Refeição Cultural
"13 'Todos os fenômenos do universo, provocados pela mão do homem ou pelas leis gerais da física, não constituem, na realidade, criações novas, mas apenas transformação da matéria. Associação e dissociação são os únicos elementos que o espírito humano acha ao analisar a ideia de produção; o mesmo ocorre com a produção do valor' (valor de uso, embora o próprio Verri, nessa polêmica com os fisiocratas, não saiba claramente de que valor está falando) 'e da riqueza, quando a terra, o ar e a água transformam-se, nos campos, em trigo, ou quando, pela intervenção do homem, a secreção de um inseto se transforma em seda, ou diversas peças de metal se ordenam para formar um despertador.' (Pietro Verri, Meditazioni sulla economia política, impresso, primeiro, em 1771, na edição dos economistas italianos, de Custodi, parte moderna, v. XV, pp. 21 e 22)"
(Exemplo de exatidão com que Marx faz citações e dá aos autores citados o devido crédito, e de como ele faz a crítica técnica e científica - na citação acima entre parênteses - em relação a eventual juízo de valor que faça da citação, se for o caso)
Estou lendo o volume 1 da obra máxima de Karl Marx, O Capital. Por diversas questões em minha existência de trabalhador, só agora aos 50 anos de idade pude encarar com atenção a leitura desse clássico.
Já li alguns clássicos da produção humana ao longo de minha vida, a maior parte deles pertencentes a área da literatura. Livros como Ulisses, de James Joyce, Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes, A Montanha Mágica, de Thomas Mann, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e outros mais.
O mundo em que vivo - o Brasil no ano 2019 - passa por um momento dramático em sua história. Talvez o mundo que conhecemos há décadas ou séculos (pela leitura da História) nunca mais seja o mesmo depois do momento em que vivemos. O planeta Terra também vive momentos dramáticos e definidores sobre o futuro da vida humana.
A realidade passou a ser definida ou a ter grande influência da pós-verdade. Estamos numa época em que as versões sobre as coisas, a partir de pessoas ou setores com capacidade operativa, superam os fatos objetivos; a mentira passou a se sobrepor à verdade por força das ferramentas tecnológicas da atualidade.
As também chamadas fake news, mentiras divulgadas como informação verdadeira, passaram a ter efeito por causa de uma certa robotização dos seres humanos, transformados em seres interconectados por aparelhos pessoais que permitem a manipulação de grande massa de humanos até por sistemas robotizados de produção de mentiras.
O comportamento humano é manipulável a partir de agora - manipulável em escala. Os limites e alcance disso ainda são desconhecidos, mas são incalculáveis os riscos para a existência humana em sociedade.
MARX: UM ESCRITOR ATENTO À LINGUAGEM E ÀS REFERÊNCIAS
É nesse contexto de pós-verdade do século XXI que leio com surpresa Karl Marx, que escreveu por décadas ao longo do século XIX, falecendo em 1883. Ele já publicava textos profundos nos anos quarenta daquele século e publicou O Capital em 1867, com edições revistas e melhoradas, publicadas na Alemanha, França, e depois Inglaterra e Estados Unidos (já sob responsabilidade de Engels).
Impressiona nos prefácios às edições de 1867, 1873, 1883 e 1890 (em alemão), e na edição francesa entre 1872 e 1875, e ainda na edição de 1886 em inglês, e também pelas cem páginas que já li, o quanto Marx é cuidadoso em seu compromisso com a verdade, com a citação de fatos que descreve (com as devidas fontes) e com as opiniões que emite a partir de seus estudos; vemos o quanto é fiel nas citações de temas e seus autores originais. Sua honestidade intelectual é cativante ao leitor destes tempos de mentiras.
Quando ele critica um autor, ele é claro nisso, quando enaltece outro, o faz da mesma forma. E ainda buscou melhorar a linguagem discursiva nas edições posteriores num esforço de seu trabalho científico e extremamente técnico se tornar acessível aos trabalhadores comuns.
De onde brota tanto ódio e desinformação a respeito deste filósofo e cientista político e sua obra? As pessoas são influenciadas a odiarem Karl Marx ou a se dizerem marxistas ou antimarxistas sem nunca terem lido uma linha de suas obras.
Por fim, dá certo desânimo pensar objetivamente no alcance obtido por grandes autores de ontem e de hoje, em relação ao público leitor ou ouvinte. Quantas pessoas liam as obras dos séculos passados? Quantas leem hoje? Machado de Assis, por exemplo, escrevia no Rio de Janeiro para um possível público leitor de alguns milhares no final do século passado.
Grandes pensadores e escritores da atualidade conseguem algumas dezenas de milhares de receptores (leitores e espectadores), enquanto alguns vídeos com cem por cento de fake news atingem dezenas de milhões de receptores.
É com isso que lidamos hoje!
William
Post Scriptum:
Publicações sobre minha leitura de O Capital - clicar AQUI.
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