sábado, 4 de fevereiro de 2023

Leitura: rio pequeno - floresta



Refeição Cultural

Osasco, 4 de fevereiro de 2023. Manhã de sábado. Noite mal dormida.


"pedra de amolar

amolar muito bem as facas
uma a uma na pedra
afiar a lâmina da minha língua
como quem vai pra guerra
" (floresta)


Após dormir um sono picado, dormindo e acordando, porque o filho saiu pra um rolê e não voltou, um sono de poucas horas, me levantei, fiz um café preto no copo e peguei o livro de poesias rio pequeno (2022), de floresta. Sim, @ poeta grafou tudo com letras minúsculas. Li do início ao fim.

Que obra interessante! Poemas intimistas, linguagem prosaica, poemas que envolvem o leitor no cenário do eu-lírico. Imaginem um leitor como eu, que nasci no cenário descrito por floresta. Cara, que viagem ao passado e que viagem ao mundo atual através das palavras e imagens criadas por floresta!

O livro me foi sugerido por um amigo poeta, Sérgio Gouveia, e agradeço a ele pela indicação. Gostei dos poemas, gostei das temáticas, gostei da poética de floresta.

Gostei de muitos poemas do rio pequeno, de muitos! Vou deixar dois aqui na postagem e convidar a leitora e o leitor a lerem a obra toda, é um livro muito bom, conteúdo e edição. 

O projeto  "Círculo de poemas" é bem legal. Junto ao livro rio pequeno veio outro livro de poesias - Rastros - de Prisca Agustoni, poemas feitos a partir de uma pintura rupestre na Patagônia.


No pontinho vermelho, minhas
próprias enchentes da infância

"alagado

a memória das águas
invadiu ontem minha casa
com este medo até de chuva rala
e inunda
ainda inunda
2 metros d'água

naquele dia molhou as canelas
apenas
salvei meus livros
no chão do quarto
ou que dentro da cabeça
conservaram intactas
suas páginas

enchente é como eles chamam
eu digo é medo
até de chuva rala
que mesmo hoje
me gasta

o córrego do jaguaré
não dava pé
nem dentro de casa
e ainda hoje quando chove
corro a fechar janelas

a memória
não me falha
"


O poema "alagado" me levou direto à infância. Nunca me esqueci de uma das enchentes no Rio Pequeno na qual vi pela janela um barquinho azul navegando naquela água marrom. Eu tanto insisti para que pegassem o barquinho pra mim que pegaram. Eu tive aquele barquinho azul até bem depois da adolescência.

"depois de muito

meu pai saiu de casa
eu não tinha nem nascido
meu pai saiu porque
a um homem como ele
não é permitido ficar
eles não têm lugar no mundo
vim saber depois de muito
e minha mãe queria
eu também gostaria
se tivesse vontade ali
naquela barriga
uma vontade maior
que espreguiçar
e me alimentar
das substâncias que eram
minha mãe
e seu desejo de que ele ficasse

penso se meu pai
um dia não quis voltar
penso se meu pai um dia
não quis ter seu lugar
no mundo
que ele não teve
"


Dedico o poema "depois de muito" ao meu filho e a sua mãe. O Rio Pequeno foi palco de tempos duros, tanto na minha infância quanto na minha vida madura. Ao menos da infância guardo boas lembranças, fui feliz mesmo com as enchentes.

William


Bibliografia:

floresta. rio pequeno. São Paulo: Círculo de poemas, 2022. Editoras Luna Parque & Fósforo.


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