Refeição Cultural
"Casa-grande & Senzala
Ninguém escreveu em português
no brasileiro de sua língua:
esse à vontade que é o da rede,
dos alpendres, da alma mestiça,
medindo sua prosa de sesta,
ou prosa de quem se espreguiça."
(João Cabral de Melo Neto, in: Museu de tudo, Rio de Janeiro, José Olympio, 1975)
A INTRODUÇÃO FEITA POR FHC
A introdução da edição que tenho do ensaio de Gilberto Freyre é de Fernando Henrique Cardoso (de 2003). Li só por disciplina de leitor, porque o ex-presidente é uma das figuras que mais abomino no mundo humano, e, na minha opinião, ele prejudicou como poucos o nosso País ao longo da sua história republicana.
FHC faz críticas duras à obra de Freyre, sob o ponto de vista da técnica acadêmica. Exemplo:
"Gilberto Freyre tinha a pachorra e a paixão pelo detalhe, pela minúcia, pelo concreto. A tessitura assim formada, entretanto, levava-o frequentemente à simplificação habitual dos grandes muralistas. Na projeção de cada minúcia para compor o painel surgem construções hiperrealistas mescladas com perspectivas surrealistas que tornam o real fugídio..."
Mostra o ponto de vista de Freyre em sua obra:
"É indiscutível, contudo, que a visão do mundo patriarcal de nosso autor assume a perspectiva do branco e do senhor. Por mais que ele valorize a cultura negra e mesmo o comportamento do negro como uma das bases da 'brasilidade' e que proclame a mestiçagem como algo positivo, no conjunto fica a sensação de uma certa nostalgia do 'tempo dos nossos avôs e bisavôs'. Maus tempos, sem dúvida, para a maioria dos brasileiros"
Eu acho de um cinismo sem igual o FHC falar isso de Freyre em 2003, após ter estado por oito anos na cadeira da presidência da república brasileira e ter feito o que ele fez para o povo brasileiro e o próprio País: ou seja, não fez nada que não fosse aprofundar o vira-latismo d'alma imposto a nós pelos ocupantes da casa-grande, acostumados a olhar a terra nativa como colônia de exploração, e o coração estar no hemisfério Norte do imperialismo, seja o mundo ibérico, seja o inglês, seja o americano.
Aqui aponta uma crítica que sempre ouvi dizer a respeito da obra de Freyre:
"Não preciso referir-me aos aspectos vulneráveis já salientados por muitos comentadores de Gilberto Freyre: suas confusões entre raça e cultura, seu ecletismo metodológico, o quase embuste do mito da democracia racial, a ausência de conflitos entre as classes, ou mesmo a 'ideologia da cultura brasileira' baseada na plasticidade e no hibridismo inato que teríamos herdado dos ibéricos. Todos esses aspectos foram justamente apontados por muitos críticos, entre os quais Carlos Guilherme Mota"
De novo, cito abaixo mais duas observações do intelectual do bairro Higienópolis, FHC, branquinho e limpinho, em relação ao seu colega Gilberto Freyre, para evidenciar o meu asco em relação ao ex-presidente que mais fez o Brasil regredir à sua condição de colônia de exploração dos imperialismos do Norte:
"(...) Da moral permissiva, dos excessos sexuais ou do arbítrio selvagem dos senhores, não há passagem para uma sociabilidade mais ampla, nacional. Fica-se atolado no patrimonialismo familístico, que Freyre confunde frequentemente com o feudalismo..."
"(...) De novo, no equilíbrio entre contrários, aparece uma espécie de racionalização que, em nome das características 'plásticas', tolera o intolerável, o aspecto arbitrário do comportamento senhorial se esfuma no clima geral da cultura patriarcal, vista com simpatia pelo autor"
COMENTÁRIO
"A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos..."
(O tempo não pára, Cazuza)
O sujeito que faz a introdução à obra de Gilberto Freyre foi presidente do Brasil por oito anos, destruiu o que havia herdado de soberania nacional, as empresas estatais e públicas brasileiras (inclusive as privadas de capital nacional), doou aos estrangeiros tudo que conseguiu, não fez um nada para tentar diminuir o fosso que separa a casa-grande a qual ele mesmo pertence do locus onde estão os povos oriundos da senzala e, após morrer de inveja pelo sucesso na presidência de um metalúrgico sem a sua formação acadêmica, apoiou e participou da arquitetura do Golpe de Estado em 2016, que pôs fim ao maior período de democracia em solo pátrio.
O que dizer desse indivíduo que não seja ofensivo?
Acho que ele não tem moral alguma para criticar o autor do ensaio que estou lendo, de 1933, tentando explicar a sociabilidade e a conformação do povo brasileiro. Mesmo que de forma conservadora, me parece que o autor buscou ser honesto em sua obra.
É isso!
William
Post Scriptum:
Dureza. Eu fui tentar ler no sábado pela manhã, e simplesmente não conseguia, por cochilar em cima da obra. Ainda estou cansado do trabalho da semana. Acabei optando por começar a escrever e comentar o que já li... é a vida!
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