sábado, 30 de abril de 2022

Mais um outono



Refeição Cultural

Osasco, 30 de abril de 2022. Fim de noite de sábado.


Abril se foi. Mês no qual completei mais um outono. Já são 53 outonos. Ao refletir sobre a existência que tive, só poderia concluir que tive muita sorte. Pensando nas desgraças e misérias do povo do lugar que vivo, sinto até um peso incômodo pela bem-aventurança que me coube neste país desafortunado pelos donos do poder que temos aqui desde que o continente foi invadido pelos povos europeus há cinco séculos. Tenho sentido sentimentos que me deixam amuado, arredio, nervoso, envergonhado. Ser brasileiro e ver os brasileiros ao meu redor me dá um grande desacorçoo de ser um ser humano. Até uma década atrás seria impensável imaginar um sentimento desses em relação ao povo ao qual pertenço.

Imaginem que sobrevivi aos dois anos de pandemia de Covid no Brasil. Meus familiares mais próximos, do núcleo familiar, sobreviveram a essa pandemia desgraçada ampliada e exponenciada pelo genocida no poder deste país em estado de exceção desde 2016. Tomamos vacina muito depois do que poderíamos ter tomado por causa da corrupção do regime no poder, e também por causa do negacionismo por parte dessa gente criminosa e psicopata que colocaram no poder após o golpe. Atrasaram as vacinas no Brasil por causa de propinas, foi o que apontou a CPI feita sobre o tema no Congresso Nacional (CPI que não deu em nada, como os crimes diários dos milicianos no poder). Vi morrer dezenas de pessoas conhecidas e amigos do convívio com o movimento sindical. Mais da metade dos quase 700 mil mortos poderia estar entre nós e com suas famílias. Eu e os meus poderíamos estar entre as estatísticas dos mortos pela pandemia de mortes do bolsonarismo. Sou um cara de sorte.

Para os padrões do século no qual estamos, posso ser considerado jovem. Para meus padrões de sentimento, posso me considerar velho. Outono. Me sinto no outono. É como se estivesse num eterno outono desde ao menos o golpe de Estado no Brasil em 2016. A sensação é de viver num constante outono inverno outono inverno outono e assim sucessivamente. As folhas amarelecem, o tempo fica um pouco mais seco, as folhas caem, as árvores na vegetação ficam mais esgalhadas e menos verdes. A estiagem aumenta. Tempo mais seco. Vento. Outono. Outono no coração da gente. Sinto mais as dezenas de outonos que as primaveras. E mesmo assim, tenho sorte pacas! Muita sorte!

Outono. É impressionante as diferenças que senti na árvore de minha existência nesse período do outono permanente no nosso país. E a sorte que tenho dá aquele sentimento constrangedor de saber que do lugar de onde vim as pessoas estão passando um perrengue danado pra sobreviver. Tenho acesso a assistência médica. Não fuço nos problemas de saúde que estou sentindo porque não quero ou porque procrastino. Talvez receio de descobrir que algo ruim está me comendo a raiz. Não seria bom deixar na mão pessoas que dependem de mim. Tenho renda mensal certa, coisa que a imensa maioria do povo de meu país não tem. Casa pra morar. Conforto e acesso aos fetiches e exageros do consumismo capitalista. Quando olho para trás, minha infância, adolescência, vida adulta... quanto ódio, quanta raiva, quanta necessidade justa e também desnecessária... quanta dor... e cá estou até hoje. Sorte da porra!

Estou me sentindo meio natureza no outono de meu mundo. Amarelecido. Folha ao vento. Tronco de árvore recolhido e ressequido. No entanto, até a porra da sorte que tive me colocou num caminho em certo momento da vida que me trouxe um aprendizado que fortaleceu a seiva que corria em mim. Me fez chegar até aqui.

William

(Post Scriptum à 1h08 da madrugada de domingo: as coincidências da existência... após uma hora escrevendo e ouvindo as músicas de minha época, as de sempre, na forma aleatória, fui terminar o momento ouvindo a derradeira música que tocou... "Lucky Man", do The Verve. Do caralho essas coisas! Durante a escrita, já havia ouvindo "Sujeito de sorte", de Belchior, interpretada por Silvero Teixeira no "Altas horas". Silvero é o Lunga de Bacurau)


quinta-feira, 28 de abril de 2022

Me senti meio Montag



Refeição Cultural

Ontem, enquanto rasgava papéis para jogar fora, me senti um pouco como o Montag, personagem do clássico romance distópico de Ray Bradbury, Fahrenheit 451. Eu não estava queimando papéis e livros, mas é quase como se estivesse. 

Estava me desfazendo de volumes e mais volumes de papéis e revistas e apostilas e encadernações de encontros, congressos, cursos de formação, anotações sobre organização dos trabalhadores etc. Rasgando história... Mesmo não queimando os papéis à temperatura de 451 graus fahrenheit, estava apagando a história.

A questão de picotar um pouco os papéis antes de jogar fora é um hábito ou cuidado que acabei adquirindo por causa da história das lutas de classes. Quando cheguei ao movimento sindical no início dos anos dois mil, passei a aprender sobre a nossa história. E nossa história de lutas contra os donos do poder não é moleza não, ela é feita de sangue, suor e lágrimas. Não há bondade nem solidariedade por parte de capitalistas e da casa-grande brasileira e o aparato estatal de forças repressivas contra o povo.

Nossos inimigos, os donos do poder, sempre tiveram todos os meios e com isso também têm as forças de repressão contra a organização dos trabalhadores. Aprendi que os dirigentes sindicais eram monitorados pelos agentes da ditadura instalada nos anos sessenta. Também são monitorados sempre pela burguesia, ontem, hoje e sempre. Na ditadura, tinha até infiltrado em reuniões com poucas pessoas dentro do sindicato. Não se podia deixar um papel ou anotação em cima de uma mesa.

Assim aprendi quando convivi com os militantes mais velhos. Isso não é paranoia ou teoria da conspiração. Os agentes e sistemas dos donos do capital usam dessas coisas para controlar e eliminar seus inimigos, nós que nos opomos ao capitalismo e aos desgraçados do 1%.

Enfim, hoje nada disso tem mais a relevância que tinha antes. Por que nossos inimigos teriam interesse em papéis velhos do movimento de luta dos trabalhadores se eles têm todas as nossas informações dadas por nós ou roubadas por hackers? Sem contar que não se precisa de documento algum que possa expor as estratégias e táticas do nosso lado da classe porque o mundo é o da pós-verdade, o das mentiras (fake news) que se impõem por aqueles que detêm as melhores ferramentas de divulgação e por quem tem recursos para tal (os donos do poder, porque eles têm os recursos financeiros).

Por fim, acabei revendo ontem à noite o filme de François Truffaut, de 1966, baseado na obra de Ray Bradbury. Aliás, vi o filme porque outra pilha gigante que tenho é de filmes e documentários antigos, em DVD, VHS etc. Todas essas mídias são daquelas que tenho que ver o que fazer com tudo isso porque não tem sentido guardar zilhões de mídias assim. Esse filme eu não jogaria fora porque é algo que evidentemente se pode procurar pra ver a qualquer momento. Eu já pago duas empresas de streaming e nunca se tem o que se procura nelas. O livro de Bradbury li em 2011, depois dos 40 anos de idade.

Ah, William, por que você não doa suas pilhas de papéis, revistas, apostilas, cadernos, etc, etc? Porque algumas pessoas que consultei têm a opinião que hoje não se tem mais interesse por materiais físicos. Alguns dizem que tem tudo na internet, outros dizem pra digitalizar e assim fui ouvindo algumas pessoas e decidi que antes que eu morra e alguém tenha que jogar tudo fora pra desocupar espaço, eu mesmo que mexa nessa tralha toda e separe alguma coisa pra guardar pra jogarem fora depois e jogo fora a maior parte eu mesmo.

William


quarta-feira, 27 de abril de 2022

Pra que tanta coisa?

É verdade que estou no tempo de olhar para trás e fazer balanços de vida. Durante meu tempo de engajamento político e vida profissional o foco era o presente e a construção de um futuro possível, pessoal e coletivo, público e privado. Agora, caí num vazio perigoso. Descrença no futuro. Descrença nos seres humanos.

Para meu próprio bem (e daqueles que ainda dependem de mim), preciso definir alguma coisa relativa ao futuro. Na verdade só existe o presente. Estou somente olhando para trás. Os contextos político, econômico, social, cultural e familiar fazem com que a gente "viva" de passado. 

Saudosismo exagerado, coisa de gente aculturada nessa mítica do eterno retorno a um passado bom inventado. Isso de mito no eterno retorno é coisa de povos e culturas que negam a história nua e crua (como ensina Mircea Eliade). Materialismo histórico é difícil de engolir. Ilusão é muito mais fácil.

Cada vez que vejo o consumismo, a aquisição de coisas, coisas, mais coisas, necessidades inventadas, coisas, excessos de coisas, mais gostaria de me desfazer de tudo que tenho, de todas as coisas. Inclusive porque elas não servem pra mais nada. 

Coisas do passado, coisas da história dos bancários, coisas do movimento sindical, coisas do movimento e da história das lutas do BB e da Cassi e da Previ, coisas, coisas. Coisas. Coisas de zilhões de matérias feitas na faculdade de Letras. Coisas que trazemos de lembranças de lugares visitados. Nossa vida é uma coisa porque somos coisas nesse mundo coisificado pelo capitalismo.

Se fosse pelo desejo do momento, gostaria de ter coragem de me desfazer de tudo que é desnecessário, ficar com duas ou três mudas de roupas, a gente nunca usa mais que isso. Se refletirmos, a maior parte das coisas é supérflua para a nossa existência diária. (é lógico que é fácil falar do meu lugar de alguém que tem tudo. Só quem não tem nada sabe a falta que faz as coisas básicas do cotidiano da vida) 

Ontem, separei mais um pouco de papéis pra jogar fora. Coisas. Minha história com essas coisas é nada hoje. Já foi. Foi coisa do momento. No instante do olhar para trás, tenho que ter a firmeza do desapego ao passado pra jogar tudo fora. Aquele caderno de formação, aquele caderno de teses, aquela história de uma conquista no BB... os adeptos do novo sistema dizem que tem tudo na internet... tem porra nenhuma! A internet não tem nada! Mas e daí? Quem se interessa pela nossa história?

Procurem um dos milhares de textos formativos do site Carta Maior nos quais estudamos e aprendemos ao longo de duas décadas de existência do portal da esquerda brasileira... já era! Não existe mais! (tem tudo na internet, William, blá blá blá...)

No olhar para frente, pouca coisa imaginei até aqui. Decidi fazer a caminhada de 80 Km em agosto, a romaria que não faço há três anos. Hoje, pela primeira vez na vida, não conseguiria fazer. Minha condição física, minha saúde, minha estrutura de caminhante foram pro saco. Tenho pouco menos de 4 meses para me preparar e descobrir se acho que ainda consigo andar 80 Km de uma só vez. Meu quadril está destruído por dentro. Já estou caminhando de uma a duas horas por dia... É algo pra se fazer nos próximos meses...

William

segunda-feira, 25 de abril de 2022

250422 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 25 de abril de 2022. Noite de segunda-feira.


O sujeito dono da maior fortuna do capitalismo comprou a rede social Twitter, pagou 44 bilhões de dinheiros norte-americanos (papel que não tem lastro, o governo daquele império armamentista imprime o quanto quer daquele papel e ninguém liga pra isso). As poucas redes sociais que existem no mundo de 7,5 bilhões de humanos não deveriam ser privadas, de um ou alguns humanos, deveriam ser públicas e regradas para uso coletivo da humanidade. É sabido que a tecnologia da informação baseada no uso dos algoritmos para manusear os bancos de dados com as informações de milhões de seres humanos pode alterar o comportamento humano em escala global, pode interferir na forma como pensam e agem os seres humanos no planeta Terra. Mesmo assim, nada acontece. Alguns humanos estão no controle de ferramentas que lhes dão o poder de dominar o mundo, de fazer guerras, de destruir países, de fazer humanos ficarem loucos, de odiarem familiares e vizinhos, de apertarem botões atômicos. E nada acontece para interromper essa loucura. Pior: talvez uns noventa e tantos por cento dos seres humanos nem liguem para isso que afirmei acima. Não têm a menor consciência do que isso signifique ou cause na vida deles. Caralho, isso é de doer!

No Brasil do golpe com o Supremo com tudo o stf trucou o miliciano colocado no poder executivo e tomou um seis na testa, tudo indica que a partida caminha para o fim com a vitória do genocida e de suas milícias raivosas e armadas até os dentes. Dias atrás, o troglodita eleito deputado pelo Rio de Janeiro havia sido condenado a quase nove anos de prisão e algumas horas depois o mesmo foi perdoado pelo sujeito colocado no poder pelos golpistas de 2016. Durante algumas horas, muito se escreveu e se analisou a respeito do stf dar o troco ou tudo estaria perdido para a parcela do povo no país contrária ao regime do mal. Nada aconteceu. O homem da casa de vidro disse que o criminoso está perdoado e o stf colheu aquilo que plantou desde o golpe de 2016. Ao rasgarem a constituição cidadã de 1988, rasgaram nosso presente, nosso futuro e nossa perspectiva de ser um país de todos os que aqui viviam. Na minha opinião, estamos todos fodidos porque não vejo correlação de forças na sociedade para interromper o autoritarismo que vem por aí - todos os setores de força e de influência estão comprados pelo homem do mal. Como refletiu Mandela anos depois dos fatos, quando os brancos do regime do Apartheid arregaçaram com tudo, com a força do Estado pra cima da maioria de negros sul-africanos e o regime de força durou décadas, quem define as armas é o inimigo e ninguém no Brasil tem condições neste momento da história de organizar um enfrentamento no mesmo nível da violência potencial do regime fascista no poder... que foda!

William


domingo, 24 de abril de 2022

Diários com Machado de Assis (XIII)



Refeição Cultural

Osasco, 24 de abril de 2022. Noite de domingo.


Apesar de ter decidido neste ano não ler mais com periodicidade de leitor até que dê fim a questões domésticas proteladas por anos, de vez em quando sento-me alguns minutos e leio algumas páginas de livros iniciados. Foi assim o caso com o livro excelente de Hélio de Seixas Guimarães - O romance machadiano e o público de literatura no século 19 (2004). Terminei na manhã de sábado o Capítulo 2, que está na Primeira Parte "Sobre as condições de circulação e recepção da produção literária no Brasil oitocentista".

Em 1876 foi realizado um recenseamento no Brasil que surpreendeu a todos, principalmente ao mundo da literatura e das letras, surpreendeu pelo fato de demonstrar que o povo brasileiro era analfabeto (84%) e se considerarmos a pequena parcela dos alfabetizados em condições de ler e entender textos literários teríamos alguns milhares de pessoas, e só!

Uma frase de Machado de Assis me chamou a atenção porque a ideia central me trouxe à realidade dos dias de hoje. Hélio observa na citação de Machado, que vou reproduzir um trecho abaixo, que o escritor cita 70% de analfabetos, mas o censo diz que eram 84% os analfabetos.

Machado imagina um diálogo com o algarismo, os números do censo, ao dizer que os números falam por si, sem metáforas sem nada. A parte que sublinho é demais! É o Brasil de hoje. É o Brasil das eleições de 2018, que elegeu esse bando de monstros e canalhas e imbecis como se eleição fosse um divertimento qualquer.

Machado diz:

"(...)

A isto responderá o algarismo com a maior simplicidade:

- A nação não sabe ler. Há só 30% dos indivíduos residentes neste país que podem ler, desses uns 9% não leem letra de mão. 70% jazem em profunda ignorância. Não saber ler é ignorar o Sr. Meireles Queles, é não saber o que ele vale, o que ele pensa, o que ele quer, nem se realmente pode querer ou pensar. 70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê. Votam como vão à festa da Penha, - por divertimento. A constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de Estado." (p. 102 do livro de Hélio de Seixas Guimarães)

Demais essa comparação machadiana: votam do mesmo jeito que respiram, sem saber o que nem por que... porra, é isso que vivemos desde sempre nesta terra miserável!

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VERGONHA

Mudando de assunto, mas ficando no assunto de certo modo, ontem pela manhã, parei a leitura sobre Machado de Assis para ouvir uma live do grupo Prerrogativas, sobre os áudios do Superior Tribunal Militar (STM) do período da ditadura dos anos 1964-85. 

O programa contou com a participação de Fernando Fernandes, o pesquisador que está trabalhando com o material, com seus professores e orientadores, Gizlene Neder e Gisálio Cerqueira, o professor e jurista Lenio Streck e o apresentador Gustavo Conde. O programa foi espetacular e me emocionei muito, muito. A live foi no site do Brasil247, no dia 23/4/22, com o título "Voz humana, por dentro dos áudios da ditadura".

Num certo momento, a professora Gizlene Neder lembrou a questão da "Vergonha" citando o escritor Primo Levi e foi um instante muito forte para mim. Gizlene relembrou a questão do encontro entre o exército vermelho, vitorioso e o primeiro a chegar aos campos de concentração, e as vítimas do nazismo. O choque do encontro... os russos chocados com aquilo que viram, os presos envergonhados por terem sofrido aquilo... eu desmoronei...

E pensar que 30% dos brasileiros apoiam e estão firmes com tudo o que significa esses monstros desumanos que ocuparam o poder no Brasil após o golpe de Estado... Eu não estou conseguindo lidar com isso faz tempo, tenho vergonha, tenho nojo, tenho raiva dessa gente bolsonarista, e essa gente está no prédio que moro, na comunidade familiar onde nasci e me criei, no mundo do trabalho onde passei minha vida adulta... é tudo muito difícil. Vergonha...

Mas sei que não posso desistir de viver, de seguir, até de lutar contra tudo isso, todo esse mal, da forma que ainda me for possível.

Chega. Pra ser sincero, perdi a vontade de escrever como escrevia antes. Tento de vez em quando registrar alguma coisa que sinto ou penso, mas acho que perdeu o sentido escrever como escrevia.

William


GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Edusp, 2004.


quarta-feira, 20 de abril de 2022

Artigo de jan/2020: Extremismo de Bolsonaro possibilita manifestações nazistas, diz Pedro Serrano

Apresentação do blog: 

No início de 2020, li um artigo do professor Pedro Serrano, publicado na Rede Brasil Atual, que abordava conceitos muito importantes a respeito de manifestações nazistas no governo Bolsonaro (o caso em questão à época era o do secretário da cultura Alvim e a encenação ridícula no estilo Goebbels).

Pedro Serrano explica também as diferenças entre pessoas ou regimes conservadores ou reacionários, e explica que Bolsonaro é reacionário; fala também que não há que se comparar nazismo/fascismo e comunismo. 

É muito bom vermos lá atrás, dois anos antes, uma pessoa com tanto saber notório apontar o quanto a imprensa brasileira passa pano para Bolsonaro desde sempre, como denuncia Serrano. Isso não mudou nada neste ano eleitoral de 2022: se em 2018 era "uma escolha difícil" entre um professor da USP e um miliciano corrupto, os grandes veículos de comunicação seguem normalizando o regime Bolsonaro. Isso é notório para qualquer pessoa que entenda minimamente de jornalismo e comunicação.

Se nos atentarmos aos ensinamentos de Serrano, veremos que se houvessem instituições funcionando de verdade no país após o golpe de Estado em 2016, casos como o do youtuber Monark e do deputado entrevistado por ele em fev/2022, quando eles defenderam o nazismo e a possibilidade de haver um partido nazista no Brasil não ficariam impunes. O youtuber já está de volta em outro canal e a vida segue normalmente para ele... O vereador carioca Gabriel Monteiro, suspeito de crimes como estupro nunca é citado como sendo uma pessoa próxima ao clã miliciano no poder... e assim a imprensa vai passando o pano para Bolsonaro e o que ele representa.

Enfim, a matéria de Eduardo Maretti (RBA) vale a pena para ler, reler e aprender com o professor Pedro Serrano. Utilizo o blog para guardar textos memoráveis porque depois de um tempo não encontramos mais o texto na internet (error...).

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Na opinião de Serrano, o partido nazista e o movimento
neonazista não são comparáveis ao comunismo.


Extremismo de Bolsonaro possibilita manifestações nazistas, diz Pedro Serrano

“Há na mídia brasileira uma insustentável posição de não caracterizar Bolsonaro como extremista de direita", diz jurista, especialista em Direito Constitucional


Por Eduardo Maretti, da RBA - Publicado em 17/1/20 - 20h04

São Paulo – “Defender o nazismo é ilícito não porque defendê-lo é extremista, como muito se fala. O nazismo é rejeitado por ter como pressuposto o cometimento de um crime de lesa-humanidade, o genocídio racista, a defesa do genocídio racista como um instrumento de melhoria genética da humanidade.” A opinião é do jurista Pedro Serrano, ao comentar o vídeo que motivou a demissão do agora ex-secretário de Cultura do governo Jair Bolsonaro, Roberto Alvim.

Alvim caiu após utilizar trechos de um discurso do ministro da Propaganda de Adolph Hitler, Joseph Goebbels, em um vídeo para divulgar um programa de governo. O ex-secretário teria sido exonerado após o governo Bolsonaro ter sido pressionado pelo embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, segundo a colunista Mônica Bergamo. De acordo com a jornalista, o presidente da República convidou a atriz Regina Duarte para o cargo.

Na opinião de Serrano, a conduta do governo foi positiva ao demitir o auxiliar. “Mas isso não transforma o governo Bolsonaro num governo democrático. Ao contrário, é o extremismo do governo que possibilita o surgimento desse tipo de manifestação.” A intenção óbvia do Palácio do Planalto foi se isentar de ser chamado de nazista.

Porém, se o extremismo do presidente da República é reconhecido mundialmente, por setores da imprensa internacional da esquerda à direita, no Brasil as práticas e o discurso de Bolsonaro são tolerados e até naturalizados. “Há na mídia brasileira uma insustentável posição de não caracterizar Bolsonaro como extremista de direita. Só a mídia brasileira tem essa postura. Nenhuma outra mídia do mundo democrático ocidental tem essa postura”, diz Serrano.

“Ele é descrito como de extrema-direita em publicações desde liberais de direita, como The Economist e Le Figaro, até obviamente a esquerda. Até a extrema-direita francesa alcunha Bolsonaro de extrema-direita. É só a mídia brasileira que o tem preservado dessa alcunha. Mas ele é um homem de extrema-direita.”

Bolsonaro não é conservador, é reacionário, diz Serrano. “E quem apoia Bolsonaro também não é conservador. Está apoiando um governo reacionário.” Para o jurista, é preciso separar conceitos. “O conservador deseja a conservação do status quo como regra geral, com pequenas reformas. Um conservador no Brasil tem que defender o Estado de direito e a Constituição.”

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As pretensões do reacionário têm semelhança formal com o revolucionário – avalia o jurista –, embora sejam coisas diferentes: o revolucionário pretende uma alteração do modelo de vida social para instaurar o novo, enquanto o reacionário pretende mudar a forma de vida “para trazer um passado idílico, fantasiado, que ele tem. Há um forte traço romântico no reacionarismo: portanto, o que ele pretende é uma alteração disruptiva da realidade. Tão disruptiva quanto o revolucionário, mas em sentido totalmente contrário.”

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Especialista em Direito Constitucional, Serrano observa que, “equivocadamente”, muita gente tem confundido o nazismo como um fenômeno semelhante ao do comunismo. Há, nesse sentido, um projeto de lei na Câmara dos Deputados, não por coincidência do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que propõe transformar em crime a apologia não só do nazismo, como também do comunismo.

“Não dá para confundir, porque se tirar o PCdoB do jogo político, por exemplo, já não tem mais democracia no Brasil”, afirma Serrano. “Nazismo e comunismo são totalmente diferentes no plano jurídico.” Em sua opinião, podem-se fazer críticas ao comunismo, ao autoritarismo do regime “de linhagem soviética”. “O comunismo pode defender certas ideias autoritárias, mas não tem como pressuposto o cometimento de um crime de lesa-humanidade, que é o genocídio racista que o nazismo e o fascismo pregam.”

O partido nazista e o movimento neonazista não são comparáveis ao comunismo. “A comparação pode ser feita com um movimento sueco que defende a pedofilia, por exemplo, com movimentos que defendem a institucionalização de algum crime.”

Punição?

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) anunciou que apresentaria ao Ministério Público Federal um pedido de prisão do ex-secretário de Cultura. Ele argumenta que, por apologia ao nazismo, Alvim cometeu crime, segundo a Lei 7.716/89. Por sua vez, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, lembrou, em entrevista à BBC, que, na Alemanha, Alvim seria preso.

A lei brasileira prevê que é crime “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular, símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”. A pena prevista é de reclusão de dois a cinco anos e multa.

Para Serrano, o ato de Alvim ofende o “espírito” da Constituição, já que desrespeita valores morais próprios da democracia constitucional do pós-guerra. “Aquilo a que (Luigi) Ferrajoli dá o nome de semente antinazifascista. O espírito da expressão ‘moralidade’ na Constituição de 1988 é uma semente antinazista e antifascista.”

Porém, para Serrano, se Alvim inegavelmente incorreu em improbidade, seu ato pode não caracterizar crime, dependendo da interpretação. Isso porque, para alguns, basta haver a apologia ao nazismo para se configurar crime. De acordo com outra interpretação da lei brasileira, o enquadramento penal se configura apenas quando se usam símbolos (como a cruz gamada ou suástica), o que Alvim não fez.

“Mas, se pode haver dúvida no campo penal, no campo da improbidade administrativa não há. Mesmo tendo saído do cargo, ele está sujeito a sanções. O Ministério Público tem que processá-lo. Ele tem que repor o dinheiro da produção do vídeo, que é ilícito. Está sujeito a multas e pode ser punido com a perda de direitos políticos e impedido de ser candidato”, interpreta Pedro Serrano.

Fonte: RBA


segunda-feira, 18 de abril de 2022

180422 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 18 de abril de 2022. Noite de segunda-feira.


Uma longa noite. É o que vivemos aqui no Brasil. Uma longa noite. Eu classifico que vivemos na escuridão desde aquela noite de 17 de abril de 2016. Um deputado canalha, um covarde, um cuzão, votou a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e na sua votação ao microfone da Câmara do Congresso Nacional homenageou o torturador Ustra. Isso ocorreu há 6 anos. Vivemos na escuridão no país faz 6 anos, sem democracia, sem leis, sem justiça, sem amor, sem paz, num mundo cinza, opaco, no breu.

Hoje, 6 anos depois, outro covarde, um militar da reserva e autoridade do país, vice daquele admirador de torturadores que virou presidente através de fraudes e golpes contra a democracia em 2018, fez chacota ao ser questionado sobre áudios do STM que confirmam a prática de torturas durante a ditadura civil-militar de 1964-85. Fez piada com os torturados e assassinados dizendo que isso tem que ser deixado pra lá porque já faz parte da história e passado é passado...

(indignação... vou dar um tempo pra terminar essa postagem...)

Após iniciar esta postagem, parei de escrever e fiquei ouvindo uma entrevista do jornalista Joaquim de Carvalho no site do Brasil247 ao Adriano Diogo, ex-vereador e ex-deputado estadual por São Paulo, geólogo formado pela USP, que foi torturado pelos monstros do Brilhante Ustra nos anos setenta. Algumas passagens descritas por Adriano Diogo são chocantes... e pensar que tem animais humanos aqui em nosso país que admiram e homenageiam o assassino Ustra...

Uma longa noite. Seis anos após o golpe de 2016, milhares de militares foram enfiados na máquina estatal brasileira, milhares de pessoas com altos salários mamando nas tetas do Estado empobrecido pelo golpe, que destruiu as bases de sustentação da sociedade brasileira, incluindo a economia. A máquina do Estado nacional está tomada pela máfia, pela milícia, pelos militares. A máfia contém canalhas de igrejas de fachada, canalhas do agronegócio, canalhas representantes da Faria Lima, canalhas donos dos meios de comunicação. O país inteiro concentrado na mão de pouquíssima gente, como sempre foi desde a invasão colonizadora nos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX, XX... e agora no XXI a mesma merda de sempre nessa terra continental.

Em cinco décadas de existência tive inocência, depois tive raiva e ódio de quase tudo, depois tive esperança e agora voltei a ter raiva e ódio misturados com desilusão. Na juventude raiva e ódio eram potência e me moviam. Na madureza são desilusão, empacam a gente feito burro xucro. Estou assim, empacado. O animal humano deveria ser extinto logo, quem sabe assim outros milhões de espécimes não teriam chance de seguir habitando o planeta Terra. Não estou com nenhum sentimento cristão ou humanista em relação a esse grupo de gente nazifascista, bolsonarista, de extrema direita. Se dependesse do que sinto, esses desgraçados admiradores de torturadores experimentariam da própria sevícia que admiram ser aplicada nos outros. Desgraçados. Que morram antes de mim para meu gozo momentâneo de contar "menos um".

William


sexta-feira, 15 de abril de 2022

Pela construção de sistemas públicos de comunicação social no Brasil



Opinião:

A comunicação social é um direito dos povos, assim como o direito à informação factual, livre das mentiras que dominam o mundo atual. É tarefa de um novo governo de esquerda atuar pela construção de sistemas nacionais de redes sociais e servidores brasileiros para suportar as comunicações do país, de forma soberana e sem dependência das plataformas das gigantes privadas do setor


Em 2004 tive a oportunidade de atuar como secretário de organização do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região. Em 2006, um novo desafio como dirigente da classe trabalhadora: fui secretário de comunicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro, a Contraf-CUT.

Desde os anos 90, as tecnologias da informação avançavam rapidamente e já era evidente que os sistemas de comunicação mundial seriam monopolizados por alguns players, o início das big techs que vemos hoje. Como dirigente sindical, vi o início do domínio do Google, Facebook, Twitter, YouTube, assim como já conhecíamos o domínio da Microsoft e Apple na área em que atuavam. Aliás, o domínio cartelizado dos meios de produção, inclusive de cultura e comunicação, não é novidade para nós. Desde a ditadura civil-militar de 1964-85 o Brasil está sob a comunicação de poucas famílias.

Desde que entendi como a coisa funcionava, passei a ter uma preocupação grande com esse domínio privado dos meios de comunicação num mundo altamente conectado e dependente dessas tecnologias para tudo: onde estavam guardados nossos dados? Por onde passavam nossas informações de email, redes sociais etc? Onde estava o meio físico da internet?

No sindicato, tivemos em 2004 um debate interessante na direção: se mantínhamos servidores próprios para nossos sistemas e bancos de dados e para nosso site, com os investimentos e eficiência necessários para mantê-los atualizados, ou se desfazíamos dessa estrutura e passávamos a hospedar site e banco de dados em servidores do mercado. Fui defensor ferrenho da tese de manter internalizados os sistemas e servidores. Felizmente prevaleceu essa tese na direção.

Ao mesmo tempo, cheguei a conversar com lideranças da CUT Nacional a respeito de ideias que tinha sobre essa questão estratégica de comunicação, informações do mundo sindical e da luta de classes. Eu entendia ser importante que entidades de trabalhadores não dependessem das estruturas de nossos adversários. A CUT, por exemplo, poderia investir num portal com servidores próprios e com capacidade para abrigar os sites e bancos de dados de seus afiliados.

O fato concreto é que sabemos hoje que poucos bilionários dominaram o mundo e isso extrapolou a questão empresarial. Estamos falando de domínio político do mundo e manipulação do comportamento dos bilhões de cidadãos em todos os continentes do planeta. Por mais que as instituições políticas discutam e aprovem leis e normas para regular minimamente essas big techs, os avanços da última década em relação a algoritmos chegaram a níveis perigosos. Até as democracias já não funcionam mais adequadamente por causa da sua influência política.

Em 2022, se não houver novos golpes, teremos uma oportunidade de salvar o Brasil e o povo brasileiro, interrompendo a tragédia do regime bolsonarista. Chance de reconstruir o país, cuja destruição atingiu todas as áreas e dimensões da vida brasileira.

Entendo que uma das propostas a se avaliar em um eventual governo Lula ou do campo democrático e popular é a criação de uma estrutura pública nacional que abrigue e disponibilize ao povo brasileiro todos esses sistemas fornecidos hoje pelas big techs, empresas que nos utilizam como commodities para faturarem bilhões de dólares em marketing baseado em algoritmos que, além de usar nossos dados para fazer publicidade de empresas, alteram nosso comportamento para nos influenciar a adquirir os produtos dessas empresas.

A criação de estruturas públicas de comunicação e redes sociais é uma forma de democratizar o direito ao acesso às diversas formas de redes sociais que existem, da mesma forma que bancos públicos são importantes para democratizar o acesso à bancarização.

Essas estruturas públicas de comunicação social devem vir acompanhadas de debates públicos de regulamentação de proteção de dados e de não utilização dos usuários como produtos, bem como com regras claras contra censura de governos e políticos. É necessário haver alguma regulamentação sobre o uso de algoritmos. O acesso a redes de comunicação públicas deve ser um direito do povo fornecido pelo Estado nacional.

William Mendes
Ex-dirigente sindical bancário


Fonte: este artigo de opinião faz parte do livro Depois da tempestade, com prefácio de Celso Amorim, organização Cleusa Slaviero, 1ª ed., Curitiba, PR. Compactos, 2022.

sábado, 9 de abril de 2022

#BolsonaroNuncaMais



Povo nas ruas

9 de abril, dia de manifestações contra o governo Bolsonaro


Neste sábado, participei das mobilizações populares que ocuparam as ruas de mais de 70 cidades do Brasil para protestar contra o governo Bolsonaro e todos os efeitos trágicos desse regime de morte e de ódio ao povo pobre e trabalhador.

Aqui em São Paulo, a mobilização foi a partir das 14 horas, com concentração na Praça da República e depois com passeata pelas ruas do centro da cidade, passando pela Consolação, Teatro Municipal, Viaduto do Chá, Rua Líbero Badaró e terminando em frente à faculdade do Largo do São Francisco.

Na Praça da República encontrei a querida companheira Alice e as bordadeiras do Linhas de Sampa. Alicinha sempre presente nas atividades populares. No carro de som, vi nosso companheiro de longa data, Índio (dos bancários), liderando a organização das saudações e falas das lideranças. Ao sairmos em caminhada, encontrei o companheiro Serginho Siqueira, também dos bancários.

A reportagem da Rede Brasil Atual informa que participaram do ato paulista cerca de 30 mil pessoas. Aliás, parabéns para o portal porque alguns dos grandes sites ditos progressistas ou da mídia alternativa não registraram as atividades desse 9 de abril com destaque. No site Brasil247, por exemplo, quase cansei de procurar alguma nota sobre as mobilizações.

De fato, achei a mobilização muito boa. Muitos jovens e muitos companheir@s da velha guarda. Pela visualização, percebia-se facilmente a presença do MTST, CMP, MST, PSOL, PCO, PSTU, Intersindical, Conlutas e os movimentos estudantis e de juventude. Esses coletivos estão sempre presentes nas mobilizações de rua. Sempre!

É isso! Tirei a tristeza de ontem das costas e fui pra rua me unir ao povo que tenta ocupar as ruas. É uma pena não ter visto as maiores centrais sindicais no evento paulista. Mas vamos enaltecer quem esteve lá.

William


sexta-feira, 8 de abril de 2022

O fechamento de Carta Maior partiu meu coração



Refeição Cultural

Osasco, 8 de abril de 2022. Sexta-feira.


Hoje recebi uma triste mensagem de Joaquim Palhares, diretor e criador do site Carta Maior, o maior portal da esquerda brasileira, site criado em 2001, a partir do Fórum Social Mundial. 

A mensagem informou aos leitores que mantêm o site sobre o encerramento das atividades após duas décadas de existência. O encerramento foi motivado principalmente por questões financeiras, de financiamento, crise vivida desde o golpe de 2016. Fiquei arrasado, tanto pela notícia quanto pelo contexto em que se deu o fato.

Me tornei dirigente sindical bancário e militante orgânico da esquerda brasileira ao ser eleito para um mandato eletivo no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região justamente em 2002, logo após a criação do site Carta Maior. Que sorte foi a minha!

Ao longo de duas décadas bebi naquela fonte um elixir de conhecimento nas mais diversas áreas do saber humano. Por duas décadas, artigos e opiniões de Carta Maior moldaram minha opinião sobre os mais diversos assuntos.

E agora, neste momento decisivo da história do Brasil e da humanidade, perdemos mais uma fonte de informação e de debates políticos sob a ótica da esquerda e dos grandes pensadores progressistas do mundo. Estou muito triste com isso.

Eu tenho uma imensa gratidão à Carta Maior e toda sua equipe por tudo que aprendi nesses 20 anos de existência do portal. Desejo tudo de bom ao nosso companheiro Joaquim Palhares.

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Logo pela manhã desta sexta-feira, ao ouvir o programa da TV Fórum - Fórum Onze e Meia - com Renato Rovai e Dri Delorenzo, eu já havia sentido uma tristeza profunda, uma espécie de catarse, e uma raiva e sentimento de impotência imensa ao ouvir as notícias sobre as suspeitas de crimes do clã miliciano no poder e os absurdos diários de crimes de bolsonaristas como aquele vereador do PL do Rio de Janeiro que ganha milhões ao abusar de crianças, mulheres e pessoas em situação de miséria através de seu canal na internet. O país foi tomado por um cinismo explícito após o golpe de 2016 e nada acontece para interromper a bandidagem e os abusos da casa-grande.

Para fechar o dia triste, tivemos a notícia da morte do professor e jurista Dalmo de Abreu Dallari, uma grande perda para todos nós militantes de esquerda e das causas populares.

Hoje foi o dia do anúncio da parceria do ex-presidente Lula com o Alckmin para as eleições presidenciais. Acho isso muito triste. Como paulista paulistano me sinto muito mal. Nós sabemos o que foi São Paulo nas últimas décadas na mão dessa gente que Alckmin representa. Mas não estou em posição de falar nada a respeito disso. Tenho escrito que não acredito sequer que as coisas ocorrerão como meus pares acreditam, que haverá eleições, que Lula e a esquerda serão eleitos etc. 

Se tiver oportunidade vou fazer minha parte, vou votar no Lula e na legenda do PT em outubro para todos os cargos eletivos. É a melhor opção para nós da classe trabalhadora, não tenho dúvidas quanto a isso.

Minha avaliação modesta ao olhar o mundo ao meu redor é que o predomínio da extrema direita nazifascista, que representa o capitalismo e os capitalistas, vai seguir destruindo o mundo, a vida e a todos nós. Não vislumbro uma reação de mudança. Não vejo isso neste momento.

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Finalizo esse registro triste. Minha tristeza é grande. Mas de certa forma sempre foi. E assim fui vivendo, ora com mais sentido no existir socialmente, ora com menos sentido. Se eu não tivesse alguma serventia para o bem-estar de algumas pessoas, eu desapareceria hoje mesmo...

William


quarta-feira, 6 de abril de 2022

060422 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 6 de abril de 2022. Quarta-feira. 19h19.


Escrevo com regularidade há mais ou menos duas décadas, antes em diários e depois em blogs e nas produções textuais do movimento sindical bancário. Neste momento não sinto mais vontade de escrever, não vejo mais sentido nisso. Não sei ainda o que vou fazer a respeito disso. Desacorçoei, perdi a confiança na humanidade. Ainda acredito na educação e na formação, mas elas estão vetadas, inviabilizadas neste momento da história humana.

PANDEMIA MUNDIAL

Convive-se com a pandemia mundial de Covid-19 como se ela não existisse mais. Os dados científicos demonstram o contrário. Nos últimos 28 dias se contaminaram com o vírus 44 milhões de pessoas no mundo, tendo falecido 148.736 pessoas (já morreram 6,16 milhões de pessoas). Nos Estados Unidos morreram 19.910 pessoas nesse período. Na Rússia 12.400 mortos; Na Coréia do Sul 8.593 e no Brasil 7.652 mortos. (Fonte: Johns Hopkins University)

Os políticos "acabaram" com a pandemia na canetada. Agora, somos obrigados a entrar em locais fechados como elevadores e estabelecimentos comerciais lotados de gente sem máscara. Que foda! Estamos por conta da sorte e da precaução quando possível. Vale lembrar que as pessoas vacinadas não estão imunes ao vírus, estão com anticorpos para atenuar os efeitos mortais do vírus, mas podem ter sequelas graves, mesmo sendo assintomáticas.

GUERRAS E FIM DAS INSTITUIÇÕES NACIONAIS E MULTILATERAIS

A guerra na Ucrânia entre os Estados Unidos e a Rússia já dura algumas semanas. É difícil dizer algo a respeito da guerra porque a sociedade mundial está perdendo todas as referências que embasavam a vida humana por causa das ferramentas de desinformação em massa. Já que as instituições e os acordos internacionais não são mais respeitados, por exemplo, a ONU e o Conselho de segurança, como as pessoas podem confiar em algum tipo de informação sobre uma guerra como essa? Os Estados Unidos, a Otan, a Rússia, aquele palhaço do presidente da Ucrânia... difícil crer em qualquer informação.

Fake news e pós-verdade - Quando os conhecimentos históricos e científicos não são mais a referência sobre qualquer coisa e o negacionismo e o achismo pessoal se impõem como pós-verdade, a vivência em sociedade se torna algo meio que irrespirável, sem sentido. As vacinas são questionadas, a astronomia e a geografia idem, a ciência, a história... enfim, qual a referência para a convivência em sociedade?

As democracias liberais inventadas pelos Estados burgueses acabaram. Acabaram. O uso da força e da violência voltou a ser a forma definidora do estabelecimento do poder político. Eu não acredito nem um minuto na possibilidade de termos no Brasil neste ano um processo eleitoral sem violência, golpe, ações fascistas e milicianas e mortes e caos. E nós que somos a grande maioria da população que não concorda e não apoia os fascistas e a extrema direita não estamos armados como eles. Vai ser foda. 

O mundo no qual voltamos a viver é um mundo antes da política, é o mundo da violência explícita e de imposição de poder. Os bolsonaristas e militares e milicianos não vão entregar o poder sem violência. Não vão! Os caras ameaçam até o presidente Lula com arma em vídeos e nada acontece porque as instituições NÃO estão funcionando desde o golpe de 2016! Porra, qualquer anta deveria saber disso!

Chega de registro do que penso para o momento. Estou de muito saco cheio, cheio dos seres humanos, cheio de redes sociais, saco cheio de algoritmos e mentiras, de hipocrisia, cheio de ver os abusos do regime miliciano no poder, cheio de perceber que as instituições do Estado já foram dominadas pelo crime organizado e parceiro da casa-grande e a esquerda e os democratas podem ser vítimas severas do que vem por aí.

Saco!

William (20h26)


sábado, 2 de abril de 2022

O animal humano é o mais violento da natureza



Refeição Cultural

Ao longo de minha vida fui mudando de acordo com as experiências que a própria existência me trouxe. Até os dez anos de idade vivi na maior metrópole da América do Sul, São Paulo. Pelos olhos daquela criança a violência era algo difuso, estava em todo lugar mas a gente não percebia. Tive a cabeça furada numa guerra de pedradas entre moleques de nosso lado do bairro e os do lado de lá do córrego do Rio Pequeno, hoje canalizado como Avenida Politécnica. Uma coisa estúpida, violenta, aquelas rixas entre nós e eles do Barro Branco. Por que teria que haver alguma rixa entre os meninos de um lado e outro do córrego ali no campinho? Só por causa dos pipas cortados por linhas com cerol melhor de uns e de outros? Violência pura e estúpida de nossas naturezas humanas. Me lembro como se fosse hoje de outro dia dessas guerras de pedradas entre nós e o outro lado do córrego em que o Peninha levou uma pedrada na testa bem na hora que olhei pra ele. O corte e a sujeira da pedra se mostraram primeiro na testa dele antes de escorrer o sangue e a gente sair correndo com a mão na testa dele. Aff... que merda somos nós? Estou falando de garotos com menos de dez anos de idade. Mas no geral, minhas lembranças da infância até os dez anos são as melhores que tenho. Fui feliz.

Se avalio que era um menino que vivia num ambiente razoavelmente bom até os dez anos morando no Rio Pequeno - apesar do que descrevi acima -, ocorreu o inverso entre os dez e os dezessete anos. Fomos morar em Minas Gerais, na cidade de Uberlândia, no bairro Marta Helena. Anos oitenta. Muita miséria do povo brasileiro, a ditadura ainda estava no poder. Naquela época, o Sílvio Santos já puxava o saco dos ditadores com o programa "Semana do presidente". A Globo já chafurdava na lama putrefata dos ditadores, era parceira do regime desde a época em que essa flor malcheirosa desabrochou em 1965. E nós no Marta Helena convivíamos com os componentes de gangues violentas no bairro. Quem não fosse ao menos conhecido dos caras não andava no bairro. Estou falando de garotos de 12, 13, 14 anos de idade - os mais valentões eram talvez os de 16 e 17 anos. Nos bailes que rolavam nos finais de semana, se viessem caras de outros bairros era porrada neles: era proibido dançar e até flertar com as meninas do "nosso" bairro. Era hábito conviver com a violência pura e sem motivo, violência só por estupidez e animalismo mesmo. Cansei de ver gente agredida de graça por grupos de jovens a troco de nada. Os que brigavam eram os líderes, o restante só olhava porque não tinha o que fazer, era cada um ficar na sua. Me tornei uma pessoa muito diferente do menino que saiu de São Paulo aos dez anos.

Voltei para São Paulo e fui sobrevivendo da forma que era possível para jovens próximos aos dezoito anos que não eram filhos das classes privilegiadas pelo regime ditatorial (a casa-grande e os ditadores eram parceiros, sempre foram!), vivendo sem empregos certos e sem destino certo. Me lembro de ter sido uma pessoa rude, amarga com tudo e todos até perto dos trinta anos de idade. Após uma década de trabalhos braçais em Uberlândia e São Paulo, tive a oportunidade de me tornar bancário, primeiro no Unibanco e depois no Banco do Brasil. Aos trinta anos me tornei dirigente da classe trabalhadora no sindicato dos bancários. Essa oportunidade mudou minha vida porque mudou minha visão de mundo. A politização através do mundo do trabalho e da organização sindical me fez ser uma pessoa mais consciente num mundo injusto, desigual e violento ao extremo. Talvez eu fosse hoje um pobre de direita, um bitolado religioso manipulado por algum canalha que se diz "pastor" (de ovelhas, carneiros, cabras, quadrúpedes diversos... - nada contra a fé individual das pessoas), poderia ser um bolsonarista de merda se não tivesse tido a oportunidade de conviver com os movimentos sociais. Não é à toa que a casa-grande odeia os movimentos sociais organizados pela esquerda: educação libertadora e formação política nos tiram das diversas formas de alienação.

O animal humano é o mais violento da natureza. Não tenho dúvida sobre isso. Nós somos foda! Apesar de começar o texto relembrando alguma coisa da infância e da vida pessoal, quis registrar alguma reflexão sobre nossa natureza violenta por ter pensado muito sobre isso após uma série de produções culturais que abordam humanos e a sociedade humana. Tenho visto a série "Vikings" e a cada episódio fico mais pensativo sobre o que sempre fomos: animais violentos e bárbaros. Ao ver "O poço" (2019) dias atrás, numa madrugada na qual estava muito puto com a vida, fiquei de novo pensando na merda que nós humanos somos. Aff! Na verdade, não é preciso ver produção cultural alguma para pensar na desgraça que o ser humano foi e segue sendo ao longo de sua breve história neste planeta. Após cinco décadas de existência e busca me peguei num mundo com o bolsonarismo e o trumpismo sendo realidades porque uma parte dos animais humanos se veem representados por coisas como essas. O hitlerismo não ensinou nada ao mundo. O conceito de maldade que nós humanos criamos pode tranquilamente ser representado por figuras como essas ou como outras que já passaram por esse planeta. E também pelas multidões que apoiam essas aberrações humanas. Somos uns bárbaros!

Termino como comecei. Ao longo de minha vida fui mudando de acordo com as experiências que a própria existência me trouxe. Já cri e descri na perspectiva de um dia alcançarmos uma sociedade humana livre da violência e da maldade humana, uma sociedade justa e solidária, comunista ou socialista (tendo superado o capitalismo). Hoje, considerando minha experiência e conhecimento de mundo não acredito que seja possível isso. Nem para as pessoas de minha geração, nem para a sequência da vida humana neste planeta.

William