Refeição Cultural
Em 2006, a Fundação Perseu Abramo lançou o livro "Leituras da Crise - Diálogos sobre o PT, a democracia brasileira e o socialismo". O professor de economia Juarez Guimarães entrevistou 4 personalidades de diferentes áreas do conhecimento humano, uma delas o cientista político e professor Wanderley Guilherme dos Santos.
À época, eu era dirigente sindical da categoria bancária e as entrevistas me ajudaram bastante a compreender as contradições inerentes à política partidária e oriundas da democracia e me ajudaram no diálogo com meus colegas bancários sobre a crise política (vulgo "mensalão") daquele momento em 2005 do governo Lula e do Partido dos Trabalhadores.
Rever as entrevistas neste momento brasileiro, no qual 12 deputados do PT votaram a favor da PEC da impunidade no Congresso Nacional, não deixa de ser uma forma de tentar compreender as contradições do jogo democrático, e lembro que compreender não é concordar, é compreender.
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O GRANDE JOGO IMPUGNATÓRIO
Cito algumas frases e opiniões interessantes de Wanderley Guilherme dos Santos. Ele afirmava em seus artigos que a oposição tentou um golpe em 2005.
Juarez Guimarães deixou que o entrevistado argumentasse contra as ideias contrárias à sua leitura à época: que as elites econômicas eram beneficiadas e então não queriam golpe; que a oposição ao governo Lula tinha direito legítimo de tentar o golpe ou inviabilizar o governo porque o PT havia feito o mesmo; e que a crise era consequência da existência de corrupção no governo e de caixa dois.
Ao longo das citações do professor Wanderley, teço alguns comentários.
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"O que tivemos agora foi um caso estritamente de tentativa de golpe por parte de forças políticas fora do poder."
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"Quando se fala em elite, se pensa logo em elite econômica. Não, elite são todos esses jornalistas que têm coluna, por exemplo."
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"A opinião do PT e das oposições durante os oito anos do governo Fernando Henrique era totalmente irrelevante do ponto de vista parlamentar, não tinha força para fazer coisa nenhuma; se tivesse força o governo Fernando Henrique não teria aprovado 18 emendas constitucionais no seu primeiro mandato."
Wanderley disse que a oposição a FHC era de no máximo 144 deputados.
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RETÓRICA DA "JAGUNÇAGEM"
"Não, estou dizendo que julgamento político não é um julgamento que abdica de fatos (...) tem de haver um fato; dizer que isso não importa porque o julgamento é político é uma barbaridade, isso é nazismo, é um julgamento nazista."
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DESQUALIFICAÇÃO DO VOTO
"Ao analisar as últimas pesquisas [de janeiro/fevereiro de 2005], que revelam a recuperação da imagem do presidente Lula, os comentaristas reacionários que participaram do grande jogo impugnativo fizeram questão de acentuar que a recuperação é entre os mais pobres e menos educados."
Achei interessante o entrevistado chamar os analistas de "semi-intelectuais".
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"A democracia brasileira é muito forte porque é muito complexa, há muitos interesses em jogo."
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"O que vimos foi o presidente do PFL declarar: 'Não vamos deixar o governo governar'. Isso é um absurdo."
Wanderley faleceu em 2019, aos 84 anos. Imaginem se ele tivesse visto todo o descalabro que vivenciamos após a abertura da Caixa de Pandora, com o bolsonarismo...
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A DEMOCRACIA ASSUSTA
"A democracia é uma bagunça, por definição. Não há como organizar a democracia - só não tendo democracia."
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"A democracia assusta aqueles que sempre foram democratas enquanto a democracia não existia."
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"Os nossos políticos de 50 anos atrás não faziam nem ideia do que era democracia porque nunca viveram uma. Os presidentes norte-americanos do século XIX jamais souberam o que é a democracia, embora falassem o tempo todo dela, porque jamais tiveram uma - mulher não votava, negro não votava."
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MÍDIA E DEMOCRACIA
"J. G.: O senhor identificou também outra moeda de troca, que seria o processo de controle da agenda - a imprensa, muitas vezes, quer controlar a agenda do governo como se controlasse a pauta de seus repórteres.
- Exatamente..." (respondeu ele)
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PRESIDENCIALISMO E MULTIPARTIDARISMO
"Se você quer avançar mais, se seu partido é comprometido com mudanças maiores que a rotina ou a inércia, tem que contar com dificuldades e oposições maiores."
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"Qual é a versão que o principal partido da mudança no Brasil, o PT, tem a respeito de si próprio nas suas relações com o mundo privado?"
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Juarez Guimarães pergunta sobre custo das eleições no Brasil e financiamento delas.
Wanderley repete sua questão sobre a relação do PT com o mundo privado e sua clareza com a militância e eleitores.
"Não é possível ter simultaneamente, fazendo parte do mesmo partido, a opinião de socialistas, religiosos e pragmáticos do crescimento econômico de qualquer maneira. E a verdade é que o PT está convivendo com isso e não tem tido coragem de enfrentar este problema. Insisto que isso é crucial - e não se resolve com a reforma eleitoral. Nenhuma reforma eleitoral vai resolver isso para o PT, podem perder a esperança."
O entrevistado disse isso faz duas décadas! Eu não concordo totalmente com ele, mas debateria a questão.
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FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS
"Não sou favorável ao financiamento público de campanha..."
Ele explica que as eleições já têm alto custo público em todo o processo.
Amig@s leitores, eu destaquei pontos da entrevista, nada substitui a leitura do texto completo.
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O GOVERNO LULA E O ESTADO BRASILEIRO
"Há uma parte do Estado brasileiro que sempre foi inepta e outra parte que sempre funcionou bem."
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"O Estado brasileiro nunca foi preparado para um governo a favor da população pobre."
Wanderley avalia que o governo Lula melhorou o Estado, a máquina pública, em geral.
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PT E PSDB
"O Brasil passou por um marasmo durante os oito anos de FHC, nada era possível, tudo estava fora dos limites da possibilidade."
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Gostei da explicação do entrevistado sobre a história do PMDB: "Ideologia a favor de nada".
"E também o PMDB tem uma herança do tempo em que era MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e, na verdade, tinha uma ideologia a favor de nada, apenas de ser contra a ditadura. Todo mundo que era contra a ditadura estava no partido. Quando acabou a ditadura e foi preciso definir do que ele era a favor, aí complicou."
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Comentário final
Foi bom reler o professor Wanderley Guilherme dos Santos avaliando a crise política de 2005 neste momento da história do Brasil, em 2025.
Os intelectuais têm muito a nos ensinar. Sempre!
William
25/09/25 (0h35)
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