Capa da obra de 1651. Fonte: Wikipedia. |
O LEVIATÃ - A LIBERDADE, por Thomas
Hobbes
Partes do
capítulo XXI e comentários meus
Pretendo abordar
algumas situações a partir do que refleti lendo o capítulo: a situação de saúde
de minha família, minha condição atual, o meu entorno.
CAPÍTULO XXI
DA LIBERDADE DOS SÚDITOS
“LIBERDADE
significa, em sentido próprio, a ausência de oposição (entendendo por oposição
os impedimentos externos do movimento); e não se aplica menos às criaturas
irracionais e inanimadas do que às racionais. Porque de tudo o que estiver
amarrado ou envolvido de modo a não poder mover-se senão dentro de um certo
espaço, sendo esse espaço determinado pela oposição de algum corpo externo,
dizemos que não tem liberdade de ir mais além. E o mesmo se passa com todas as
criaturas vivas, quando se encontram presas ou limitadas por paredes ou
cadeias; e também das águas, quando são contidas por diques ou canais, e se
assim não fosse se espalhariam por um espaço maior, costumamos dizer que não
têm a liberdade de se mover da maneira que fariam se não fossem esses
impedimentos externos. Mas quando o que impede o movimento faz parte da constituição
da própria coisa não costumamos dizer que ela não tem liberdade, mas que lhe
falta o poder de se mover; como quando uma pedra está parada, ou um homem se
encontra amarrado ao leito pela doença.”
1- A forma como Hobbes descreve e
conceitua temas é muito didática e interessante. Não prejudica a minha leitura
não concordar com suas convicções religiosas ou políticas. A tipificação das
coisas é que me agrada.
2- Maquiavel fez o mesmo em O
Príncipe quando descreveu os tipos de monarquias que existiam, bem como
as vantagens e desvantagens em cada uma e o que ajudava ou prejudicava um
monarca em manter o poder ou perdê-lo.
“Conformemente
a este significado próprio e geralmente aceito da palavra, um homem livre é
aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e engenho é capaz de fazer,
não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer. Mas sempre que as
palavras livre e liberdade são aplicadas a qualquer coisa que não
é um corpo, há um abuso de linguagem; porque o que não se encontra
sujeito ao movimento não se encontra sujeito a impedimentos. Portanto, quando se diz, por exemplo, que o caminho
está livre, não se está indicando nenhuma liberdade do caminho, e sim daqueles
que por ele caminham sem parar. E quando dizemos que uma doação é livre,
não se está indicando nenhuma liberdade da doação, e sim do doador, que não é
obrigado a fazê-la por lei ou pacto. Assim, quando falamos livremente,
não se trata da liberdade da voz, ou da pronúncia, e sim do homem ao qual
nenhuma lei obrigou a falar de maneira diferente da que usou. Por último, do uso da expressão livre-arbítrio
não é possível inferir uma liberdade da vontade, do desejo ou da inclinação,
mas apenas a liberdade do homem; a qual consiste no fato de ele não deparar com
entraves ao fazer aquilo que tem vontade, desejo ou inclinação de fazer.”
3- Essa ideia de livre-arbítrio tem
suas consequências, mas deve ser respeitada e é preciso lidar com as
consequências que podem ser muito dolorosas.
4- Hobbes vai separar neste capítulo a liberdade natural da liberdade no homem
artificial – Leviatã –, ou seja, no Estado. Vimos acima o conceito de liberdade
natural.
(...)
“Mas tal
como os homens, tendo em vista conseguir a paz, e através disso sua própria
conservação, criaram um homem artificial, ao qual chamamos Estado, assim também
criaram cadeias artificiais, chamadas leis civis, as quais eles mesmos,
mediante pactos mútuos, prenderam numa das pontas à boca daquele homem ou assembleia a quem
confiaram o poder soberano, e na outra ponta a seus próprios ouvidos. Embora esses
laços por sua própria natureza sejam fracos, é no entanto possível mantê-los,
devido ao perigo, se não pela dificuldade de rompê-los.”
5- Volto a lembrar neste trecho que o
objetivo de se criar um Estado é buscar a paz entre os homens, através de leis
e pactos onde o homem que detém liberdade natural (chamada por Hobbes de lei de natureza) abre mão de parte dela
para que os outros também abram.
“É
unicamente em relação a esses laços que vou agora falar da liberdade dos súditos. Dado que em nenhum Estado do mundo
foram estabelecidas regras suficientes para regular todas as ações e palavras
dos homens (o que é uma coisa impossível), segue-se necessariamente que em
todas as espécies de ações não previstas pelas leis os homens têm a liberdade
de fazer o que a razão de cada um sugerir, como o mais favorável a seu
interesse. Porque tomando a liberdade
em seu sentido próprio, como liberdade corpórea, isto é, como liberdade das
cadeias e prisões, torna-se inteiramente absurdo que os homens clamem, como o
fazem, por uma liberdade de que tão manifestamente desfrutam. Por outro lado,
entendendo a liberdade no sentido de isenção das leis, não é menos absurdo que todos
os outros homens podem tornar-se senhores de suas vidas. Apesar do absurdo em
que consiste, é isto que eles pedem, pois ignoram que as leis não têm poder
algum para protegê-los, se não houver uma espada nas mãos de um homem, ou
homens, encarregados de pôr as leis em execução. Portanto a liberdade
dos súditos está apenas naquelas coisas que, ao regular suas ações, o soberano
permitiu: como a liberdade de comprar e vender, ou de outro modo realizar
contratos mútuos; de cada um escolher sua residência, sua alimentação, sua
profissão, e instruir seus filhos conforme achar melhor, e coisas semelhantes.”
6- Hobbes relembra a seguir que pela
mesma lei de natureza ninguém é obrigado a se deixar matar por outro pelo pacto
estabelecido para viver no Leviatã, nem mesmo o próprio Estado tem direito de
matá-lo sem que ele se rebele.
(...)
“A liberdade à qual se encontram tantas e
tão honrosas referências nas obras de história e filosofia dos antigos gregos e
romanos, assim como nos escritos e discursos dos que deles receberam todo o seu
saber em matéria de política, não é a liberdade dos indivíduos, mas a liberdade
do Estado; a qual é a mesma que todo homem deveria ter, se não houvesse
leis civis nem nenhuma espécie de Estado.
(...)
Os atenienses e romanos eram livres,
quer dizer, eram Estados livres.
Não que qualquer indivíduo tivesse a liberdade de resistir a seu próprio
representante: seu representante é que tinha a liberdade de resistir a um outro
povo, ou de invadi-lo.
(...)
Quer o Estado seja monárquico, quer
seja popular, a liberdade é sempre a mesma.”
7- Hobbes reafirma aqui o que já
discorreu em diversos capítulos sobre o soberano – rei ou assembleia – ter o
poder total de decisão. Poder este concedido pelo povo (homens e mulheres), que
abrem mão de parte de suas liberdades pelo pacto estabelecido para o convívio
no Estado em busca de paz.
8- Hobbes faz defesa da monarquia
(abaixo) dizendo que a referência de governos populares vinculada à liberdade
sempre fez sucesso porque nos povos antigos – gregos e romanos – havia autores
de grande reputação que passavam adiante nos ensinamentos aos jovens a forma de
governo deles mesmos - democracia. (A ideologia dominante é a ideologia da
classe dominante, assim como a do próprio Hobbes no período em que vive)
(...)
“Nestas
partes ocidentais do mundo, costumamos receber nossas opiniões relativas à
instituição e aos direitos do Estado, de Aristóteles, Cícero e outros autores,
gregos e romanos, que viviam em Estados populares, e em vez de fazerem
derivar esses direitos dos princípios da natureza os transcreviam para seus
livros a partir da prática de seus próprios Estados, que eram populares. Tal
como os gramáticos descrevem as regras da linguagem a partir da prática do
tempo, ou as regras da poesia a partir dos poemas de Homero e Virgílio. E como
aos atenienses se ensinava (para neles impedir o desejo de mudar de governo)
que eram homens livres, e que todos os que viviam em monarquia eram escravos, Aristóteles escreveu em sua Política (livro 6, cap. 2): Na
democracia deve supor-se a liberdade; porque é geralmente reconhecido que
ninguém é livre em nenhuma outra forma de governo. Tal como Aristóteles,
também Cícero e outros autores baseavam sua doutrina civil nas opiniões dos
romanos, que eram ensinados a odiar a monarquia, primeiro por aqueles que
depuseram o soberano e passaram a partilhar entre si a soberania de Roma, e
depois por seus sucessores...
HOBBES FALA AQUI DA LIBERDADE EM UM
ESTADO
“Passando
agora concretamente à verdadeira liberdade dos súditos, ou seja, quais são as
coisas que, embora ordenadas pelo soberano, não obstante eles podem sem
injustiça recusar-se a fazer, é preciso examinar quais são os direitos que
transferimos no momento em que criamos um Estado. Ou então, o que é a mesma
coisa, qual a liberdade que a nós mesmos negamos, ao reconhecer todas as
ações (sem exceção) do homem ou
assembleia de quem fazemos nosso soberano. Porque de nosso ato de submissão fazem parte tanto nossa obrigação quanto nossa liberdade, as quais portanto devem ser
inferidas por argumentos daí tirados, pois ninguém tem nenhuma obrigação que
não derive de algum de seus próprios atos, visto que todos os homens são, por
natureza, igualmente livres. Dado que tais argumentos terão que ser tirados
ou das palavras expressas eu te autorizo
todas as suas ações, ou da intenção daquele que se submete a seu poder
(intenção que deve ser entendida como o fim devido ao qual assim se submeteu),
a obrigação e a liberdade do súdito deve ser derivada, ou daquelas palavras (ou
outras equivalentes), ou do fim da
instituição da soberania, a saber: a paz dos súditos entre si, e sua defesa
contra um inimigo comum.”
(...)
“Entende-se
que a obrigação para com o soberano dura enquanto, e apenas enquanto, dura
também o poder mediante o qual ele é capaz de protegê-los. Porque o direito que
por natureza os homens têm de defender-se a si mesmos não pode ser abandonado
através de pacto algum.”
ALGUNS COMENTÁRIOS
Após ler
sobre liberdade e ser livre, em relação ao corpo e à liberdade natural, fiquei
pensando na situação em que se encontra minha família.
VOVOZINHA
Minha avozinha
materna vive com meus pais desde o dia em que minha tia Alice morreu de câncer.
Ela não pode ficar em pé sozinha porque tem apagões e cai. Isto aconteceu
algumas vezes nos últimos três anos. Minha mãe viveu nesse período em função de
não deixar minha avó cair.
Algumas vezes, quando minha mãe ou alguém que está por conta de olhar minha avó dá uma
bobeada, a vozinha levanta sozinha e sai arriscando uma queda dizendo que não
tem risco não.
Aconteceu que
minha mãe foi acompanhar minha sobrinha internada no SUS e minha avó aproveitou
para uma dessas escapulidas, sem chamar as duas pessoas que estavam olhando
ela. Caiu e quebrou o fêmur. Apesar de toda a minha dor e pesar – e raiva
também – como condenar o livre-arbítrio de minha avozinha por teimar em sair
andando sozinha pela casa? Estamos torcendo pela recuperação dela, mas aos 88
anos sabemos que é muito difícil. Fique boa, vovozinha!
PAI
Meu querido
pai enfartou no dia 1º de fevereiro deste ano. Por muito pouco não morreu. Já vinha
de acúmulos de estresses por lutar por seus direitos contra o Estado. Antes de
enfartar de madrugada, havia sido muito maltratado em uma repartição pública
durante aquela tarde.
Após ficar
com ele oito dias no SUS, fomos para a casa dele. Acabei discutindo com meu
paizinho e fui embora logo, por ficar tentando proibi-lo de fazer as
extravagâncias que os médicos avisaram, pois ele começou a fazê-las assim que
chegou em casa.
Depois acabei
compreendendo que nem eu nem ninguém temos o direito de proibi-lo de fazer
algo. É a vida dele. E as brigas que ele faz por não concordar com coisas
erradas e lutar por seus direitos é o que lhe motiva viver. Mesmo que morra se
estressando e enfartando na próxima luta por seus direitos. É o livre-arbítrio
dele! Tenho que aceitar isso.
EU MESMO
Estou trabalhando
da hora que acordo até a hora de dormir faz um mês. Eu aceitei novos desafios
no movimento sindical. Não quero deixar de fazer o que tenho que fazer.
Preciso ter
informação e conhecimento sobre minha área - formação sindical – e sobre o
Banco do Brasil. Mais que isso, eu tenho que fazer as coisas acontecerem. Por mais
que pertença a um coletivo (movimento sindical) as duas coisas são bastante
solitárias no que se refere a se preparar e encaminhar as ações e decisões.
Eu vou
seguir me esforçando para desempenhar um bom papel. Estou sacrificando a mim e
aos meus. Mas tenho a consciência tranquila de meu trabalho e minha militância.
Isso ninguém me tira. É meu livre-arbítrio.
Aliás, se
já é difícil ler a obra de Hobbes, imaginem vocês escrever esta postagem que
gastei boa parte do dia de sábado para fazê-la? Mas eu não posso abandonar meu
blog de cultura. Ele é o respiro que me sobra de alimento cultural.
Espero que
gostem da leitura sobre o capítulo que destaquei acima.
Bye,
Bibliografia:
HOBBES
DE MALMESBURY, THOMAS. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado
Eclesiástico e Civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz
Nizza da Silva. Coleção Os Pensadores. Nova Cultural, edição 1999.
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