segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Refeição Cultural - Da Morte

Meus últimos dias foram marcados de alguma forma por mortes que me sensibilizaram muito. As mortes foram me sensibilizando gradativamente. Estou cismando sobre elas agora e pensando sobre a vida. Ou melhor, estou pensando sobre a existência dos seres.

A primeira coisa que fiquei refletindo a respeito da morte é se ela faz parte de algum sentido ou razão na existência, como “plano” de algo metafísico. A síntese de minhas reflexões é que não há uma razão na existência. O que há é simplesmente a própria existência das coisas, a vida de cada ser, até o momento em que cessa aquela mesma vida – a morte.


Chlorostilbon lucidus
(Foto ilustrativa da Wikipédia)
 
- Fiquei babando feito bobo na beleza de um par de filhotinhos de beija-flor durante três dias da semana que passou. Eles estavam em um arbusto baixo, no local onde nos hospedamos para um curso de formação de uma semana, lá em Florianópolis. Eu já temia pela sorte daquelas coisinhas frágeis. O que poderia fazer a mamãe beija-flor contra gigantes? Cada vez que um de nós se aproximava do arbusto, ela ficava num galho de árvore mais distante com um cantar agoniado. Na quinta-feira pela manhã ocorreu o que eu temia. Os galhos ao redor do ninho foram arrancados, os filhotes sumiram e o ninho foi parcialmente destruído. Foram mãos humanas que fizeram aquilo. Havia no hotel mais de uma centena de pessoas. Breve foi a existência daqueles bichinhos que vi por três dias com seus biquinhos apontados para cima, esperando pela mamãe beija-flor. Como aquela morte maldosa me incomodou! Fiquei os dois dias finais do curso pensando naquilo.
        

Nossa Titch quando chegou em 2009.


 
- Pousei em Congonhas na sexta à noite. Assim que liguei o celular no avião, recebi a mensagem que me dizia que nossa hamster anã russa não estava bem e que parecia que estava morrendo de uma hora para outra. Após uma semana de trabalho ausente de casa, cheguei para encontrar minha Titch agonizando. Ainda corremos de madrugada em um veterinário que lhe aplicou uma pequena injeção. Ela morreu pela manhã na minha mão. Viveu conosco quase dois anos. Era o meu xodozinho.

Nossa Titch no semestre passado.
Comendo na minha mão.


Sempre que chegava em casa nesses dois anos a primeira coisa que fazia era pegá-la na mão. Ela ficava doidinha quando me via. Como fiquei arrasado! Fiquei pensando em uma forma de me confortar com a perda, pensando na fragilidade desses pequenos animais na natureza. Parece que a função deles é ser alimento do ser acima na cadeia alimentar. Quanto tempo duraria a nossa Titch na natureza? Ela viveu dois anos ao menos recebendo comida sem precisar caçar ou ser caça, água sempre disponível, habitat confortável, carinho e cafuné até o último instante. Seria um conforto para a morte de um ser ele ter vivido bem?

Olha lá o belo ipê branco.
Olha lá a towner da dona Irene.

- Passei o fim de semana com a tristeza da morte de um bichinho de estimação e aquele incômodo da morte dos beija-flores. Agora à noite, após um cochilo, fiquei sabendo da morte da dona Irene. Ela vendia pães aqui na rua de nosso condomínio. Sempre que acordávamos, olhávamos pela janela para ver se ela estava lá para irmos buscar pão. Era uma pessoa de bem com a vida. Falava do netinho, dizia que gostava de forró e conversava com todo mundo. Ficou sumida só umas semanas, mas me lembro que ela disse que estava pensando em ir para a praia. Dizem que sentiu queimação no estômago e morreu de câncer neste domingo. É chocante! Foi a mesma coisa com a minha querida tia Alice. De novo, fiquei pensando na existência dos seres vivos. A vida na natureza apenas é. A gente simplesmente existe, e só.

Hoje somos e estamos, amanhã não estamos mais. Os seres humanos são diferentes dos demais seres vivos porque têm sentimentos e abstrações, cultuam o belo, constroem coisas que precisaram da imaginação, matam por maldade e por prazer, buscam há milênios explicação para a vida, a morte, a existência das coisas. Para dar conformação à solidão e à perda da existência trágica, os seres humanos criam explicações metafísicas e deuses.
A morte é a parte da existência de tudo que é vivo. Essa certeza poderia ao menos nos tornar melhores como seres humanos. Mas isso acontece com uns e não acontece com outros. A verdade é que a morte é uma tristeza. A perda nos dá um vazio na rotina que precisa ser superado. Quando vamos vivendo mais tempo, ou seja, quando vamos sobrevivendo neste mundo, a tendência é que passemos a conviver com a morte comum mais rotineiramente. Nos casos de guerras e calamidades constantes, não precisa nem de mais idade para o hábito da convivência com a morte.
A morte simplesmente está aí, por todos os lados, todos os instantes, assim como a vida e as existências efêmeras.

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