quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A vida era boa, era bela, tinha um sentido






Refeição Cultural

A vida era boa, era bela, tinha um sentido

“Rodrigo suspirou. Num ponto o poeta (Lamartine) se enganava. Cada homem tem, sim, seu porto. O dele, Rodrigo Terra Cambará, era Santa Fé, onde lançara profundamente sua âncora. O tempo, certo, não tinha margens, deslizava como um rio e o homem passava. Mas quantas coisas grandes e belas podia fazer durante sua passagem pela terra!”

(O Tempo e o Vento – O Retrato I, Chantecler, Capítulo V, parte 2, página 129)


Mais uma vez, paro cismando sobre as reflexões do personagem Rodrigo Cambará. Este é o neto do Rodrigo Cambará que chegou a Santa Fé lá nos anos 30 do século XIX e decidiu ficar e conquistar a bela Bibiana Terra. O neto está pensando sobre a vida valer a pena uns oitenta anos depois. Ele está entrando em 1910.

Essas reflexões desses Cambarás têm me levado a pensar aqui no século XXI sobre a vida e as coisas da vida. Esse é um dos muitos presentes que a leitura brinda a seus amantes: a análise e a reflexão dos fatos; a parada para olhar, pensar, sentir e avaliar aonde podem chegar as coisas.


“Estava decidido a conquistar Santa Fé, a submetê-la à sua vontade, a moldá-la de acordo com seus melhores sonhos. Não se deixaria dominar por ela. Jamais se entregaria ao desânimo e à rotina. Jamais seria um maldizente municipal como o Cuca Lopes, um indolente inútil como o Chiru Mena e muito menos um capacho como o Amintas. Não perderia de vista Paris, e não esqueceria nunca que o mundo não terminava nos limites do município de Santa Fé.”

(O Tempo e o Vento – O Retrato I, Chantecler, Capítulo V, parte 2, página 129)


Veja que belo propósito do personagem Rodrigo Cambará. Ele acaba de voltar de seu período de estudos de medicina fora de Santa Fé. Ficou cinco anos fora.

Nesta fala dele fiquei pensando em conversas comuns que tive com conhecidos nestes últimos dias de minhas férias. As pessoas falam o tempo todo as frases básicas de que estão desanimadas com as coisas, que ninguém faz nada mesmo pela cidade, pelo país, que não adianta acreditar em um partido ou em algum movimento, que todos e tudo é a mesma coisa...

É impressionante ouvir isso!

Não é verdade! Tudo e todos NÃO são a mesma coisa! 

Mas... francamente, em hipótese alguma ficar parado e não fazer nada traz o mesmo resultado de arregaçar as mangas e fazer alguma coisa!

“Sob as estrelas daquela última noite do ano de 1909, Rodrigo Cambará fez um silencioso juramento. Cumpriria seus propósitos, acontecesse o que acontecesse. Sentiu-se forte, nobre e bom. Se realizasse todas as belas coisas que projetava, sua passagem pela terra não teria sido em vão. E se de algum ponto do universo Deus pudesse vê-lo e ouvi-lo... Mas Deus existia mesmo? Tornou a olhar para o céu e, tocado pela tranquila e profunda beleza da noite, concluiu que Deus não podia deixar de existir. A terra era boa, a vida era bela, a vida tinha um sentido.”

(O Tempo e o Vento – O Retrato I, Chantecler, Capítulo V, parte 2, página 129)

Eu vou retomar a vida caótica que me impossibilita a leitura de literatura. Isso me faz muita falta...

O pouco que fuço nas obras de grandes autores, acho gotas de ânimo para seguir adiante na vida, na luta, buscando sentido para a dureza das coisas.

A gente relê um pouquinho do Dom Quixote e fica encantado com aquele senhor cinquentenário, que decide sair pelo mundo lutando pelos fracos e oprimidos em nome de sua honra e de seu país, que busca recuperar uma época de ouro que nunca existiu na vida real, somente nas obras literárias, mas é encantador toda essa utopia e esse ânimo de fazer as coisas.

Desânimo, todos nós temos, mas a luta e as melhorias em nosso mundo têm que ser feitas... então, não tem jeito, temos que fazê-las. É simples assim a nossa passagem pelo mundo.

É isso!


William Mendes


Bibliografia:


VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento – O Retrato I. Editora Globo. 31ª edição. 1995

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