnológicas, felicidade era ter muito mais que o básico para a sobrevivência, era ter muito mais que os outros... era ter coisas melhores que as dos outros.

Esses hominídeos ficaram em pé, saíram das cavernas e savanas, caminharam pelo mundo e criaram sociedades com características muito particulares. Hominídeos com características diversas - mais claros e com menos melanina na pele nos pólos, mais escuros e com muita melanina na pele nas regiões próximas à linha do Equador; com compleições físicas robustas ou mirradas também de acordo com os víveres disponíveis em suas regiões etc. Tudo fruto de adaptações evolutivas para lidarem melhor com o Sol e as temperaturas locais.

Esses povos, hoje no século XXI globalizado, se visitam em questão de dias e horas, se comunicam e estão interligados ininterruptamente, e se relacionam também, passando de uns aos outros, além da cultura, fluídos, vírus, bactérias, fungos e parasitas que antes poderiam eliminar grupos isolados em cantos do mundo, mas não a totalidade da espécie humana.

Estamos nos tornando uma massa humana mais uniforme. A diversidade biológica - diferenças genéticas - vem se reduzindo entre nós humanos. Não faço aqui juízo de valor, se isso seria bom ou ruim, principalmente do ponto de vista social. Sei que diversidade biológica é importante para a preservação de espécies (a quantidade garante a permanência daqueles grupos com características de mais adaptabilidade ao meio).

Além desses fatores culturais e genéticos na sociedade humana, os humanos também estão extinguindo drasticamente a diversidade na natureza - fauna e flora. Agora, o que temos são desertos verdes de plantações geneticamente modificadas. E nas cidades, temos meia dúzia de bichos urbanos (sabem como é: pombas, gatos, cachorros, pardais, ratos...).

É meio assustador a massa amorfa em que estamos nos transformando para o futuro. Tudo igual, tudo em padrões - grupos massificados. Aos diferentes ou inadaptados aos grupos x ou y, pouco espaço haverá neste planeta...

O mundo segue hostil

Acabei indo longe na digressão. Tudo que queria dizer é que voltamos hoje a ser caça e caçador, como na época em que estávamos nas savanas e cavernas.

Naquela época, num segundo qualquer, um predador nos abatia, ou a nós ou aos nossos filhos, pois a prole era mais indefesa.

Hoje, a qualquer minuto, em qualquer rua ou canto de qualquer cidade, o predador vai nos abater, a nós ou aos nossos filhos, a troco de nada, mesmo que não haja reação contra as garras do "felino", o tiro vem por nada e ponto final.

Amanhã, mais pessoas serão caçadas por predadores - bandidos, drogados, bad boys e maus policiais. Terroristas... E choraremos os nossos mortos.

Seguiremos noticiando tragédias e usaremos nossas mitologias que "explicam o mundo": que deus tenha compaixão de nós; que era um carma, retorno ou recorrência; que desencarnou para um mundo melhor que este; que Alá assim o quis ou vai vingar-se; que a pessoa-predador estava possuída pelo capeta; que a vítima tinha um destino; e daí por diante.

E dizem por aí que o ser humano é racional! Só se "racional" fosse originado da palavra raça - "raça burra!" - porque da Razão, estamos a anos-luz!

William Mendes


Post Scriptum: numa releitura, foi inevitável incluir nos caçadores que nos caçam a todos, os terroristas...

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