Capítulo que contém a entrevista de 1994 com Dona Marisa. |
Refeição Cultural
Estamos no feriado de Carnaval do ano de 2017.
Estou numa sanha emergente de retomar leituras de livros inacabados. Comecei em 2011 a leitura do livro de Denise Paraná - Lula, o filho do Brasil -, lançado em 2002 (minha edição é de 2009). Já li e reli várias vezes alguns capítulos, porque além de um livro de história do nosso País, é um livro de formação política ao ler as entrevistas com Lula e seus familiares entre 1993 e 1994. Já li mais de trezentas páginas, mas ainda tenho umas duzentas pela frente.
O último capítulo que havia lido quando deixei de lado o livro foi justamente a entrevista com Dona Marisa Letícia, falecida neste mês de fevereiro, em decorrência de um AVC.
Estamos vivendo um novo momento histórico do Brasil. Eu escrevi muito a respeito do que vivemos em 2016, o ano do Golpe de Estado que tirou a Presidenta Dilma Rousseff do poder de forma ilegítima e colocou o País na mão de uma gangue de corruptos lesa-pátrias e que estão condenando o presente e o futuro deste gigante sul-americano e seus mais de duzentos milhões de habitantes.
Após reler o capítulo com a entrevista de Dona Marisa, vamos ver se vou até o fim da obra, que entra agora na fase de estudos sociológicos de Denise Paraná. Chama a atenção, na entrevista, o amor, tão em baixa no novo Brasil posterior ao Golpe. Agora, é o ódio que domina o temperamento do povo, um ódio plantado pelos organizadores do movimento golpista.
Abaixo, alguns instantes de Dona Marisa, lá em 1994.
PLANEJANDO E EDUCANDO
"No tempo que me sobra das Caravanas da Cidadania, das viagens que eu faço com o Lula, eu fico em casa mesmo. Não assumo nada, quero ficar perto dos meus filhos, conversar um pouco, orientar os meninos. Para no dia de amanhã eles não serem desorientados, uns meninos contra a luta do pai. Ou achar que nós os abandonamos e gostamos mais de estar na rua do que estar junto com eles. Eu quero que eles entendam, para não dar problema mais tarde..."
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
"Ele tinha que usar a nossa casa para contatos, para reuniões. Ele começou a usar a nossa casa como escritório. Era tudo concentrado na nossa casa. E eu deixava, não achava ruim. Ele estava ali, estava fazendo o que precisava fazer...
(comentário: esse é um de meus lemas na atual circunstância de minha vida política, na área em que atuo)
"Mas eu comecei a me integrar muito mais ainda quando as reuniões eram aqui dentro da minha casa. Em algumas reuniões e eu participava, sabia o que estava acontecendo. Eu comecei a entender um pouco melhor as coisas...."
PAI BANDIDO?
"O Marcos chorava para ir para a escola e eu insistia para ele ir. Falava que tinha que ir e não podia faltar. Aquela coisa de mãe. Mas ele não me contava nada, porque já via o meu sofrimento, acho. E ele ia para a escola porque a mãe queria e chegava lá era uma tortura! Criança jogava aviãozinho nele e a professora colocava o Marcos de castigo. Caía tudo em cima dele. Ele foi muito torturado naquele ano. Quando eu descobri, tirei o Marcos da escola. A terceira série ele acabou não fazendo.
Quando foi no outro ano eu fui na escola, que era vizinha da minha casa. Eu fui lá e conversei com a diretoria e conversei com quem seria a nova professora dele. E essa professora se tornou muito minha amiga. Eu falei pra ela, falei pra diretoria: 'Eu não quero que meu filho caia na classe de tal fulana, porque ele sofreu muito no ano passado com ela. Meu marido não é um marginal e está lutando pelos direitos dos trabalhadores'. Contei toda a história que tinha se passado..."
PASSEATA DAS MULHERES
"Eu tinha medo do Lula não sair da prisão, de acontecer algo pior com ele. Eu vivia apavorada. Eu não conhecia lei nenhuma. Nós mulheres resolvemos fazer uma grande passeata aqui em São Bernardo. Eu peguei a frente desse movimento pelos maridos presos. Fizemos. Passeata sai, não sai, briga para sair, tem polícia para todo lado, aquela coisa toda. Nós estávamos dentro da igreja matriz de São Bernardo. Foi em 1980. Tínhamos resolvido comprar rosas, para sair em passeata com as rosas e as crianças. Eu estava toda emocionada, tinha muita gente. Nunca pensei que ia tanta mulher no movimento..."
VIVER A VIDA
"Quando o Lula saiu da prisão, eu pensei: 'Agora acabou. Tomaram o sindicato dele. Não tem mais retorno'. Pensei: 'Agora ele faz um acordo com a fábrica em que ele trabalha, arruma um outro emprego'. Queria que arrumasse um outro emprego, montasse qualquer coisa. Eu só não queria que ele voltasse para as atividades sindicais. Pensava que graças a Deus ia ficar em paz, viver a vida mesmo. De repente, o Lula cisma de formar o partido. O pior é que eu também, muito eficiente, digo: 'Sim! Vamos montar esse partido!'. Mas jamais imaginava que ia tomar todo o tempo dele..."
(...)
"Mas nunca pedi para o Lula parar, nunca. Eu sempre dou incentivo. Acho que o Lula se sente seguro comigo, muita gente já me falou isso. O Ricardo Kotscho, que convive muito com a gente, sempre fala: 'Marisa, você dá segurança para o Lula'. Porque eu nunca falo não. Quando eu falo não a coisa não dá certo. Geralmente quando eu falo não conta comigo, não vou, sou contra, não dá certo. Então, eu não tenho a visão de marido e mulher nesse caso. Tenho uma visão de militância. Não é a visão de querer agradar o Lula, mas sim do que é bom para ele. Eu acho que essa minha postura dá certo..."
SEM DESLUMBRAMENTO
"Eu não tenho desejo de poder. Acho que minha cabeça não vai mudar muito, não, se o Lula for presidente... Ele já foi presidente do sindicato, um dos maiores do país. Eu era tratada como primeira-dama do sindicato. Mas eu só queria ficar junto, conversar nas rodinhas, conviver com o pessoal. Eu nunca quis ser algo diferente das outras pessoas. Para a minha cabeça, ser mulher do presidente da República não vai me fazer mudar..."
Comentário final
Pois é, leitores amig@s, eu havia lido este capítulo em março de 2016, já no auge dos ataques orquestrados pelos golpistas contra o governo Dilma e contra a família de Lula, principalmente pela Lava Jato/PIG, e fui reler agora, após o falecimento de Dona Marisa.
Sinto uma tristeza tão grande em meu coração por tudo que está acontecendo com o nosso País, com a nossa classe trabalhadora, com lideranças que deram a vida em defesa do povo e da soberania nacional, como Lula e sua grande companheira Marisa.
Por outro lado, por duas vezes neste capítulo, fica uma lição que eu carrego comigo na minha militância e nos mandatos em nome de trabalhadores: a gente faz o que tem que ser feito.
Abraços,
William
Bibliografia:
PARANÁ, Denise. Lula, o filho do Brasil. Apresentação de Antonio Candido. Editora Fundação Perseu Abramo. 1ª edição: dezembro de 2002. 3ª edição, 3ª reimpressão: julho de 2009.
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