domingo, 24 de julho de 2016

Ilusões Perdidas - O fútil ontem e hoje como costume





Refeição Cultural

Olá querido pai, que sempre me lê de sua residência em Uberlândia, e querid@s leitores deste blog. 

Estamos num domingo brasileiro em tempos de exceção ao estado democrático de direito. Nosso país sofreu mais um Golpe de Estado, aplicado sempre por uma plutocracia brasileira vira-latas e lesa-pátria (Não, não é o governo do simpático cachorrinho Pluto, mas dos filhos das Plutas dos ricos), Golpe que já mostra a ditadura que nos espera, apoiada pelas corporações e governos imperialistas que sempre deram uns trocos a essa plutocracia para foder o Brasil, a América Latina e nós povos latino-americanos.

No ócio de ficar umas horinhas à toa, lendo, olhando pela janela ou andando em meio às árvores das alamedas de Brasília, a gente pensa tanta coisa sobre a vida, sobre o andamento das coisas, sobre perdas e danos a nós causados sempre pelos mesmos burgueses e seus lacaios, e sobre oportunidades, e sobre o amanhã que pode vir ou não vir. Lembro aqui de dizer ao meus pais e entes queridos que eu os amo muito, apesar de lhes dedicar pouco tempo.

Vou citar umas passagens da obra ficcional Ilusões Perdidas, de Balzac, que faz parte do projeto de uma vida toda do autor francês, A Comédia Humana (89 romances). Esse negócio da prevalência da imagem, da aparência, da futilidade dos costumes burgueses se sobrepor ao conjunto de coisas que realmente importam para o povo de cada sociedade é bem antigo, como estamos acostumados a ver. A obra é da primeira metade do século 19 e nós estamos na primeira metade do século 21.

De que vale a frescura da etiqueta social como diferencial entre classes sociais, se ao final, a gente morre ou o nosso ente querido morre e o mais importante deveria ser viver pela felicidade de estar bem, de estar juntos, com saúde, e todos na sociedade terem os seus direitos básicos respeitados e oportunidades iguais e não a histórica e incentivada opulência do modelo capitalista, onde uns poucos devem ter tudo para si, num sistema de produção e exploração predatória, enquanto a natureza é exaurida inviabilizando o planeta, e os zilhões de seres humanos não passam de um nada para os poucos que dominam tudo, com suas etiquetas e posses?

Quando a gente é mais jovem, quando começamos a estudar o mundo em nossa militância social, somos movidos pela própria energia da juventude de nossos corpos, pela nossa capacidade de indignação com as iniquidades da sociedade em que estamos, e pelas esperanças de nossas utopias. Permanecer no bom caminho já é consequência do próprio viver nessa luta diária. 

Pelo que tenho visto e vivido de novo nos últimos dois ou três anos, fico bastante pensativo sobre o valer e não valer a pena prosseguir nas próximas décadas envolvido nas lutas sociais. A gente já sacrifica tudo de nossa individualidade, até a presença e o afeto dos entes queridos, em troca de grãos de areia de nossas argamassas para os alicerces e paredes de nossos projetos em prol da coletividade (meio que ilusória). Parece que ao final é sempre o repeteco de sempre, a plutocracia retoma o controle e o nosso lado combatente dos movimentos sociais se pega afundando em cisões internas e fratricidas. É melancólico e deprimente. Hoje, onde pisamos, há grupos antagônicos no campo dos movimentos sociais... e a plutocracia comemora em seus rega-bofes articulando a nossa destruição e a de nosso mundo.

Enfim, era uma introdução me posicionando contra a futilidade do ter e da aparência em lugar do ser e da verdadeira importância que a vida das pessoas deveria ter.



Ilusões Perdidas - o fútil ontem e hoje como costume

O rasgado falando do remendado, "amores" que se decidem pela roupa

Estamos falando de dois personagens amantes, de classes sociais distintas, que acabam de fugir de uma província do interior francês para se refugiarem na capital Paris. Lá chegando, em dias, ambos já olham e comparam os costumes dos cidadãos da metrópole e concluem que eles próprios estão ridículos e provincianos demais no vestir, no comportamento, e no próprio romance, achando que as oportunidades de posição social serão melhores se largarem um ao outro... tão antigo e tão atual...


"(...) Luciano reconhecia vagamente nesse velho elegante a superioridade do homem do mundo a par da vida parisiense; sentia-se sobretudo envergonhado de lhe dever seus prazeres. Ali, onde o poeta se sentia inquieto e constrangido, o antigo secretário privado se achava como um peixe na água..."


Luciano começa a observar aqueles que estão acima dele na escala social, e agora vai começar a analisar costumes e gentes em Paris.


"(...) Alargava-se o círculo, a sociedade tomava outras proporções. A vizinhança de diversas parisienses bonitas, muito elegantes, e deliciosamente vestidas, fez-lhe notar o anacronismo da indumentária da sra. de Bargeton, apesar de sofrivelmente pretensiosa: nem as fazendas, nem o feitio, nem as cores estavam na moda. O penteado que tanto o seduzia em Angoulême pareceu-lhe de gosto horrível comparando às graciosas invenções pelas quais se destacava cada uma das outras mulheres. 'Irá ela continuar assim?'..."


Tão antigo e tão atual. Bastou o jovem amante da sra. de Bargeton sair apaixonado de sua província para achá-la "de gosto horrível" na metrópole Paris. Alguém já viu isso com algum casal que sai de sua terra e chega à cidade grande?


"Na província não há escolha nem comparação a fazer: o hábito de ver as fisionomias dá-lhes uma beleza convencional. Transportada para Paris, uma mulher que passa por bonita no interior não desperta a menor atenção, porque não é bela senão pela aplicação do provérbio: Em terra de cegos, quem tem um olho é rei. Os olhos de Luciano faziam a comparação que a sra. de Bargeton fizera na véspera entre ele e Du Châtelet. Esta, por sua vez, permitia-se estranhas reflexões sobre o seu amado. Não obstante sua rara beleza, o pobre poeta não tinha garbo. Sua sobrecasaca de mangas muito curtas, as feias luvas provincianas, o colete repuxado tornavam-no prodigiosamente ridículo ao lado dos jovens postados no balcão: a sra. de Bargeton achava-lhe um jeito lastimável. Du Châtelet, ocupando-se dela sem ostentação, velando por ela com cuidados que traíam uma paixão profunda; Du Chatêlet, elegante e à vontade como um ator de volta ao palco de seu teatro, reconquistou em dois dias o terreno que perdera em seis meses. Apesar de o vulgo não admitir que os sentimentos mudem repentinamente, o certo é que dois amantes separam-se mais depressa do que se ligam. Preludiava-se na sra. de Bargeton e em Luciano um desencantamento mútuo cuja causa era Paris. A vida adquiria nela mais vastas dimensões ao olhos do poeta, tal como a sociedade tomava novo aspecto aos olhos de Luísa..." (página 203)


Bem legal, heim!

Tão igual a hoje... que valem eu, você e outrem, se nossa vestimenta não nos enfeitar para a futilidade dessa sociedade idiotizada pela ditadura da burguesia vira-latas?

Gente, não dou conta disso! Nunca dei! Desculpem, aí! Sigo sendo o que sou.

William
Leitor e cidadão

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