quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020
Fim da esquerda? Fim da história pra nós? Não!
OPINIÃO
O artigo "Como a esquerda brasileira morreu" do filósofo e professor Vladimir Safatle causou nesta semana algum tipo de incômodo nas cabeças pensantes, por concordarem ou por discordarem dele.
Em seguida, o cartunista e professor Gilberto Maringoni fez um artigo em resposta à reflexão de Safatle, ou motivado pelos apontamentos do filósofo. Maringoni disse que "Sem querer, Safatle converge para o caminho de Lula".
Os dois artigos me incomodaram também. Acredito que as reflexões e provocações de Safatle e Maringoni tenham mexido com os brios de algumas lideranças da esquerda brasileira. Enquanto atuava no movimento sindical como dirigente, eu me atrevia a escrever e pautar no seio da categoria à qual pertencia debates como esse apresentado pelos articulistas, de uma suposta morte ou não da esquerda.
No momento, não tenho competência para fazer um bom debate com os articulistas e com as lideranças da esquerda brasileira porque estou afastado do dia a dia do movimento organizado (ou que deveria ser organizado) e porque não estou em contato com a base dos trabalhadores, como fiz por 16 anos.
O que posso dizer então, já que estou incomodado com as provocações dos articulistas e também com a pouca resistência que a esquerda tem apresentado à destruição total dos direitos dos povos e do país que amamos? Talvez eu possa compartilhar experiências que vivi e inferências sobre o atual cenário, que vejo de forma atomizada no sofrido recolhimento em que me encontro.
O QUE APRENDI FAZENDO QUANDO ME PEGUEI REPRESENTANTE ELEITO PELOS TRABALHADORES?
A primeira coisa que me incomodou no artigo do Safatle foi sentir uma espécie de conformismo no diagnóstico que ele faz. Então não teria mais jeito de mudar as coisas. O Maringoni critica essa espécie de conformismo do Safatle, aproveitando para cutucar o petismo e o lulismo, coisa básica para ele.
No entanto, ao ler o Maringoni achei que ele iria apontar alguma coisa a se tentar. Não, ele só faz o diagnóstico também. Isso é clássico no nosso espaço da esquerda. Todo mundo é ótimo em diagnósticos, em tese, e pouco eficaz nas proposições para mudar os cenários diagnosticados. Os intelectuais de esquerda são assim e as oposições internas no movimento sindical, estudantil e partidário são assim também (via de regra, é claro! Sempre há exceções).
Aos intelectuais da esquerda ou do campo progressista fica o papel de apontar saídas teóricas muito interessantes, construídas a partir de estudos profundos e seculares. As utopias nos inspiram muito para seguir caminhando, mesmo quando não há caminhos. Apontam a direção e saímos caminhando.
As forças políticas atuantes nos movimentos sociais organizados se dividem basicamente em dois grupos, os que estão nas estruturas do movimento e os que querem entrar nas estruturas do movimento, se colocando como oposições às situações. Apesar de essa condição de disputa de ideias ser revigorante para o próprio campo democrático, em geral o foco fica nessa disputa interna do movimento e os patrões se dão bem com isso. Esse fato é clássico e histórico. A eleição da Cassi em 2018 é um exemplo claro disso. As esquerdas se dividiram em 3 chapas com propostas semelhantes e dizem que a direita ganhou a eleição com apoio do patrão.
Vejam só, o que fiz até aqui foi o mesmo que o Safatle e o Maringoni, sem a competência teórica deles e sem me alongar no conteúdo do artigo, mas só fiz diagnóstico até aqui. É a lógica do ditado popular que diz que o uso do cachimbo faz a boca torta... afinal, foram 16 anos no movimento exercitando o bom debate de ideias, fazendo diagnósticos e... que mais? Foram 16 anos fazendo propostas e tentando fazer da prática o critério da verdade, tendo como base os princípios da esquerda.
A ESQUERDA NÃO MORREU PORQUE A EXPLORAÇÃO HUMANA NÃO ACABOU E AS INJUSTIÇAS ESTÃO AÍ PARA NOS REVOLTAR E NOS INSTIGAR A FAZER ALGO A RESPEITO
Como disse acima, não me encontro em condições de fazer proposições ou mesmo diagnósticos das condições reais das bases sociais da classe trabalhadora porque não estou percorrendo a base e não estou conversando com as categorias e suas representações.
Afirmo pela experiência que acumulei nas diversas funções que exerci enquanto representante da classe trabalhadora que nada é impossível para o ser humano. Com firmeza nos propósitos e flexibilidade nas táticas se vai longe! Se constrói inclusive unidade de classe.
Nada é impossível! Por isso que os sonhos são válidos, as utopias são necessárias, as nossas crenças em um mundo melhor, nossos desejos por mais direitos para a classe trabalhadora, mais amor, igualdade, mais solidariedade... vale até o desejo de fim da exploração humana pelo modo de produção capitalista.
Quando cheguei à diretoria do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região, eleito em 2002, companheiros e companheiras compartilharam conosco suas experiências e ensinamentos. As estratégias e táticas para organizar a categoria, as concepções e práticas sindicais, as utopias e as dificuldades para alcançá-las.
Fazer o trabalho de base como premissa para ser um bom representante foi uma das lições que mais valeram em minha vida. Estudar e formular políticas e escrever foi outra lição que levei adiante. Por fim, acreditar na luta, nas mudanças e não desistir fácil por encontrar barreiras burocráticas ou "desmotivantes" foi outro ensinamento que carreguei comigo até o último dia de representação em 31 de maio de 2018, quando terminei o mandato na Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil.
O "IMPOSSÍVEL" NÃO EXISTE
Se eu fosse escrever sobre tudo que me disseram que era impossível, que não teria trânsito nas negociações coletivas, que não daria para mudar nos espaços em que estive atuando, daria para fazer uma lista enorme de coisas. Juro pra vocês!
- Aumentar em 70% a bolsa dos estagiários do BB (aumentamos nas negociações de 2013 e beneficiamos mais de 10 mil jovens estudantes);
- Estabelecer uma nova tabela de Plano de Cargos e Salários (Tabela de Mérito em 2010) quando o banco já havia destruído a anterior de 12% e 16% de interstício em 1996 (PCS). Hoje, todos têm claro a importância da somatória das duas tabelas - PCS e Mérito - para garantir salários fixos quando se perde a comissão;
- Aplicar reajuste sobre os VR (Valor de Referência) das funções comissionadas que passou anos sem reajustes no BB até unificarmos as campanhas salariais com os bancos privados (VR agora atacado pelo novo regime de Bolsonaro e Guedes);
- O BB e o governo aceitar (por greve gigante em 2003) estabelecer novos limites de gastos de distribuição de PLR, dobrar o valor que antes era de no máximo 6,25% e chegou a 11% ou 12% e com regras da categoria sem excluir milhares de bancários (ACT BB/Contraf-CUT);
- O patrocinador BB colocar bilhões de reais no Plano de Saúde dos funcionários (Cassi) quando a direção sempre afirmava que não colocaria um centavo a mais desde o início dos anos dois mil (o grau de conquista financeira e perdas ou não de direitos varia de acordo com a mobilização da base, a conjuntura política e a unidade das forças do movimento);
- Voltar a contratar trabalhadores por concurso, mais de 50 mil com direitos trabalhistas + Cassi + Previ, quando o BB já estava sucateado com apenas 70 mil (entre 1995-98) e sendo preparado para a privatização nos governos tucanos dos anos noventa;
Eu poderia citar dezenas de lutas que pareciam impossíveis e que os bancários do BB fizeram e obtiveram conquistas coletivas.
Safatle e Maringoni abordam em seus artigos, cada um a sua maneira, que é muito ruim a esquerda chegar ou estar no poder e simplesmente não propor nada diferente do que a direita e os neoliberais propõem. Pelo contrário, fazerem exatamente a mesma coisa, seguir a cartilha neoliberal, fazer as reformas contra a classe trabalhadora e contra o povo.
Eles estão certos na crítica!
ESQUERDA NÃO PODE FAZER O MESMO QUE A DIREITA
Quando cheguei como diretor de saúde à Cassi, havia um conjunto de questões dadas como inexoráveis, "verdades" absolutas e que eram daquele jeito porque eram daquele jeito. E ainda diziam que eram coisas "técnicas". Como eu era negociador nacional, cansei de ouvir da direção do Banco que eles não colocariam um centavo a mais na Cassi, isso antes de 2014. Avaliamos com respeito essas "posições patronais", mas com desconfiança.
Com firmeza nos propósitos e flexibilidade nas táticas começamos a atuar de forma diferente, mais condizente com as premissas que sempre defendemos enquanto representantes de classe.
E não atuamos sozinhos, procuramos o movimento sindical já em 2014 e demais entidades associativas para organizar calendário e luta nacional em defesa da Cassi e da saúde dos trabalhadores da ativa e aposentados do BB.
CASSI (2014-2017)
Diziam que o modelo assistencial era bonitinho na teoria, mas não funcionava na prática. A Atenção Primária (APS) e a Estratégia Saúde da Família (ESF) eram desacreditadas até por parte da direção do BB, da Cassi e de lideranças do movimento. Que o modelo de custeio solidário era inviável. Que as unidades de atendimento CliniCassi, base do modelo APS/ESF, eram caras, ineficientes e não serviam pra nada. Que os programas de saúde, base de nosso modelo assistencial, eram desnecessários, caros e privilégios.
Diziam que a nossa Cassi era "inchada" e ineficiente e gastava demais com sua estrutura. Parte da burocracia não gostava nem um pouco de precisar se reportar à base social como, por exemplo, os conselhos de usuários e as entidades sindicais e associativas (considerados quase como "estorvos" e inimigos que só "enchiam o saco"). A Cassi era uma desconhecida de seus usuários, de seus gestores e do conjunto dos envolvidos no sistema.
O que fizemos? Um planejamento estratégico com os diagnósticos, cenários possíveis, pontos fortes e pontos frágeis e definimos estratégias para os 4 anos de gestão. E cumprimos as linhas gerais.
- Construímos unidade entre as representações e dizer não à quebra da solidariedade foi consenso e outras formas de entradas de recursos foram definidas para aquele período (o Memorando de Entendimentos trouxe mais de 1,5 bilhão sem afetar direitos sociais);
- Ampliamos a participação social mesmo sem recursos disponíveis. Nosso mandato na diretoria de saúde foi praticamente exercido sem orçamento administrativo. Nos viramos para fazer o que tinha que ser feito, inclusive pedindo apoio financeiro e material de entidades e com recursos próprios;
- Ampliamos a cobertura do modelo APS/ESF em mais de 20 mil vidas e a Cassi passou a ser referência para a ANS e o setor de saúde em relação ao modelo assistencial (mesmo tendo problemas econômico-financeiros motivados por subfinanciamento e pela inflação do setor);
- Explicamos o quanto a Cassi tem estrutura de saúde e administrativa eficiente comparada a todas as demais empresas no setor de saúde - as CliniCassi, as Unidades e as Centrais são de baixo custo administrativo e geram economia na despesa assistencial. A Cassi chega a ter 3 pontos a menos de despesa adm. comparada com demais operadoras do setor: autogestões, medicinas de grupo e cooperativas médicas. Setor 9,5% e Cassi 6,4% (Visão Cassi, índice de eficiência operacional 3T/19);
- Comprovamos a eficiência do modelo assistencial através de estudos nunca feitos na Cassi e que mostram que pessoas cuidadas e vinculadas ao modelo assistencial APS/ESF têm despesas assistenciais menores em até 40% conforme o segmento estudado, mesmo o dos idosos e mais agravados, em relação às pessoas não vinculadas ao modelo;
- Realizamos mais de 50 conferências de saúde e fizemos 170 agendas presenciais para prestar contas (entre 5/6/14 a 16/5/18, agendas públicas), para explicar o que é a Cassi e envolver os associados nas lutas pela saúde.
Enfim, como disse a vocês, neste momento de crises na esquerda e nos movimentos sociais, eu só posso contribuir falando de experiências reais que tivemos, e reafirmo que quando se acredita nos propósitos, tudo é possível!
PETROLEIROS, BANCOS PÚBLICOS E SETORES MAIS ORGANIZADOS SE MOVIMENTAM, AS ESPERANÇAS DE LUTA SE RENOVAM
Como dissemos no início dessas reflexões, a esquerda não morreu porque os princípios e motivos que movem as lutas das esquerdas estão todos aí, escancarados e machucando cada um de nós.
A afronta aos princípios da esquerda estão aí. A exploração insuportável da classe trabalhadora, a destruição massiva de todos os nossos direitos básicos, a forma descarada com que os golpistas capitalistas nos humilham todos os dias - não preciso enumerar o que o novo regime pensa de nós: somos parasitas, somos um ônus insuportável para os patrões no Brasil, e absurdos do gênero.
Os petroleiros estão realizando uma greve nacional histórica, lutando pela dignidade, pelos seus direitos e por nosso patrimônio público. Os bancários dos bancos públicos federais vêm realizando dias de mobilização e luta devido à privatização em andamento.
Não existe o impossível! As lideranças de esquerda precisam ampliar o chamamento para a luta, precisam se unir e construir as plataformas unitárias. Insistir com os trabalhadores e colocar o povo na rua.
Trabalhadores, rebelem-se! Digam basta à injustiça! Façam algo diferente da direita manipuladora e egoísta! Solidariedade de classe é preciso!
Aposentad@s do BB, das demais empresas públicas e estatais, aposentad@s da previdência, não há saídas a não ser nos juntarmos às lutas gerais da classe trabalhadora!
Tod@s vamos perder o que temos, o que conquistamos ao longo de uma vida de trabalho e lutas se não nos unirmos e lutarmos juntos!
William Mendes
Cidadão da comunidade BB
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