3 de abril
Osasco, São Paulo. Segunda-feira.
Hoje completei 54 anos de idade. Se fosse para avaliar o caminho percorrido até aqui diria que vivi mais do que qualquer expectativa que tivesse imaginado até vinte e poucos anos. Fui favorecido pelo acaso diversas vezes ao longo da jornada.
Não sendo mais pessoa pública, representante de alguém, como fui por tanto tempo, não preciso mais ter cuidados com as negatividades dos sentimentos expressos. Não atuo mais no palco da vida pública. Não tenho que levantar o ânimo de ninguém.
Não estou triste nem feliz, de novo. Já escrevi isso em outras datas como essa. Tenho a noção de minha fortuna, tive sorte pra cacete, o acaso como disse me favoreceu muito. A vida simplesmente é. Estou. Sou natureza.
Para onde meus pés vão me levar ainda? Caminhei muito até aqui. No romance clássico de Machado de Assis, o defunto autor, Brás Cubas, nos conta sobre certa vez que seus pés o levaram por caminhos que ele não escolheu. Meus pés me levaram por aí por décadas. Minha alma - meu cérebro - ia ao sabor dos desejos e necessidades, e as veredas pegas definiam outros destinos.
Poderia estar "curtindo" a vida, mas minha ética não me permite isso. Sou triste por sentir a tristeza e a miséria de meu mundo, de meu entorno. A miséria da humanidade me entristece de maneira inescapável. Sou assim. Já era triste desde pequeno, adolescente. Talvez sempre tenha sentido uma certa dor do mundo. E segui vivendo. E o acaso me abrindo caminhos.
O caráter e a ética que fui adquirindo durante o percurso de minha existência são fundamentais para meu controle da tristeza, minha responsabilidade me faz ter consciência de minha importância por estar vivo. Se eu não tivesse relação humana nenhuma, não gostaria de seguir vivendo nem um minuto a mais. Vejam a importância das relações humanas!
Das coisas que possa imaginar dar prazer ao meu viver como, por exemplo, literatura, natureza, música, esportes, arte, viagens, nada disso faria contrapeso na balança da vida com minha noção das misérias do mundo ao meu redor que justificasse eu ficar de boa por aí vivendo com os recursos que tenho e curtindo a vida como se não existissem as merdas ao meu redor.
Minhas relações humanas são o contrapeso na balança do viver. Por ter relações que de alguma forma me prendem à vida, sigo firme buscando sentidos e utopias. Isso é bom! Talvez isso seja até uma forma de amor. Não quero deixar ninguém que considero triste ou em má situação. Quero ver bem as pessoas de minha relação.
Compreendendo a dinâmica do mundo humano após décadas do viver, penso que nós humanos teríamos que colocar toda a nossa energia em uma mudança radical do mundo, interrompendo imediatamente a destruição do planeta Terra de forma tão acelerada como estamos fazendo.
Se o acaso me tirasse o motivo do viver, as relações humanas que me dão algum sentido pra seguir, ainda assim minha ética humana e minha formação de esquerda me exigiriam escolher outros motivos para o viver.
"A vida é uma oportunidade" eu responderia se me perguntassem "o que é a vida?".
Tenho uma leitura clara disso. Apesar do sábio Ailton Krenak nos ensinar que a vida é fruição e que não tem utilidade alguma, que a vida não é útil, quando olho minha jornada pregressa vejo que o que realmente me deu sentido foi o período no qual fui "útil" para a sociedade, para a coletividade. Porque quando eu só olhava meu umbigo fui uma merda total, alguém que eu recordo com um sentimento muito ruim.
Registro feito dos instantes de passagem do dia 3 de abril para 4 de abril.
William
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