quarta-feira, 24 de julho de 2019
Cassi - Como achar saídas não prejudiciais aos associados num mundo sem noção?
Opinião
Eu iria escrever sobre eventuais propostas para a Cassi, autogestão em saúde dos trabalhadores do Banco do Brasil, mas decidi mudar o foco de minha postagem (que virou uma espécie de desabafo). A Caixa de Assistência poderia ser uma potência revolucionária na área da saúde suplementar se os seus associados tivessem noção do que ela é e do que eles são. Porém, será difícil achar uma saída satisfatória que preserve a essência da entidade e, principalmente, os direitos históricos dos associados, na nova era do não-saber. Na era dos sem noção (e também daqueles que têm noção de quando uma crise pode ser usada para retirar direitos).
Estou muito pessimista em relação ao presente e ao futuro da classe trabalhadora, aquele segmento humano não detentor de todos os meios de produção e que não acessa as riquezas produzidas por ele no planeta, bens e riquezas concentrados em algumas corporações privadas que controlam tudo, com alguns humanos por trás delas, mas que andam por aí e não são sequer questionados ou hostilizados por toda a desgraça que eles causam para aquele segmento que citei primeiro, a classe trabalhadora.
É a velha questão da ideologia, que os donos das corporações e seus ideólogos pregam que não existe e ao mesmo tempo fazem com que os desgraçados da classe trabalhadora defendam as ideias dos donos dos bens e riquezas produzidos pelos trabalhadores, sem acesso ao que produziram. Aqui já começa o problema dos sem noção de tudo! Como achar soluções de classe, se vivemos num mundo sem noção?
É papel de um representante de classe dar noções das coisas aos representados
Quando chegamos eleitos para quatro anos de mandato na Caixa de Assistência, a autogestão dos trabalhadores do Banco do Brasil, fizemos uma análise básica do que era a entidade, quais seus pontos fortes, quais seus pontos fracos, os principais fatores internos e externos que dificultavam o caminhar da organização rumo aos objetivos definidos para a "empresa" e chegamos a conclusões severas sobre o quanto a entidade sofria da doença do desconhecimento, da falta de pertencimento por parte dos associados e intervenientes e sofria pela falta de empoderamento por parte dos representantes dos associados e operadores do sistema Cassi.
Foi com muita convicção que decidimos que teríamos que fazer um mandato que conjugasse realizar avanços na área em que havíamos sido eleitos - a diretoria de saúde -, e ao mesmo tempo que atuássemos para fora, ou seja, teríamos que apresentar a Caixa de Assistência e suas características essenciais aos grupos de interesse que habitavam o sistema Cassi: as representações dos associados e eles próprios, se possível, as representações do patrocinador-patrão e os principais parceiros do modelo assistencial - funcionários e "colaboradores". Os burocratas e tecnocratas da área de administração chamam esses grupos de interesse de "stakeholders" (Jesus, como adoro esses termos em inglês!).
E assim fizemos, superando um obstáculo por dia nos quatro anos. Tivemos que trabalhar por duas ou três jornadas de bancário semanais para dar conta de atuar na gestão da diretoria de saúde e atuar apresentando a Cassi pelo país aos seus stakeholders. Além de ler praticamente todos os milhares de documentos e súmulas que avaliamos nas reuniões de diretoria, fizemos mais de 160 agendas externas para apresentar a Cassi aos seus stakeholders e desfazer ideias absurdas e equivocadas (às vezes, até de lideranças dos associados) que poderiam ser prejudiciais à Cassi, ideias e ações que poderiam levar a Cassi para uma situação pior do que ela já vivenciava se não fossem esclarecidas e repelidas.
Nunca dormi tão pouco em minha vida como nos quatro anos do mandato em nossa autogestão. Hoje, percebo que me quebrei fazendo isso, mas não poderia jamais ter feito diferente. É da minha natureza militante.
Além das agendas presenciais junto aos stakeholders, formadores de opinião e influenciadores em seus espaços de convívio e representação, fizemos boletins técnicos mensais e mais de 600 postagens de fomento para esses segmentos estratégicos da comunidade Cassi/BB. Eu tenho a tranquilidade de saber que esse esforço foi importante durante o tempo em que estivemos no papel de um dos gestores representantes dos associados.
Na gestão das áreas que cuidávamos, fizemos reuniões periódicas com os trabalhadores da sede e das unidades, e tudo que pudemos fazer na área de formação, capacitação e treinamento, fizemos, mesmo sem recursos suficientes. Ouvir os profissionais e áreas técnicas foi a constante durante os quatro anos, o diálogo nos ensinou muito sobre gestão em saúde. "Acolhimento" foi o conceito que utilizamos na gestão da Diretoria de Saúde e Rede de Atendimento.
Além dos estudos que a nossa diretoria desenvolveu para desfazer equívocos de interpretação e de leitura a respeito do modelo assistencial da Cassi, fizemos algo que seria impensável em tempos de crise e sem recursos:
---------------------------------
Ampliamos a cobertura do modelo - Se seguíssemos no automatismo em que as coisas ficam durante as crises e se não fôssemos muito compromissados em fortalecer o modelo de Atenção Primária e Estratégia Saúde da Família, a Cassi ainda estaria com a tendência decrescente na cobertura da ESF que encontramos em 2014. Devemos o avanço aos trabalhadores da Cassi que atenderam nosso pedido e acolheram mais pessoas no modelo.
---------------------------------
Ampliamos a Atenção Primária e Estratégia Saúde da Família mesmo sem recursos e com a pauta sendo a crise antiga de equilíbrio econômico-financeiro. Conseguimos dar um jeito de incluir no modelo mais de 20 mil novos inscritos, saltando para 182 mil vidas cadastradas no modelo assistencial: a Cassi salvou muitas vidas com isso e despesas assistenciais foram evitadas! Sem contar que atuamos para dar mais qualidade na gestão do modelo nas unidades regionais e nas CliniCassi. Vejam o gráfico que ilustramos o início dessa postagem e percebam a evolução do modelo assistencial durante os anos em que estivemos focados nele.
Mas como dizem, isso é passado. A discussão do momento é outra.
E agora, José?
Durante o último ano, acompanhei como associado os debates relativos a busca de soluções para a questão econômico-financeira da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil. As entidades representativas e associados, o corpo diretivo da autogestão e os representantes do patrocinador tentaram por duas vezes encontrar soluções apresentando ao corpo social propostas de mudanças.
A Cassi segue buscando soluções para a manutenção da entidade de saúde dos trabalhadores. Para dificultar mais o cenário, a agência reguladora (ANS) anunciou nesta semana que haverá uma direção fiscal na autogestão.
É desalentador ver temas como a solidariedade do modelo de custeio mutualista intergeracional no Plano de Associados serem colocados em dúvida nas discussões que dominam as redes sociais e as falas de algumas lideranças quando estão refletindo quais seriam as saídas para resgatar a Caixa de Assistência para a normalidade operacional.
---------------------------------
Não há saída viável sem solidariedade, que não exclua participantes no acesso a assistência em saúde, cobrando por idade, por dependente no grupo familiar e por uso quando se precisa da assistência. Uma coisa não pode ser dura e mole, preta e branca, seca e molhada ao mesmo tempo. Ou um sistema de saúde é feito para que todos possam participar ou é feito para que alguns segmentos possam participar e outros fiquem de fora dele.
----------------------------------
Nos chama atenção e nos coloca em alerta ver novamente stakeholders fazendo discussões superadas nos últimos anos em relação a despesas e custos administrativos do sistema Cassi e voltando a questionar o papel central das CliniCassi no modelo de Atenção Primária e Medicina de Família da nossa autogestão. A mesma coisa quando a questão são os programas de saúde, apoiadores do cuidado de crônicos acompanhados pela APS/ESF. Uma unidade CliniCassi chega a custar anualmente o valor de duas ou três multas da ANS e cuida de centenas de doentes crônicos evitando despesas exponencialmente maiores caso eles fossem para a rede prestadora.
Achei inadequada a decisão da Cassi em aumentar as coparticipações sobre consultas e exames, sem teto e de forma cumulativa, de maneira quase impagável para a base da pirâmide de associados da ativa e aposentados. Essa decisão é contraproducente para o modelo assistencial da Caixa de Assistência, baseado em fazer gestão de saúde em uma população ao longo do tempo, o que equivale a monitorar, realizar consultas e exames de forma orientada de acordo com as necessidades. Se o participante tiver que gastar mais do que pode nos preventivos e nos curativos agendados, a tendência é que busque fazê-los no pronto socorro e pronto atendimento, aumentando as internações. É muito ruim essa decisão e, a meu ver, parece ser somente para arrecadar mais dos associados e não como "fator moderador".
Eu desejo realmente que os deuses iluminem as cabeças e os corações dos representantes dos associados e stakeholders em geral para que se construam consensos nos princípios que devem ser defendidos quando o lado dos associados se sentar com a outra parte para buscar soluções de reequilíbrio para o Plano de Associados, de forma que a resposta e solução não desconfigure o que é a Caixa de Assistência DOS funcionários do Banco do Brasil, uma entidade de autogestão solidária e para todos os funcionários da ativa e aposentados do BB, pensionistas e dependentes.
William Mendes
Associado Cassi/Previ
Post Scriptum:
Um mundo sem noção! Ao ler algumas postagens e avaliações de associados enaltecendo a intervenção da ANS em nossa Caixa de Assistência fica mais que evidente o quanto as pessoas comuns não têm a menor noção do quanto o fato pode ser lesivo aos direitos em saúde auferidos pelos trabalhadores após décadas de lutas. É impressionante! É desolador!
Que dizer, então, quando a intervenção é comemorada por um dirigente da entidade interditada?
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário