Refeição Cultural
A Fundação Perseu Abramo publicou em abril de 2006 o livro "Leituras da crise - Diálogos sobre o PT, a democracia brasileira e o socialismo". À época, a entrevista da filósofa Marilena Chaui foi fundamental para mim, dirigente sindical da categoria bancária.
Estávamos no ano de eleições presidenciais e o primeiro governo Lula havia enfrentado uma crise política motivada principalmente pelas questões de financiamento de campanhas eleitorais, crise batizada pelos nossos inimigos de classe como crise do "mensalão", uma invenção do deputado Roberto Jefferson (PTB) em entrevista à Folha de S. Paulo, à Renata Lo Prete, em junho de 2005.
A crise trouxe à público a questão do "caixa dois", prática de uso de recursos não contabilizados formalmente pelos partidos. Dirigentes do PT e aliados tiveram que responder a processos referentes a isso.
Feita a contextualização do momento no qual o livro foi lançado, registro a atualidade dos pensamentos e reflexões de Leonardo Boff, ao rever a entrevista. Mais ainda, a leitura de "A Carta da Terra", aprovada em 14/03/2000 pela Unesco, me fez lembrar o quanto é antigo e urgente o tema do colapso social e ambiental. O documento deveria ser adotado por todas as instituições da sociedade humana.
Enfim, eu não teria condições de destacar na postagem tudo que considerei relevante, são dezenas de páginas de reflexões e ideias extraordinárias.
Cito alguma coisa e sugiro aos leitores do blog que leiam na íntegra as 4 entrevistas do livro. Vocês vão se surpreender com a atualidade das reflexões de Chaui, Stedile, Wanderley Guilherme e Boff.
---
UTOPIA
"A utopia pertence à realidade. A realidade nunca é apenas o dado empírico. Ela contém dentro de si infindas virtualidades e possibilidades."
-
IMPORTÂNCIA DA BASE
"Ligados organicamente às bases, os políticos são continuamente educados, reeducados pelo povo e nele encontram mil razões para continuar a lutar por causas justas que atendam às demandas desse povo."
-
INDIVÍDUO E REVOLUÇÃO
"A revolução, para ser radical (mudança de rumo na história para atender às demandas da população sistematicamente negadas), precisa envolver todo o homem e todos os homens." (A palavra homem está aqui como genérica de homens e mulheres)
-
"Cada sujeito deve ser envolvido nesse processo e ele mesmo mudar. Se não mudar, a revolução em algum momento mostrará seu impasse. Foi por não ter tido cuidado com esse processo global, que inclui o sujeito concreto e pessoal, que o socialismo, no meu entender, abortou seu projeto libertador."
-
"O sujeito não pode ser entendido nos moldes do liberalismo e da visão burguesa da sociedade, em seu esplêndido isolamento e independência. O sujeito é sempre e concretamente um nó de relações, não apenas sociais (a tendência do pensamento de Marx), mas de relações totais e em todas as direções, até aquelas que incluem o transcendente e a sede de infinito."
-
"Não basta que sejam transformadas apenas as relações sociais. Cada sujeito deve ser envolvido nesse processo e ele mesmo mudar."
-
"Viva de tal maneira que aquilo que você vive possa ser válido para todos os demais seres humanos." (Kant)
-
Sobre o PT
"Pretendeu, na linha de Paulo Freire, fazer dos pobres e excluídos, uma vez conscientizados e organizados, os sujeitos do processo de libertação."
-
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Nesta parte da entrevista, Boff explica o que é a Teologia da Libertação, fala sobre o papa Wojtyla (João Paulo II, inimigo da Teologia da Libertação) e Ratzinger (Depois Bento XVI), sobre marxismo e socialismo real etc. Muita informação relevante.
"A Teologia da Libertação é uma teologia militante. Não se contenta em pensar a ortodoxia apenas como se faz normalmente nas faculdades de teologia. Quer a ortopráxis, quer dizer, incentiva uma prática que nasce do capital religioso do cristianismo, mas visa transformar a realidade social por considerá-la dissimétrica (analiticamente), injusta (eticamente) e pecaminosa (teologicamente). Essa libertação tem de ser libertação mesmo, quer dizer, não pode ser assistencialista e paternalista - que faz para os pobres, mas não se dá conta da força histórica dos pobres. Ela somente é libertadora se tiver os oprimidos (que são pobres e simultaneamente cristãos) como sujeitos de sua libertação, libertação com os pobres e a partir dos pobres. A igreja é apenas aliada e fornece os espaços institucionais aos pobres."
-
Uma alternativa ao capitalismo
"No fundo se pensava: o capitalismo não ocupa todo o espaço, há um antipoder,uma alternativa possível de organização das sociedades humanas, com limitações e avanços que não se podem desconhecer. Defendia-se não tanto o socialismo real, mas a oposição ao capitalismo."
-
"A derrocada do socialismo atingiu a Teologia da Libertação, pois sabíamos que sem ele começaria a barbárie do capitalismo."
-
A Teologia da Libertação e Marx
"A Teologia da Libertação nunca teve Marx como pai nem como padrinho. Ela bebeu primeiramente de sua própria fonte, que é a tradição judeu-cristã, que sempre deu centralidade aos pobres, ao tema da libertação do cativeiro egípcio e babilônico e à prática histórica de Jesus, que foi pobre e disse 'felizes de vocês pobres e ai de vós ricos'. E que não morreu tranquilamente na cama como um piedoso rabino cercado de discípulos, mas na cruz, fruto de um juízo político-religioso que o condenou com o castigo dado a revoltosos sociais."
-
"Mas ela encontrou em Marx as boas razões para entender por que o pobre não é pobre, e sim um explorado e injustiçado. Ele é um empobrecido, feito pobre por fatores de ordem econômica, social e cultural, que hoje ganham corpo especialmente no capitalismo."
-
Natureza e ambientalismo
"Precisamos de outro paradigma de civilização, que inaugure outro tipo de relação, não contra a natureza, mas em sinergia com ela."
-
RETOMAR O CONTATO VIVO COM AS BASES
"Os membros do PT encontrarão mil razões para viver, para continuar no PT, quando se ligarem à vida concreta do povo."
-
"A insensibilidade social dos estratos poderosos de nosso país é simplesmente criminosa."
-
A LUTA PELA SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES
"O que escandaliza no Brasil não é tanto a pobreza mas a desigualdade social, porque ela esconde uma grave distorção política e ética da sociedade. Politicamente, significa que a sociedade não foi pensada para todos, mas fundamentalmente para atender às demandas das elites e dos incluídos no sistema de acumulação. Eticamente, significa uma falta perversa de humanidade, de solidariedade social e de compaixão para com a desgraça dos demais concidadãos."
-
"Tudo o que se fizer para salvar vidas que estão sob risco não é assistencialismo nem paternalismo mas humanitarismo básico, em grau zero. Se falto a esse gesto me torno inumano e me faço inimigo de minha própria humanidade."
-
Fé-libertação
"O povo é pobre e religioso. Durante séculos vivia uma fé-resignação. A partir dos anos 1960 começou a viver uma fé-libertação."
-
DEMOCRACIA SEM FIM E ÉTICA
"Em ética não podemos ser ambíguos nem tergiversar. É de sua natureza a inteireza e a transparência."
-
"Neste ponto prefiro ser kantiano: 'Age de tal maneira que tua ação possa ser válida para todos'. Se o PT aceitar o jogo da ética dominante, utilitarista e a serviço de interesses não coletivos, ele jamais inaugurará uma ruptura ética na política e perpetuará a sociedade que queremos exatamente superar..."
-
CRISE ECOLÓGICA GLOBAL
"A grande maioria da humanidade não se conscientizou suficientemente da singularidade do momento histórico que estamos vivendo. Nunca uma civilização como a nossa se propôs como meta explorar a Terra e seus recursos de forma ilimitada como no capitalismo..."
---
COMENTÁRIO FINAL
Enfim, amig@s leitores, a resenha ficou grande, e deu trabalho fazê-la.
Como digo a vocês, leiam a entrevista inteira. Nem parece que foi feita há 20 anos, de tão atual.
Sigamos estudando e compartilhando conhecimento.
Podemos salvar a humanidade e o planeta através da educação, ciência e cultura.
William
Nenhum comentário:
Postar um comentário