sábado, 5 de maio de 2012

O LEVIATÃ - A LIBERDADE, por Thomas Hobbes


Capa da obra de 1651. Fonte: Wikipedia.


O LEVIATÃ - A LIBERDADE, por Thomas Hobbes

Partes do capítulo XXI e comentários meus

Pretendo abordar algumas situações a partir do que refleti lendo o capítulo: a situação de saúde de minha família, minha condição atual, o meu entorno.

CAPÍTULO XXI

DA LIBERDADE DOS SÚDITOS

“LIBERDADE significa, em sentido próprio, a ausência de oposição (entendendo por oposição os impedimentos externos do movimento); e não se aplica menos às criaturas irracionais e inanimadas do que às racionais. Porque de tudo o que estiver amarrado ou envolvido de modo a não poder mover-se senão dentro de um certo espaço, sendo esse espaço determinado pela oposição de algum corpo externo, dizemos que não tem liberdade de ir mais além. E o mesmo se passa com todas as criaturas vivas, quando se encontram presas ou limitadas por paredes ou cadeias; e também das águas, quando são contidas por diques ou canais, e se assim não fosse se espalhariam por um espaço maior, costumamos dizer que não têm a liberdade de se mover da maneira que fariam se não fossem esses impedimentos externos. Mas quando o que impede o movimento faz parte da constituição da própria coisa não costumamos dizer que ela não tem liberdade, mas que lhe falta o poder de se mover; como quando uma pedra está parada, ou um homem se encontra amarrado ao leito pela doença.”

1-   A forma como Hobbes descreve e conceitua temas é muito didática e interessante. Não prejudica a minha leitura não concordar com suas convicções religiosas ou políticas. A tipificação das coisas é que me agrada.

2-   Maquiavel fez o mesmo em O Príncipe quando descreveu os tipos de monarquias que existiam, bem como as vantagens e desvantagens em cada uma e o que ajudava ou prejudicava um monarca em manter o poder ou perdê-lo.

“Conformemente a este significado próprio e geralmente aceito da palavra, um homem livre é aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e engenho é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer. Mas sempre que as palavras livre e liberdade são aplicadas a qualquer coisa que não é um corpo, há um abuso de linguagem; porque o que não se encontra sujeito ao movimento não se encontra sujeito a impedimentos. Portanto, quando se diz, por exemplo, que o caminho está livre, não se está indicando nenhuma liberdade do caminho, e sim daqueles que por ele caminham sem parar. E quando dizemos que uma doação é livre, não se está indicando nenhuma liberdade da doação, e sim do doador, que não é obrigado a fazê-la por lei ou pacto. Assim, quando falamos livremente, não se trata da liberdade da voz, ou da pronúncia, e sim do homem ao qual nenhuma lei obrigou a falar de maneira diferente da que usou. Por último, do uso da expressão livre-arbítrio não é possível inferir uma liberdade da vontade, do desejo ou da inclinação, mas apenas a liberdade do homem; a qual consiste no fato de ele não deparar com entraves ao fazer aquilo que tem vontade, desejo ou inclinação de fazer.”

3-   Essa ideia de livre-arbítrio tem suas consequências, mas deve ser respeitada e é preciso lidar com as consequências que podem ser muito dolorosas.

4-   Hobbes vai separar neste capítulo a liberdade natural da liberdade no homem artificial – Leviatã –, ou seja, no Estado. Vimos acima o conceito de liberdade natural.

(...)

“Mas tal como os homens, tendo em vista conseguir a paz, e através disso sua própria conservação, criaram um homem artificial, ao qual chamamos Estado, assim também criaram cadeias artificiais, chamadas leis civis, as quais eles mesmos, mediante pactos mútuos, prenderam numa das pontas à boca daquele homem ou assembleia a quem confiaram o poder soberano, e na outra ponta a seus próprios ouvidos. Embora esses laços por sua própria natureza sejam fracos, é no entanto possível mantê-los, devido ao perigo, se não pela dificuldade de rompê-los.”

5-   Volto a lembrar neste trecho que o objetivo de se criar um Estado é buscar a paz entre os homens, através de leis e pactos onde o homem que detém liberdade natural (chamada por Hobbes de lei de natureza) abre mão de parte dela para que os outros também abram.

“É unicamente em relação a esses laços que vou agora falar da liberdade dos súditos. Dado que em nenhum Estado do mundo foram estabelecidas regras suficientes para regular todas as ações e palavras dos homens (o que é uma coisa impossível), segue-se necessariamente que em todas as espécies de ações não previstas pelas leis os homens têm a liberdade de fazer o que a razão de cada um sugerir, como o mais favorável a seu interesse. Porque tomando a liberdade em seu sentido próprio, como liberdade corpórea, isto é, como liberdade das cadeias e prisões, torna-se inteiramente absurdo que os homens clamem, como o fazem, por uma liberdade de que tão manifestamente desfrutam. Por outro lado, entendendo a liberdade no sentido de isenção das leis, não é menos absurdo que todos os outros homens podem tornar-se senhores de suas vidas. Apesar do absurdo em que consiste, é isto que eles pedem, pois ignoram que as leis não têm poder algum para protegê-los, se não houver uma espada nas mãos de um homem, ou homens, encarregados de pôr as leis em execução. Portanto a liberdade dos súditos está apenas naquelas coisas que, ao regular suas ações, o soberano permitiu: como a liberdade de comprar e vender, ou de outro modo realizar contratos mútuos; de cada um escolher sua residência, sua alimentação, sua profissão, e instruir seus filhos conforme achar melhor, e coisas semelhantes.”

6-   Hobbes relembra a seguir que pela mesma lei de natureza ninguém é obrigado a se deixar matar por outro pelo pacto estabelecido para viver no Leviatã, nem mesmo o próprio Estado tem direito de matá-lo sem que ele se rebele.

(...)

A liberdade à qual se encontram tantas e tão honrosas referências nas obras de história e filosofia dos antigos gregos e romanos, assim como nos escritos e discursos dos que deles receberam todo o seu saber em matéria de política, não é a liberdade dos indivíduos, mas a liberdade do Estado; a qual é a mesma que todo homem deveria ter, se não houvesse leis civis nem nenhuma espécie de Estado.

(...)

Os atenienses e romanos eram livres, quer dizer, eram Estados livres. Não que qualquer indivíduo tivesse a liberdade de resistir a seu próprio representante: seu representante é que tinha a liberdade de resistir a um outro povo, ou de invadi-lo.

(...)

Quer o Estado seja monárquico, quer seja popular, a liberdade é sempre a mesma.”

7-   Hobbes reafirma aqui o que já discorreu em diversos capítulos sobre o soberano – rei ou assembleia – ter o poder total de decisão. Poder este concedido pelo povo (homens e mulheres), que abrem mão de parte de suas liberdades pelo pacto estabelecido para o convívio no Estado em busca de paz.

8-   Hobbes faz defesa da monarquia (abaixo) dizendo que a referência de governos populares vinculada à liberdade sempre fez sucesso porque nos povos antigos – gregos e romanos – havia autores de grande reputação que passavam adiante nos ensinamentos aos jovens a forma de governo deles mesmos - democracia. (A ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, assim como a do próprio Hobbes no período em que vive)

(...)

“Nestas partes ocidentais do mundo, costumamos receber nossas opiniões relativas à instituição e aos direitos do Estado, de Aristóteles, Cícero e outros autores, gregos e romanos, que viviam em Estados populares, e em vez de fazerem derivar esses direitos dos princípios da natureza os transcreviam para seus livros a partir da prática de seus próprios Estados, que eram populares. Tal como os gramáticos descrevem as regras da linguagem a partir da prática do tempo, ou as regras da poesia a partir dos poemas de Homero e Virgílio. E como aos atenienses se ensinava (para neles impedir o desejo de mudar de governo) que eram homens livres, e que todos os que viviam em monarquia eram escravos, Aristóteles escreveu em sua Política (livro 6, cap. 2): Na democracia deve supor-se a liberdade; porque é geralmente reconhecido que ninguém é livre em nenhuma outra forma de governo. Tal como Aristóteles, também Cícero e outros autores baseavam sua doutrina civil nas opiniões dos romanos, que eram ensinados a odiar a monarquia, primeiro por aqueles que depuseram o soberano e passaram a partilhar entre si a soberania de Roma, e depois por seus sucessores...

HOBBES FALA AQUI DA LIBERDADE EM UM ESTADO

“Passando agora concretamente à verdadeira liberdade dos súditos, ou seja, quais são as coisas que, embora ordenadas pelo soberano, não obstante eles podem sem injustiça recusar-se a fazer, é preciso examinar quais são os direitos que transferimos no momento em que criamos um Estado. Ou então, o que é a mesma coisa, qual a liberdade que a nós mesmos negamos, ao reconhecer todas as ações (sem exceção) do homem ou assembleia de quem fazemos nosso soberano. Porque de nosso ato de submissão fazem parte tanto nossa obrigação quanto nossa liberdade, as quais portanto devem ser inferidas por argumentos daí tirados, pois ninguém tem nenhuma obrigação que não derive de algum de seus próprios atos, visto que todos os homens são, por natureza, igualmente livres. Dado que tais argumentos terão que ser tirados ou das palavras expressas eu te autorizo todas as suas ações, ou da intenção daquele que se submete a seu poder (intenção que deve ser entendida como o fim devido ao qual assim se submeteu), a obrigação e a liberdade do súdito deve ser derivada, ou daquelas palavras (ou outras equivalentes), ou do fim da instituição da soberania, a saber: a paz dos súditos entre si, e sua defesa contra um inimigo comum.”

(...)

“Entende-se que a obrigação para com o soberano dura enquanto, e apenas enquanto, dura também o poder mediante o qual ele é capaz de protegê-los. Porque o direito que por natureza os homens têm de defender-se a si mesmos não pode ser abandonado através de pacto algum.”

ALGUNS COMENTÁRIOS

Após ler sobre liberdade e ser livre, em relação ao corpo e à liberdade natural, fiquei pensando na situação em que se encontra minha família.

VOVOZINHA

Minha avozinha materna vive com meus pais desde o dia em que minha tia Alice morreu de câncer. Ela não pode ficar em pé sozinha porque tem apagões e cai. Isto aconteceu algumas vezes nos últimos três anos. Minha mãe viveu nesse período em função de não deixar minha avó cair.

Algumas vezes, quando minha mãe ou alguém que está por conta de olhar minha avó dá uma bobeada, a vozinha levanta sozinha e sai arriscando uma queda dizendo que não tem risco não.

Aconteceu que minha mãe foi acompanhar minha sobrinha internada no SUS e minha avó aproveitou para uma dessas escapulidas, sem chamar as duas pessoas que estavam olhando ela. Caiu e quebrou o fêmur. Apesar de toda a minha dor e pesar – e raiva também – como condenar o livre-arbítrio de minha avozinha por teimar em sair andando sozinha pela casa? Estamos torcendo pela recuperação dela, mas aos 88 anos sabemos que é muito difícil. Fique boa, vovozinha!

PAI

Meu querido pai enfartou no dia 1º de fevereiro deste ano. Por muito pouco não morreu. Já vinha de acúmulos de estresses por lutar por seus direitos contra o Estado. Antes de enfartar de madrugada, havia sido muito maltratado em uma repartição pública durante aquela tarde.

Após ficar com ele oito dias no SUS, fomos para a casa dele. Acabei discutindo com meu paizinho e fui embora logo, por ficar tentando proibi-lo de fazer as extravagâncias que os médicos avisaram, pois ele começou a fazê-las assim que chegou em casa.

Depois acabei compreendendo que nem eu nem ninguém temos o direito de proibi-lo de fazer algo. É a vida dele. E as brigas que ele faz por não concordar com coisas erradas e lutar por seus direitos é o que lhe motiva viver. Mesmo que morra se estressando e enfartando na próxima luta por seus direitos. É o livre-arbítrio dele! Tenho que aceitar isso.

EU MESMO

Estou trabalhando da hora que acordo até a hora de dormir faz um mês. Eu aceitei novos desafios no movimento sindical. Não quero deixar de fazer o que tenho que fazer.

Preciso ter informação e conhecimento sobre minha área - formação sindical – e sobre o Banco do Brasil. Mais que isso, eu tenho que fazer as coisas acontecerem. Por mais que pertença a um coletivo (movimento sindical) as duas coisas são bastante solitárias no que se refere a se preparar e encaminhar as ações e decisões.

Eu vou seguir me esforçando para desempenhar um bom papel. Estou sacrificando a mim e aos meus. Mas tenho a consciência tranquila de meu trabalho e minha militância. Isso ninguém me tira. É meu livre-arbítrio.

Aliás, se já é difícil ler a obra de Hobbes, imaginem vocês escrever esta postagem que gastei boa parte do dia de sábado para fazê-la? Mas eu não posso abandonar meu blog de cultura. Ele é o respiro que me sobra de alimento cultural.

Espero que gostem da leitura sobre o capítulo que destaquei acima.

Bye,


Bibliografia:
HOBBES DE MALMESBURY, THOMAS. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Coleção Os Pensadores. Nova Cultural, edição 1999.


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