Avelino Ganzer. Foto: reprodução da RBA |
Refeição Cultural
"Eu acho que a nossa experiência não está bem debatida, não está suficientemente clara porque os princípios da CUT, porque a gente trabalhava sempre, a CUT com os seus princípios - sindicalismo de base, autônomo, independente do Estado, independente dos partidos políticos, o sindicalismo plural e tal -, mas, na prática, quando a gente assumiu o governo, nós fomos ser governistas..." (A geração que criou a CUT, p. 112)
O companheiro Avelino Ganzer faleceu nesta semana (13/12/23), aos 75 anos de idade. Ele foi uma grande liderança dos trabalhadores rurais e esteve nas lutas que criaram a Central Única dos Trabalhadores.
Estive dias atrás no lançamento do livro A geração que criou a CUT: a história contada por quem a faz (2023) e hoje li a entrevista feita com Avelino Ganzer em 2021. A entrevista é muito emocionante!
Eu fui um dirigente nacional da categoria bancária por quase duas décadas, uma das grandes categorias da Central Única dos Trabalhadores. Quando comecei a representar meus colegas e os trabalhadores brasileiros passei também a estudar a nossa história, origem, princípios, concepções e práticas sindicais.
Cada vez que ouço uma liderança como Ganzer, mais clareza tenho sobre o papel que a CUT e os sindicatos cutistas desempenharam na história da vida do povo brasileiro.
Quando li o livro de Denise Paraná - Lula, o filho do Brasil (2002) -, tive uma percepção tão grande do que nós éramos que meu desejo era que todos os sindicatos cutistas e dirigentes sindicais lessem e debatessem eixos temáticos a partir das entrevistas contidas no livro (ler comentário aqui).
A origem do Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores são origens diferentes da origem de todas as outras centrais e partidos que nós conhecemos, tanto no Brasil quanto nas experiências de outros países.
Não tenho dúvidas de que a leitura das 30 entrevistas contidas no excelente trabalho realizado para nos brindar com este livro dos criadores da CUT trará esclarecimento e resgate do fazer sindical pensado por nossas lideranças no final dos anos 70 e início dos anos 80. Nós tínhamos claro o que NÃO queríamos ser em relação a tipos de sindicalismo e de partidos de esquerda que existiam como referência para a classe trabalhadora.
Enfim, cito abaixo mais alguns momentos da entrevista de Avelino Ganzer, pois elas me fizeram relembrar meu aprendizado quando estudei o que era ser um sindicalista da CUT e um militante do PT ao longo de trinta e tantos anos como eleitor, trabalhador e depois como sindicalista.
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RESGATAR A SOLIDARIEDADE DE CLASSE
"Mas para unir o pensamento, tem que ter proposta clara, tem que ter muita gente convencida em torno daquele processo e reconstruir uma coisa que a ditadura tinha ferido de morte, que era a confiança entre as pessoas, a solidariedade."
Essa fala de Avelino Ganzer é muito importante tanto para pensarmos a criação da nossa Central e do movimento de luta dos trabalhadores/as num país sob ditadura civil-militar no passado, quanto para refletirmos sobre o momento atual, do Brasil após os 7 anos de golpe e da revolução conservadora e reacionária empreendida pela extrema-direita através das reformas e desfazimento das instituições do Estado e da sociabilidade entre as pessoas.
Sem resgatar a solidariedade de classe, a solidariedade entre nós, a gente não vai avançar nas conquistas e não estaremos preparados para o próximo golpe de Estado que pode acontecer ainda durante o 3º governo do presidente Lula.
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SINDICATO É SINDICATO, NÃO É PARTIDO NEM GOVERNO
"O sindicalismo não é para ser oposição a nenhum governo, é para ser oposição às políticas que destroem, que perseguem a classe trabalhadora; às vezes, é o próprio governo, mas quem faz oposição aos governos são os partidos políticos que constroem o poder político. Esse debate para as novas gerações não está muito claro."
Aqui está uma fala central para compreender a origem e os princípios de nossa central sindical. E acrescento mais, como alguém que estudou a origem e a prática da corrente hegemônica da CUT, a Articulação Sindical: eu mesmo demorei alguns anos para entender o que era a nossa tendência, que ela era diferente das correntes políticas e sindicais revolucionárias.
Quando as lideranças mais experientes em nosso meio diziam que sindicato é para sindicatear, que governo é governo, partido é partido e sindicato é sindicato, era porque nossa prática sindical tinha como um dos objetivos imediatos da classe trabalhadora organizar as categorias, construir pautas de reivindicações, preparar as mobilizações e buscar negociações coletivas para contratar acordos e convenções coletivas de trabalho. A essência dos sindicatos daquela linha hegemônica do novo sindicalismo era essa, contratar direitos para os trabalhadores.
Resumindo, no meu caso, à medida que fui dirigindo e representando uma grande categoria, que fui estudando nossa origem, nossas concepções e práticas sindicais, fui me politizando e fui me conscientizando de meu papel. Quanto mais me tornava um militante de esquerda, mais tinha firmeza nos propósitos e flexibilidade nas táticas, como dizíamos. A clareza do que era ser um dirigente cutista foi muito importante para tentar fazer uma boa representação ao longo de 16 anos de mandatos eletivos.
É isso. É altamente recomendável que as amigas e amigos leitores experimentem a leitura dessas entrevistas contidas no livro em questão. Tem muita história e muita inspiração de grandes homens e mulheres que fizeram a nossa história da classe trabalhadora.
William
Bibliografia:
A geração que criou a CUT: a história contada por quem a faz. Organizadores: Claudio Nascimento et al. São Paulo: Annablume, 2023.
5 comentários:
Obrigada pela excelente resenha Wiliam
Eu queria mostrar a parte do "sindecatear" para os colegas docentes dos IFs e Universidades Federais que nas assembléias abraçam e divulgam as análises de conjuntura que colocam a cobrança do governo como algo que solapa e enfraquece o Lula, prepara a volta do fascismo!
Eu queria mostrar a parte do "sindecatear" para os colegas docentes dos IFs e Universidades Federais que nas assembléias abraçam e divulgam as análises de conjuntura que colocam a cobrança do governo como algo que solapa e enfraquece o Lula, prepara a volta do fascismo!
Sobre a resenha: agradeço a leitura e fico feliz que tenha gostado. A entrevista me fez refletir bastante.
Abraços,
William
Sobre a questão do fazer sindical e das assembleias e greves na educação pública federal:
Eu tenho a opinião de que o nosso governo Lula poderia atuar de forma diferente em relação às reivindicações dos servidores da educação. Está errado em não conceder reajustes melhores e negociar os planos de carreiras do setor.
Uma coisa que acho que o Lula e o PT poderiam rever e não fazem isso quando estão no poder político, já sabemos, é fazer negociações melhores e menos fiscalistas com os setores que apoiam o governo de esquerda ou centro-esquerda. Não aprendeu isso em mais de duas décadas de poder!
Os governos dos tucanos nos anos 90 e os governos golpistas de extrema-direita de Temer e Bolsonaro fizeram a farra do boi com o orçamento público para encher os bolsos dos setores que eles cooptaram e quando chega a gente no governo é a mesma inocência boba do PT de cuidados fiscais etc e blá blá blá só com o nosso lado dos apoiadores.
Francamente, dê logo reajustes descentes aos servidores da educação, tão massacrados e vamos focar nos embates com nossos adversários e inimigos!
É o que eu faria se estivesse no poder político neste momento da história no Brasil e no mundo.
Abraços,
William Mendes
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