sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Leitura: Eichmann em Jerusalém - Hannah Arendt



"Resta, porém, um problema fundamental, que está implicitamente presente em todos esses julgamentos pós-guerra e que tem de ser mencionado aqui porque toca uma das grandes questões morais de todos os tempos, especificamente a natureza e a função do juízo humano. O que exigimos nesses julgamentos, em que os réus cometeram crimes 'legais' é que os seres humanos sejam capazes de diferenciar o certo do errado mesmo quando tudo o que têm para guiá-los seja apenas seu próprio juízo, que, além do mais, pode estar inteiramente em conflito com o que eles devem considerar como opinião unânime de todos a sua volta (...) Desde que a totalidade da sociedade respeitável sucumbiu a Hitler de uma forma ou de outra, as máximas morais que determinam o comportamento social e os mandamentos religiosos - 'Não matarás!' - que guiam a consciência virtualmente desapareceram. Os poucos ainda capazes de distinguir certo e errado guiavam-se apenas por seus próprios juízos, e com toda liberdade; não havia regras às quais se conformar, às quais se pudessem conformar os casos particulares com que se defrontavam. Tinham de decidir sobre cada caso quando ele surgia, porque não existiam regras para o inaudito." (ARENDT, 2019, p. 318) 


Refeição Cultural

Terminei a leitura do livro Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal (1963), de Hannah Arendt, livro que ela diz ser uma reportagem sobre o julgamento de Adolf Eichmann. Comecei a lê-lo em 18 de julho deste ano e a leitura se deu num dos momentos mais tristes da história do Brasil, um país dominado hoje pela banalidade do mal, expressão que faz parte do subtítulo do livro de Arendt.

Ao longo das trezentas páginas de relatos e reflexões de Arendt pensei muito em nosso cotidiano em meio ao regime nazifascista e totalitário que se apossou do país após o golpe de Estado de 2016. Neste momento, segundo semestre de 2020, percebo que as coisas vão piorar muito para o povo e para a parte da população que não compartilha dos ideais de maldade e corrupção do regime em vigor.

Estamos sós e sob ameaças diversas de arbitrariedades, já que não há mais instituições às quais recorrer em busca de justiça e de apoio para as coisas básicas da vida em sociedade, porque as principais instituições do Estado estão corrompidas e fizeram parte do golpe contra o povo e as melhorias que se desenvolviam após séculos de falta de oportunidades para os descendentes de escravos, a imensa maioria do povo mestiço brasileiro.

Mandam no país os poderes executivos, poderes judiciários e repressivos, poderes legislativos, imprensa comercial hegemônica concentrada nas mãos de poucas oligarquias e poderes de igrejas, esses poderes todos interligados e compostos por cerca de 1% a 5% do povo, enfim, pouquíssima gente que se apossou do Brasil no pós-golpe de 2016, talvez de forma mais concentrada que antes, se olharmos os quinhentos anos para trás. Estamos nas mãos deles. Se isso não for totalitarismo e se isso não for o mal banal e real para nós 95%, eu não sei mais nada deste mundo.

E este cenário catastrófico para o povo e para o Brasil já se dava desde o golpe, sob Temer, sob Lava Jato e sob Bolsonaro. A destruição se deu independente da pandemia de coronavírus, que veio para terminar com as parcas mobilizações que ainda ocorriam por parte do povo, em espasmos de revoltas quando o necrocapitalismo tinha algum evento mais visual como um cidadão negro assassinado à la George Floyd ou uma criança vitimada por alguma coisa. 

O fato concreto é que o 1% vive a paz dos cemitérios. E o sistema do mal vai agregando a massa servidora à normalidade bolsonarista, neoliberal e necrocapitalista. Quem não for aderente, que se cale, se mude ou desapareça.

É isso!

William


Bibliografia:

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal. Companhia das Letras, São Paulo, 2019.


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